Candidato a sediar COP30, Pará é o maior desmatador da Amazônia

Desde 1988, foram perdidos quase 167 mil km2 de floresta no estado, cerca de 35% do total desmatado no bioma no período

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

No último dia 11, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), anunciaram que Belém foi lançada como candidata para receber a edição de 2025 da conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), a COP30. A intenção é trazer o maior fórum mundial sobre mudanças climáticas para a Amazônia, mas o estado escolhido como possível sede é o maior desmatador histórico do bioma.

Dados do Prodes (Programa de Monitoramento do Desmatamento por Satélite), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), mostram que, desde o começo da série histórica, em 1988, já foram devastados aproximadamente 167 mil km² de floresta no estado. Isso equivale a quase 35% do total perdido no bioma nesse período.

O segundo colocado, Mato Grosso, registrou perda de 152 mil km² —quase 15 mil km² a menos.

Vista de drone de áreas desmatadas ao lado de áreas ainda de floresta em pé, formando uma espécie de mosaico em tons de verde e marrom
Área desmatada na Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará, alvo de operação do Ibama nesta quinta (19), na cidade de Uruará - Ueslei Marcelino/Reuters

Há 16 anos consecutivos, o Pará é o campeão anual em devastação. Só entre agosto de 2021 e julho de 2022, foram desmatados mais de 4.141 km² do bioma no estado. A queda de quase 21% em relação ao pico do ano anterior (5.238 mil km², o maior número desde 2008) não é algo tão surpreendente, dizem pesquisadores, já que mesmo para os desmatadores é caro manter níveis tão altos de destruição.

"O ano anterior foi desastroso, o maior índice de desmatamento em décadas, então é normal ter uma queda em seguida", aponta Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, rede de organizações socioambientais. Em 2021, o índice de desmate em todos os estados da Amazônia Legal chegou a 13 mil km², o mais alto desde 2007.

Outra possível explicação para os números de 2022 é que choveu mais do que o normal na região. "Isso fez com que reduzisse as possibilidades de desmatamento e queimadas", afirma Eugênio Pantoja, diretor de Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).

Existem vários fatores para a dinâmica de desmatamento do Pará. De acordo com o pesquisador, já na ocupação do estado, nas décadas de 1960 e 1970, a aptidão para o desmate era um critério que definia onde os migrantes, incentivados pela política desenvolvimentista da ditadura militar, se instalavam.

Em seguida, os vetores de destruição da floresta passam a ser grandes obras de infraestrutura. "[O desmate] é impulsionado especialmente pela construção de grandes rodovias —como a Transamazônica, a Belém-Brasília (BR-010) e a BR-163— e também obras como as usinas hidrelétricas de Belo Monte e Tucuruí", explica Pantoja.

Além disso, também entram na conta a ocupação ilegal de terras ainda não destinadas (pelo estado ou pelo governo federal), que ficam vulneráveis à grilagem, e a invasão de unidades de conservação e terras indígenas, sobretudo para garimpo.

"Grande parte do desmatamento no Pará ocorre dentro de áreas públicas federais", diz o pesquisador, destacando que cerca de 70% da área do estado estão sob domínio da União.

Em âmbito local, Pantoja considera que houve avanços em políticas nos últimos anos, que ajudaram a reduzir a devastação —como a criação da Força Estadual de Combate ao Desmatamento e o programa Amazônia Agora, voltado ao desenvolvimento sustentável da região.

Para ele, porém, continuar reduzindo as taxas será um desafio para o Pará. "Ainda existe uma cultura de ocupação ilegal com desmatamento na região, sobretudo nas regiões mais críticas, como Novo Progresso e Jacareacanga."

Após a publicação da reportagem, a Semas (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade) do Pará disse em nota que o estado "nunca negou os desafios em relação ao combate ao desmatamento ou se omitiu da responsabilidade em combater os ilícitos ambientais" e que o maior adensamento demográfico da região precisa ser levado em conta.

O órgão citou iniciativas implementadas localmente, como a Política Estadual de Mudanças Climáticas, o Plano Estadual de Bioeconomia, e o Selo Verde, de rastreabilidade da produção pecuária. "Por isso, o Pará e o Brasil acreditam que Belém seja a melhor escolha para sediar a COP 30, pois o debate deve ocorrer no local onde o tema [das] mudanças climáticas necessita de maior atenção e cuidado, que é a Amazônia".

O Ministério do Meio Ambiente também foi procurado para comentar o assunto, mas não se pronunciou.

Na última semana, o Ibama realizou no Pará, além de Acre e Roraima, as primeiras operações contra o desmatamento na Amazônia do novo governo Lula. A Terra Indígena Cachoeira Seca foi o alvo das ações no município de Uruará (PA).

Diplomacia ambiental

Lula anunciou a intenção de sediar a COP30 em alguma cidade amazônica em visita à COP27, no Egito, em novembro de 2022, em sua primeira viagem internacional como presidente eleito. No evento, no primeiro discurso ao mundo depois da vitória no segundo turno, o petista afirmou que a agenda climática seria central no governo.

Herschmann avalia que foi um movimento muito simbólico. "Foi a primeira vez que um presidente não empossado foi convidado para participar de uma COP", afirma. "Lembrando que a gente tinha feito uma oferta para sediar o evento [em 2019], que foi retirada pelo [ex-presidente] Jair Bolsonaro. E o novo governo vem e diz que não só estamos de volta, mas queremos assumir esse protagonismo", completa.

Pela regra, a cada ano a conferência acontece em um continente diferente. O Brasil foi candidato a receber a última COP latina, em 2019, mas, quando Bolsonaro desistiu da candidatura, a presidência ficou com o Chile. Devido aos protestos que ocuparam as ruas de Santiago naquele ano, porém, o evento aconteceu na Espanha.

A COP28, em 2023, será realizada nos Emirados Árabes, país de economia centrada no petróleo, o que tem gerado desconfiança de ambientalistas quanto aos resultados que o anfitrião estará disposto a entregar na presidência do evento. A liderança das negociações ficará a cargo de Sultan al-Jaber, chefe da petroleira estatal Abu Dhabi National Oil e também ministro da Indústria e Tecnologia e enviado climático da nação.

Já as COPs 29 e 30 ainda não têm local definido.

Se confirmada pela ONU, a escolha da Amazônia como sede também será particularmente emblemática porque o Brasil é o país que mais destrói florestas no mundo. Além disso, o desmatamento é grande responsável pelas emissões brasileiras: cerca de 49% delas em 2021 estavam associadas à mudança de uso da terra e floresta, segundo o Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima).

"É simbólico que o Lula queira levar essa discussão climática para dentro da Amazônia, para que não tenha esse distanciamento entre as discussões e onde aquele impacto está acontecendo. É bonito, mas não é suficiente", pondera a especialista. "A gente precisa também entregar resultados. Precisamos reverter o desmatamento."

Pantoja ressalta que trazer uma discussão de nível global para a Amazônia imporá uma responsabilidade ainda maior para o Brasil e para o estado do Pará. "Isso traz a oportunidade de que o país e os estados amazônicos assumam compromissos para esse processo de desenvolvimento e redução de desmatamento na região."

Cidade concorrente

Na COP27, Lula também disse que considerava Manaus como candidata a sediar a COP30. O Amazonas é chefiado pelo governador reeleito Wilson Lima (União Brasil), aliado de Bolsonaro. E, no ano passado, os números de desmate no estado chamaram atenção.

"Foi o único estado da Amazônia Legal que teve aumento no corte raso (13%) e isso é um reflexo direto do asfaltamento da BR-319 —que é uma rodovia que vai cortar o maior bloco de florestas intactas da Amazônia", destaca Herschmann. "A gente vai ver lá o que já aconteceu em outras BRs, que são um grande motor de desmatamento."

Em julho passado, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) aprovou a licença técnica para a pavimentação da estrada, mesmo contrariando pareceres do próprio órgão, que apontaram risco de mais grilagem por causa da obra.

Atualmente a BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, tem um grande trecho que fica intransitável na estação chuvosa. O asfaltamento foi uma promessa de campanha de Bolsonaro.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.