O pequeno Vanuatu aproveita sua desimportância para lançar ideias climáticas de grande alcance

Presidente Vurobaravu quer que o Tribunal Internacional de Justiça dê parecer sobre se os governos têm obrigações legais de proteger pessoas contra perigos climáticos

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Somini Sengupta
The New York Times

Nikenike Vurobaravu é o presidente de um pequeno país que tem um peso grande na diplomacia climática.

A ascensão do nível do mar coloca em risco a própria existência de seu país, o arquipélago de Vanuatu, no oceano Pacífico, e de seus pouco mais de 300 mil habitantes. Para Vurobaravu, a maior arma que o país possui para defender-se é erguer sua voz de forma criativa em negociações diplomáticas internacionais.

Ilha de Vanuatu, no Pacífico
Ilha de Vanuatu, no Pacífico - Juancat/Adobe Stock

Saiu de Vanuatu em 1991 a ideia de que os países industrializados devem pagar pelos danos irreversíveis induzidos pela mudança climática e sofridos por países em desenvolvimento, como o próprio Vanuatu.

Na conferência climática das Nações Unidas, realizada no mês passado no Egito, chegou-se a um acordo, após 30 anos de negociações, para a criação de um fundo que ajudará países pobres a enfrentar a mudança climática e os danos.

No início do ano, Vurobaravu usou o púlpito da Assembleia Geral da ONU para, pela primeira vez, reivindicar um "tratado de não proliferação" de combustíveis fósseis.

Agora ele está lançando a sugestão mais provocante já feita por Vanuatu. Vurobaravu quer que o Tribunal Internacional de Justiça, o mais alto órgão judicial do mundo, sediado em Haia, dê seu parecer sobre se os governos têm obrigações legais de proteger pessoas contra perigos climáticos, e, o que é mais crucial, se o descumprimento dessas obrigações pode levar a "consequências legais" sob as leis internacionais existentes. Em outras palavras, Vanuatu quer que o TIJ diga se países poderão ser processados por inação climática.

Nikenike Vurobaravu, presidente de Vanuatu, na Assembléia das Nações Unidas - Dave Sanders/The New York Times

"A gente pensa fora dos padrões habituais", disse Vurobaravu, homem de fala suave, cujo bigode grisalho de pontas viradas para baixo lhe dá a aparência de um emoji de rostinho triste, embora ele seja tudo menos isso. Para ele, Vanuatu é um país pequeno que historicamente tem tido pouca importância e por isso mesmo aprendeu a inovar.

"Se tentássemos seguir para fazer as coisas como outros países, acho que não teríamos chegado muito longe", ele disse.

O projeto de resolução foi copatrocinado por 17 outros países, incluindo pelo menos uma nação industrializada responsável por uma parcela grande de emissões históricas: a Alemanha. Nem os Estados Unidos nem a China o endossaram.

A diplomacia pode muito bem ser a única defesa de Vanuatu. O país não possui exército e não tem nenhuma commodity valiosa, exceto o atum, que, com aquecimento do oceano, está se afastando cada vez mais das águas territoriais do arquipélago.

O projeto de resolução apresentado pelo país, solicitando uma decisão legal do Tribunal Internacional de Justiça, foi colocado em discussão na Assembleia Geral da ONU em meados de novembro.

Nos próximos meses, cada palavra e vírgula devem ser negociados, e o projeto pode ir a voto no início de 2023. Para ser aprovada, a resolução precisa receber o voto da maioria dos 193 países membros da Assembleia Geral. Os votos das superpotências e dos países pequenos têm peso igual.

Para compreender o papel desproporcional exercido por Vanuatu é preciso conhecer sua história singular.

Habitadas por povos melanésios nativos desde o século 6 a.C., as ilhas foram governadas conjuntamente pela Grã-Bretanha e França por quase cem anos. Os europeus foram atraídos pelo sândalo de Vanuatu no início do século 19, e mais tarde por sua terra e mão de obra. Colonos criaram fazendas de algodão e depois de café, banana e coco.

Vanuatu conquistou sua independência em 1980.

Foi então que Vurobaravu, advogado por formação, tornou-se diplomata. Ele criou o serviço diplomático de seu país.

Em 1981, quando Vanuatu ocupou uma cadeira na Assembleia Geral, o cineasta e advogado americano Robert Van Lierop, amigo de Vurobaravu, tornou-se o primeiro representante de Vanuatu nas Nações Unidas.

Vanuatu ajudou a criar a Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS, na sigla em inglês), que desde então tornou-se um bloco influente de 39 países nas negociações climáticas globais.

Em 1991, quando uma convenção climática da ONU estava sendo negociada, Van Lierop propôs a adoção de um mecanismo de "perdas e danos".

A ideia de buscar uma decisão legal do Tribunal Internacional de Justiça foi proposta há quatro anos por um grupo de estudantes de direito, disse Vurobaravu. Nessa época a capital de Vanuatu tinha sido fortemente fustigada por um ciclone de categoria 5. Vilarejos inteiros foram achatados. Plantações foram destruídas. O fato de apenas 11 pessoas terem morrido foi atribuído a um sistema de alerta precoce.

Vurobaravu hoje tem dois netos. "Os impactos da mudança climática estão se agravando sem parar", ele disse. "Olho para meus netos e me pergunto como vai estar a situação quando eles tiverem 20 anos, quando tiverem 30?"

Hoje ciclones de categoria 4 e 5 são comuns no país, e a estação dos ciclones, entre novembro e março, é também a estação de plantio dos agricultores de subsistência vanuatenses. O grande ciclone mais recente, em 2020, atingiu a ilha onde Vurobaravu vive, Malo. A população de Malo dependeu de assistência para sobreviver por quase um ano.

Seis vilarejos em quatro ilhas já foram transferidos para outros locais. Sua água potável virou salina, e as ilhas deixaram de ser habitáveis. Ciclones e a água oceânica mais quente destruíram recifes de corais e os peixes dos quais muitas pessoas sobrevivem. Os casos de dengue e malária vêm aumentando.

Por tudo isso, quando os estudantes de direito sugeriram investigar se as leis internacionais existentes poderiam ser usadas para proteger as gerações futuras, disse Vurobaravu, ele não pôde simplesmente rejeitar a sugestão. Vurobaravu disse que na sociedade vanuatense, os anciãos têm obrigações.

"Eles estão pedindo à liderança do governo, à liderança regional, à liderança internacional que cumpram suas obrigações", ele explicou.

No mês passado, Vurobaravu ficou sentado numa salinha num barulhento e superlotado centro de convenções em Sharm el-Sheikh, no Egito, onde as negociações climáticas estavam acontecendo, e refletiu sobre as reivindicações das gerações mais jovens. Disse que ouviu os jovens perguntando: "Por que vocês estão embriagados com combustíveis fósseis?"

A campanha pelo parecer legal do TIJ é complicada por questões geopolíticas. Um esforço semelhante iniciado mais de uma década atrás por duas outras nações insulares do Pacífico, as Ilhas Marshall e Palau, não deu em nada, em grande medida devido à oposição de países mais poderosos. (Vale lembrar que os EUA exercem autoridade sobre a defesa e segurança de ambos os países e o Exército americano tem uma plataforma de defesa antimísseis nas Ilhas Marshall.)

Os relacionamentos geopolíticos de Vanuatu são diferentes. A China vem ampliando sua influência diplomática no Pacífico, incluindo com Vanuatu, que está introduzindo aulas de língua chinesa em suas escolas. A Austrália é a maior parceira comercial de Vanuatu, que é defendido pela Austrália, Nova Zelândia e França.

O país tem seus ovos diplomáticos espalhados por muitas cestas, e o presidente Vurobaravu disse que não está preocupado com a pressão de países industrializados ricos para abandonar a campanha por um parecer legal internacional. "Se eles nos ameaçarem, vamos parar? Esta campanha vai parar? Duvido muito", ele disse.

O projeto de resolução pede que o TIJ avalie leis existentes, tais como os pactos de direitos culturais e o Direito Marítimo Internacional, para considerar se protegem as gerações atuais e futuras contra perigos climáticos. Alguns poucos tribunais nacionais já chegaram a vereditos favoráveis às ações dos ativistas, baseando-se em parte no direito internacional.

"Uma decisão do TIJ poderia ser a declaração mais autorizada sobre as obrigações que o direito internacional impõe aos países para controlarem suas emissões de gases estufa", disse Michael Gerrard, professor de direito na Columbia Law School e envolvido no esforço anterior de Palau e das Ilhas Marshall.

De acordo com Vurobaravu, a estratégia diplomática de Vanuatu é moldada pela história do país. França e Grã-Bretanha, potências rivais, nunca conseguiram chegar a um acordo sobre a maioria das questões ligadas à governança de Vanuatu.

Segundo o presidente, Vanuatu foi obrigado a criar estratégias às quais países maiores e mais poderosos não teriam razões de se opor. "Tivemos que aprender a administrar nossa ‘desimportância’. Sei que isso soa um pouco cafona e engraçado, mas nosso povo teve que fazer isso por 75 anos. Ainda temos que fazer."

Tradução de Clara Allain

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