ExxonMobil previu aquecimento global desde 1977 e não agiu, diz estudo

OUTRO LADO: empresa diz que conclusões de pesquisadores estão erradas

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São Paulo

O gigante energético ExxonMobil, empresa que compreende as marcas Esso, Exxon, Mobil e ExxonMobil, produziu uma série de documentos científicos internos entre 1977 e 2003 que previam o aumento da temperatura global por emissões de gases-estufa desde a década de 1970 e não agiu para impedir.

Segundo os dados, as projeções de mudança da temperatura global de cientistas da empresa estimaram um aumento de 0,2°C (com margem de 0,04 °C para mais e para menos) a cada década, o que se aproxima em muito da previsão feita pelos principais pesquisadores do clima —de 0,19°C (com 0,03 °C de variação).

Ainda, projeções internas conduzidas em 1982 estimaram que emissões na ordem de 600 partes por milhão (ppm) de CO2 (dióxido de carbono) atmosférico —muito superior aos 450 ppm considerados como emissão elevada– levariam a um aumento da temperatura em mais 1,3°C até 2080. Desde a era industrial, a temperatura média global já subiu 1,1°C.

Procurada, a empresa diz que "aqueles que falam que a 'Exxon sabia' estão errados em suas conclusões".

Logo da ExxonMobil em monitor na Bolsa de Nova York - Lucas Jackson - 30.dez.2015/Reuters

Os documentos internos produzidos por cientistas da companhia foram analisados pela primeira vez e divulgados em um artigo na edição desta quinta-feira (12) do periódico científico Science. Assinam a pesquisa Geoffrey Supran, físico e professor no departamento de Política de Ciência e Meio Ambiente da Universidade de Miami, o oceanógrafo Stefan Rahmstorf, da Universidade de Potsdam (Alemanha), e a historiadora Naomi Oreskes, da Universidade Harvard.

Para avaliar o quanto a petroleira sabia sobre as possíveis consequências do aquecimento global, provocado pela emissão de gases na atmosfera, os cientistas analisaram 32 documentos produzidos pela ExxonMobil de 1977 a 2002 e mais 72 artigos publicados em periódicos científicos de autoria ou com colaboração dos funcionários da empresa de 1982 a 2014.

Com esses documentos, os cientistas da ExxonMobil projetaram 16 cenários distintos de aumento da temperatura global, que foram sintetizados em um único gráfico no artigo da Science (veja abaixo).

De 63% a 83% das projeções estimadas pela ExxonMobil para aumento da temperatura global foram consistentes com o cenário observado, superior às projeções acertadas de principais especialistas do clima, que tiveram uma taxa de sucesso de 28% a 81%.

Considerando, ainda, uma escala de 0% a 100% para medir quem previu o cenário climático global, as pesquisas produzidas pela Exxon têm um escore de mais de 70%, com um dos estudos chegando a 99% de acerto. Já o principal cientista da agência espacial americana, a Nasa, tinha um escore de 38% a 66%.

Para Geoffrey Supran, por ser uma das principais empresas globais e com recursos para financiar pesquisas de ponta, a ExxonMobil produziu documentos internos e dados com eficácia elevada, mas que tinham como objetivo acumular conhecimento científico e predizer o futuro econômico da empresa, e não atuar de maneira socialmente ética para combater o aquecimento global.

"A empresa ficou em silêncio o máximo que pôde durante a década de 1980 e foi apenas no final de 1988 e 1989, quando o aquecimento global ganhou as manchetes em todo o mundo, que eles perceberam que era um momento crítico e tinham de dizer alguma coisa. Infelizmente, eles escolheram atacar os cientistas, em vez de contribuir para uma energia limpa", diz .

"Por 30 anos eles poderiam ter atuado para reduzir emissões de forma a termos hoje um desafio muito menor de mudança do aquecimento global, mas em vez disso eles escolheram nos jogar em direção a uma verdadeira crise climática. Hoje, para reduzir as emissões, estamos diante um precipício muito alto", avalia.

Em nota à Folha, a ExxonMobil, que nega as acusações, diz que "esta questão surgiu diversas vezes nos últimos anos", mas já foi avaliada na Justiça.

"Em 2019, o juiz Barry Ostrager, da Suprema Corte do Estado de Nova York, ouviu todos os fatos em um caso relacionado e escreveu: 'O que a evidência em julgamento revelou é que os executivos e funcionários da ExxonMobil estiveram comprometidos de maneira uniforme em desempenhar rigorosamente seus deveres da maneira mais abrangente e meticulosa possível. (...) Os depoimentos destas testemunhas demonstraram que a ExxonMobil tem uma cultura de análise, planejamento, contabilidade e reportes disciplinados.'", cita a companhia.

Dados que vieram a público também já comprovaram a atuação por meio de lobby e propaganda da empresa para continuar a estimular a queima de combustíveis fósseis.

Situação similar ocorreu na década de 1960, quando muitos médicos contratados pela indústria do tabaco produziam estudos científicos que diziam que não havia malefícios do cigarro, enquanto a comunidade médica já tinha conhecimento da associação entre o tabagismo e o câncer de pulmão.

Talvez o dado mais estarrecedor seja um documento interno (chamado "Efeito ‘Estufa’ do CO2"), publicado pela Companhia de Engenharia e Pesquisa Exxon, em que a empresa corretamente estimou um "aumento na temperatura média global" dentro do "cenário de crescimento da empresa no século 21 pelas emissões de CO2", diz o artigo. O documento foi divulgado em 1982 como conteúdo "sigiloso" e para "uso da companhia somente".

Por outro lado, as declarações públicas da empresa desde o final do século 20 e início do 21 foram contraditórias ao escopo de informação produzido pelos próprios cientistas.

Segundo o estudo na Science, em 1997 o diretor-executivo da Mobil (antes da junção desta com a Exxon, em 1999), Lee Raymond, questionou se "a Terra está realmente aquecendo" afirmando que "nos anos 1970 alguns dos profetas do apocalipse diziam que estava se aproximando uma nova Era do Gelo".

Outra declaração à imprensa contraditória foi feita em 2001, quando a ExxonMobil afirmou que "não há consenso sobre os efeitos de longo prazo das mudanças climáticas e quais as suas causas".

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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