Descrição de chapéu Planeta em Transe

Água do rio Pinheiros tem a pior qualidade em estudo de rios da mata atlântica

Lançado anualmente no Dia Mundial da Água, levantamento da SOS Mata Atlântica analisou 162 locais do bioma; governo Tarcísio de Freitas disse que intensificará ações voltadas à despoluição do rio

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São Paulo

Cortando com seu ritmo lento o coração do acelerado centro financeiro da capital paulista, o rio Pinheiros é o mais poluído entre 120 corpos d'água da mata atlântica. O dado é de um levantamento anual feito pela ONG SOS Mata Atlântica desde 2015, lançado para marcar o Dia Mundial da Água, celebrado nesta quarta-feira (22).

Entre 160 pontos monitorados por voluntários, a qualidade da água foi considerada regular em 75% dos casos, ruim em 16,2% e péssima em 1,9%. Não foi registrado nenhum com qualidade ótima. Todos os três locais que se enquadram na pior categoria ficam no rio Pinheiros.

Ao longo dos últimos anos, o rio, que se estende por 25 km, foi o foco da política de despoluição do governo de São Paulo. Em 2019, o então governador João Doria chegou a afirmar que o Pinheiros estaria limpo e com as margens recuperadas até 2022.

Em nota, a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que intensificará políticas públicas e programas para a manutenção e complementação de ações voltadas à despoluição tanto do Pinheiros quanto do Tietê. O governo acrescentou que anunciará em breve essas medidas.

"O rio Pinheiros estava com uma qualidade muito péssima e agora está péssima", afirma Gustavo Veronesi, coordenador do programa Observando os Rios, que realiza o estudo. "Isso quer dizer que o rio está melhorando, as obras foram efetivas, mas não está limpo."

Imagem mostra prédios espelhados no rio Pinheiros, que é ladeado por margem de grama, do lado esquerdo, e árvores, do lado direito, enquanto embarcação que recolhe lixo navega pelas águas
Embarcações recolhem lixo no rio Pinheiros entre as pontes Cidade Jardim e Eusébio Matoso, zona oeste de São Paulo (SP); rio lidera ranking de mais poluídos do SOS Mata Atlântica - Lalo de Almeida 16.dez.2022/Folhapress

Ele ressalta que a forma como se deu esse processo foi interessante: as empresas que estavam realizando obras de coleta e tratamento de esgoto foram pagas depois que a qualidade dos rios e córregos que deságuam no Pinheiros melhorou.

Segundo a Sabesp, desde 2019, 650 mil imóveis foram integrados ao sistema de tratamento de esgoto na região e 86,6 mil toneladas de lixo foram retiradas do rio.

"Mais de 2 milhões de pessoas tiveram acesso a um serviço que não tinham. Só que ainda tem muita gente para ser assistida", afirma o pesquisador.

A lentidão do fluxo do rio também é um empecilho: como a água escorre muito devagar, não circula o suficiente para que seja oxigenada, o que, por sua vez, prejudica o processo de decomposição do esgoto que já caiu no rio.

Veronesi diz que é essencial que as medidas de despoluição não parem. "Precisa ter continuidade, esse não é um projeto de governo. Temos que entender as obras de despoluição como política pública, de fato, não de governo. Não é em quatro anos que se resolve um problema de quase um século."

A Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística disse que o relatório da entidade adota critérios diferentes do índice de qualidade de água do Pinheiro elaborado pela Cetesb, "o que pode refletir em classificações distintas de faixas de qualidade".

A pasta acrescentou que, considerando a análise da Cetesb, houve uma melhora expressiva no índice de qualidade do Pinheiros no ponto próximo à Usina Elevatória de Pedreira, em relação aos últimos cinco anos.

Ainda de acordo com a pasta, "já é possível notar o retorno da fauna no rio e sentir a diferença no odor, que permitiu a implantação de equipamentos de lazer para a população em suas margens e seu retorno ao cotidiano dos cidadãos".

A mata atlântica abriga mais de dois terços da população brasileira. Além disso, é o segundo bioma com maior cobertura de água do Brasil, com mais de 21 mil km² de superfície de água, perdendo apenas para a Amazônia (106 mil km²), de acordo com a plataforma Mapbiomas Água.

Os resultados mostram que quase 20% dos pontos analisados não têm condições mínimas para que a água seja usada no dia a dia —como pela agricultura e indústria, no abastecimento humano e animal e para lazer ou prática de esportes.

A metodologia agrega aos indicadores físicos, químicos e biológicos diferentes parâmetros de percepção para aferir a qualidade da água, como turbidez, lixo flutuante, odor e presença de peixes. O levantamento é feito pela ONG com patrocínio da empresa Ypê.

O estudo abrange 74 municípios de 16 estados da mata atlântica e mostra como a falta de saneamento é uma questão crônica no Brasil.

"É um problema gigantesco. Mais da metade da população brasileira não tem acesso a esse serviço", afirma o especialista, apontando que essa questão se desdobra em duas frentes problemáticas.

Por um lado, afeta a saúde das pessoas, que muitas vezes vão beber essa água e ficar doentes. Segundo a Organização Mundial da Saúde, para cada dólar investido em água e saneamento, são economizados US$ 4,30 em custos para a saúde pública.

Por outro, impacta o ambiente: o esgoto jogado nos corpos d'água é matéria orgânica e as bactérias que vão fazer a decomposição dela consomem o oxigênio da água, acabando com a disponibilidade de oxigênio para outras formas de vida, como peixes.

De acordo com o marco legal do saneamento aprovado em 2020, até 2033, o acesso à água limpa precisa chegar até 97% da população e o tratamento de esgoto, até 90% dos brasileiros.

Veronesi aponta, ainda, que outros problemas na relação com os rios e outros corpos d'água se repetem em todo o país.

"O rio Guaíba, no Rio Grande do Sul, é bastante comprometido. O Capibaribe, em Pernambuco, ainda desperta atenção, apesar de ter tido uma melhora. Na Bahia, em Salvador, o rio Jaguaribe sofre problemas iguais aos de outros rios urbanos, como canalização e aterramento", enumera.

"É um modelo que já se mostrou ineficaz, que dá problema e os gestores continuam fazendo essa escolha como se fosse dar certo. Mas vale aquela máxima: nós não vamos conseguir resultados diferentes fazendo a mesma coisa".

Os resultados do relatório da SOS Mata Atlântica vão ser apresentados na Conferência sobre a Água da ONU (Organização das Nações Unidas), que começa nesta quarta-feira e segue até 24 de março, na sede do órgão, em Nova York.

Na ocasião, a ONG deve apresentar um pedido para que o direito de acesso à água seja incluído na Constituição.

"A gente espera que o Estado brasileiro reconheça a água com um direito fundamental e, com esse reconhecimento, dê uma base para tratar a água com um cuidado especial no país", conta o pesquisador.

Atualmente, tramita no Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 6/21) para que essa mudança legislativa aconteça. O texto já foi aprovado no Senado, mas aguarda votação na Câmara dos Deputados.

A ideia, ele explica, é que a inclusão na Constituição dê um lastro legal mais forte às demandas e traga mais políticas públicas focadas na melhoria da qualidade da água.

Uma comitiva do governo federal, com 50 integrantes, também deve participar da conferência. A delegação é chefiada pelo secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, João Paulo Capobianco.

O evento conta, ainda, com integrantes da sociedade civil brasileira, como a iniciativa Águas Resilientes, que vai apresentar no evento uma carta com preocupações da juventude brasileira sobre o tema.

O acesso à água em qualidade e quantidade é um direito humano essencial à vida reconhecido pela ONU e faz parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Apesar disso, não é distribuída de forma igualitária para a população: estima-se que cerca de 35 milhões de pessoas não possuam acesso à água potável no Brasil.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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