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MPF recomenda que Pará revogue licenciamento municipal para garimpos de ouro

Para Promotoria, impacto ambiental não é restrito aos limites das cidades e, portanto, atribuição seria inconstitucional

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São Paulo

O MPF (Ministério Público Federal) no Pará emitiu na tarde desta sexta-feira (17) uma recomendação para que o licenciamento ambiental para garimpo de ouro não possa ser concedido por prefeituras. Hoje, o Pará é o único estado da Amazônia em que essa tarefa foi atribuída aos entes municipais.

O MPF argumenta que a legislação determina que as prefeituras só podem promover o licenciamento de empreendimentos "que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local", mas o dano causado pelo garimpo é extenso demais e atinge bacias inteiras. Assim, a Promotoria defende que a condução desse processo em nível local é inconstitucional.

Imagem aérea mostra o encontro das águas barrentas e poluídas pelo garimpo do Rio Rato com as águas verdes do rio Tapajós, em Itaituba, no Pará
Confluência das águas poluídas pelo garimpo do Rio Rato com o rio Tapajós, em Itaituba (PA), em registro de 2018 - Lalo de Almeida - 19.ago.2018/Folhapress

O Pará delegou esse papel aos entes municipais em 2015, por meio de uma resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente que enquadrou como "impacto local" lavras garimpeiras de até 500 hectares. No entanto, em resposta a um ofício do MPF de 2022, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade teria informado que não há pareceres técnicos ou jurídicos que tenham fundamentado a decisão.

A Promotoria aponta, ainda, que, por serem o elo mais fraco dos entes federativos, as prefeituras estão mais sujeitas a pressões de empresários da mineração.

A decisão foi baseada em uma nota técnica elaborada pelo ISA (Instituto Socioambiental) e pelo WWF Brasil a pedido do MPF.

O pedido foi motivado por um inquérito aberto no ano passado, depois que as águas de Alter do Chão, em Santarém (PA), ficaram barrentas devido à lama que vinha dos garimpos na bacia do rio Tapajós. Na ocasião, os empreendimentos que geraram os rejeitos estavam a mais de 350 km de distância.

"Essa nota técnica veio corroborar alguns argumentos que nós já tínhamos: que os impactos causados pelo garimpo legal e ilegal são extensivos e não se resumem a uma localidade", afirma Paulo de Tarso, procurador da República no Pará. Ele acrescenta que hoje o garimpo é essencialmente mecanizado, usando equipamentos com potencial de causar significativo dano ambiental.

"Entendemos que o estado do Pará está atuando ilegalmente quando autoriza municípios a fazerem o licenciamento ambiental desse tipo de atividade", diz.

O parecer do ISA e do WWF ressalta que, dependendo da sua localização e da vazão dos cursos d'água, os impactos do garimpo de ouro podem ser microrregionais ou regionais. No caso do impacto microrregional, a competência para o licenciamento seria estadual, e no caso do impacto regional, a incumbência seria federal.

O promotor afirma, ainda, que foi constatado que as secretarias municipais não têm aparato para fazer o licenciamento adequado. "Mesmo as licenças expedidas não são fiscalizadas, não há incursões em campo ou compensações ambientais. Não há nada que, efetivamente, resguarde o meio ambiente."

Gustavo Geiser, perito criminal federal lotado em Santarém, explica que a legislação define o impacto aceito para cada atividade e o papel do licenciamento é avaliar se o empreendimento se adequa a esses limites.

"No caso do garimpo, os rejeitos vão além da esfera do município. Quando o impacto vai além dos limites do município, não cabe ao município licenciar", afirma. "E há também uma pressão muito grande sobre o ente mais frágil da federação para liberar mais empreendimentos", pontua Geiser.

Ele exemplifica essa fragilidade com o caso da cidade paraense de Itaituba. "Itaituba vive de garimpo. Aí a prefeitura vai restringir as licenças de garimpo? Fica um pouco frágil a prefeitura restringir a principal fonte de renda do município."

De acordo com a nota técnica, Itaituba teve 772 permissões de lavra garimpeira autorizadas entre 1990 e 2021, concentrando 41% das autorizações concedidas pela Agência Nacional de Mineração no período.

"Nós verificamos que na bacia do Tapajós há uma promiscuidade entre certos políticos locais e os empresários. Às vezes esses papéis inclusive se confundem, e os prefeitos se beneficiam da regulamentação frouxa do garimpo", afirma Tarso.

"Não bastasse todo o garimpo ilegal, nos lugares em que ele é legal, é muitas vezes baseado em princípios inidôneos", completa.

A expectativa do MPF e das organizações é de que a recomendação seja acatada e a decisão que atribuiu o licenciamento aos municípios, anulada.

"O que se espera é a revogação imediata, pelo estado do Pará, da norma que permitiu o descalabro da municipalização do licenciamento da atividade", diz Mauricio Guetta, assessor jurídico do ISA.

Ariene Cerqueira, advogada e analista de políticas públicas do WWF Brasil, destaca que os estudos citados na nota técnica demonstram que os danos causados aos corpos hídricos, o uso de mercúrio e os impactos da movimentação do terreno podem atingir longas distâncias.

"Causam transtornos diversos à biodiversidade e à vida das populações que se encontram em áreas onde sequer são desenvolvidas atividades de exploração mineral", explica.

Além de requisitar que o estado do Pará revogue a decisão, o MPF também pede que os órgãos fiscalizadores e as forças de segurança não reconheçam licenças para garimpo de ouro concedidas por municípios.

"Licenças podem ser anuladas, por vícios não apenas de competência mas também relativos ao descumprimento das normas federais, como a ausência de avaliação adequada de impactos", argumenta Guetta.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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