Acampamento isolado no coração da Amazônia pesquisa efeitos da crise do clima

Parte do legado do pesquisador americano Thomas Lovejoy, local é referência para estudar impactos na floresta

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Vista aérea de acampamento no meio da floresta

Vista aérea do Acampamento 41, no Amazonas, onde são desenvolvidos projetos científicos para entender como a floresta é impactada pelas mudanças climáticas Michael Dantas/UN Foundation

Acampamento 41 (AM)

Um lugar no coração da Amazônia guarda segredos climáticos da floresta. Isso não significa que se trate de um espaço com propriedades especiais —apesar de uma certa mística que cerca a área. O que torna o chamado Acampamento 41 diferente é que é ali que se procuram os impactos e as respostas da Amazônia à crise climática.

O 41, no estado do Amazonas, faz parte de uma rede de acampamentos em meio às árvores. São neles que os pesquisadores se instalam por longas temporadas para descobrir as interações entre a Amazônia e as mudanças no clima.

Temas importantes para entender o bioma, como o da fragmentação florestal e dos efeitos de borda, são alguns dos estudos desses centros de pesquisa imersos na mata. No 41, mais recentemente, tem sido desenvolvido também um projeto que se debruça sobre a limitação do potencial da Amazônia em absorver gás carbônico (CO2), algo essencial para modelagens climáticas —ou seja, para projetar o futuro do planeta.

Homem de cabelos brancos e binóculos ao lado de uma árvore caída
Mario Cohn-Haft, ornitólogo do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), no Acampamento 41 - Michael Dantas/UN Foundation

Ligados por uma rede de trilhas, os acampamentos de pesquisa —hoje cinco estão ativos, contra dez nos anos 1980— distam poucos quilômetros uns dos outros. São, no entanto, quilômetros de vegetação fechada, onde se perder não é difícil.

O 41 é o mais usado deles. Com estrutura simples, os próprios cientistas precisam se virar com a alimentação e a organização durante a estada. O importante para o trabalho, no entanto, é a própria floresta ao redor.

Idealizado pelo renomado biólogo americano Thomas Lovejoy (1941-2021), junto a outros ambientalistas, o espaço é o berço de projetos como o Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais, que é desenvolvido há mais de 40 anos pelo Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).

Essa pesquisa começou em 1979, em parceria com a Instituição Smithsonian, quando ainda era chamada de Projeto Tamanho Mínimo Crítico de Ecossistemas. O ICMBio também participa das ações.

O trabalho procura desvendar como a fragmentação da Amazônia —isto é, o avanço sobre a floresta que a faz virar um mosaico de áreas, hoje especialmente por processos de grilagem e agronegócio— impacta o ecossistema.

Na época do início do projeto, havia a percepção de que o futuro das florestas seria se tornar uma porção de fragmentos. Havia então um debate sobre o que seria melhor para a saúde ambiental: grandes áreas contínuas de mata ou pedaços menores, conta Mario Cohn-Haft, ornitólogo do Inpa.

Hoje, graças ao que foi estudado no Acampamento 41 e em outros locais, já sabemos a resposta: grandes áreas contínuas.

Outra missão do 41 agora é focada em entender como a falta de fósforo em árvores da Amazônia altera a absorção de gás carbônico na floresta.

As árvores usam o CO2 para a fotossíntese, para crescer. Com isso, florestas ricas como a Amazônia servem como sumidouros de carbono. Mas ter mais CO2 disponível —a crise do clima é caracterizada pelo aumento da temperatura global decorrente da maior da concentração desse gás na atmosfera, graças à ação humana— não necessariamente resulta em maior absorção.

No caso amazônico, já se sabe que isso é explicado, pelo menos em parte, pela falta de fósforo, como mostrou uma pesquisa publicada recentemente na revista Nature. O estudo, feito com os pés dentro da floresta mostrando a limitação de absorção de carbono associada ao fósforo, pode, em última instância, impactar as modelagens climáticas e, consequentemente, alterar nossas percepções sobre a crise do clima.

As medições e fertilizações para esse estudo foram feitas em 32 fatias (de 50 m por 50 m) da floresta ao redor do acampamento. Nessa empreitada, o tronco das árvores merece especial atenção pela importante capacidade de armazenamento de carbono.

O diâmetro de 5.500 árvores é medido uma vez ao ano e, a cada dois meses, 1.300 são observadas de perto. Nas árvores, foram postas ainda as chamadas bandas dendrométricas (fitas metálicas em torno do tronco), para verificação de variações sazonais no tamanho.

"Eu consigo olhar uma a uma e entender o que está acontecendo", diz Barbara Brum, pesquisadora no Inpa. "O que fazemos aqui é um trabalho de formiguinha. Cada um pega um pedacinho e vai juntando o quebra-cabeça."

Raffaello di Ponzio, gerente de projetos do Afex (como é chamado o experimento sobre fertilização) e pesquisador na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), também destaca a importância do trabalho em campo no 41.

"No computador você não consegue pegar todos os parâmetros. Desde o bicho que está comendo folha e influenciando no sistema de defesa da planta até chuva, sol, como o fósforo é absorvido ou não pelos micro-organismos", diz.

"Em um ambiente desses tem tantos fatores que é impossível, em um modelo, você conseguir captar todos. Então uma resposta biológica direta, que é o que fazemos aqui, é essencial para você validar esses modelos."

Celebridades na rede

Mas não são só os cientistas dedicados a decifrar a crise climática que se instalam no acampamento.

Thomas Lovejoy, que morreu em 25 de dezembro de 2021, aos 80 anos, deixando um legado de décadas de pesquisa amazônica, levou para o local figuras públicas para um aperitivo da floresta. O político e ambientalista Al Gore e o astro de Hollywood Tom Cruise estão entre alguns dos nomes mais conhecidos que passaram pelas redes de dormir do 41.

Homem idoso posa sorrindo enquanto segura uma folha grande e seca com a mão direita
O ambientalista Thomas Lovejoy em foto tirada em 2017 - lobodan Randjelovic/WWF/Divulgação

Mesmo para os convidados ilustres o conforto é limitado: os espaços onde são presas as redes que fazem as vezes de camas são cobertos, mas tem laterais abertas. Os chuveiros têm água fria —e outra opção de banho é um riacho próximo.

As privadas no local até têm descarga, mas a preferência é usá-la só às vezes. Há ainda uma cozinha, majoritariamente aberta e também protegida por teto.

Energia elétrica e luz só são realidades quando o barulhento gerador está ligado —a economia de descargas também evita a necessidade de que o aparelho seja acionado para colocar em ação a bomba d'água—, o que ocorre em pouquíssimos momentos, nos quais é possível tentar algum grau de conexão de internet.

Fora o gerador, a única sonoridade no 41 vem da floresta fechada e seus habitantes — Manaus está a cerca de 125 km, com acesso por estradas de asfalto e de terra. Os guaribas, bugios extremamente barulhentos, são como um coro local.

Para garantir esse cenário de preservação, antes de sua morte, Lovejoy deixou um fundo destinado ao projeto dos acampamentos, que também capta recursos de entidades (o WWF está entre os que já foram apoiadores) para se manter em funcionamento.

Rita Mesquita, pesquisadora do Inpa que há décadas estuda fragmentos florestais no 41, lembra que o próprio memorial realizado após a morte de Lovejoy foi uma oportunidade de ver amigos doando recursos, como um reconhecimento à paixão que o americano tinha pelo lugar.

Agora, diz ela, que junto a Cohn-Haft é uma espécie de herdeira do 41, é preciso modernizar o funcionamento do programa de pesquisas do local, para que mais cientistas consigam observar de dentro da floresta o presente e o futuro do planeta.

O jornalista viajou a convite da Fundação das Nações Unidas.

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