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Coordenador de reserva na Amazônia é retirado da região após ameaças e decisão favorável a garimpeiro

Justiça do Amazonas restituiu lancha a acusado de garimpo, e juiz diz que houve omissão

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Manaus

O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) precisou retirar um servidor de seu local de trabalho –uma reserva extrativista na Amazônia– em razão de ameaças de morte atribuídas a operadores do garimpo ilegal na região. Uma decisão da Justiça do Amazonas a favor de um garimpeiro agravou a situação, segundo organizações com atuação na área.

Manoel Silva da Cunha é coordenador da reserva extrativista Médio Juruá, uma área de 287 mil hectares –quase o dobro do tamanho da cidade de São Paulo– na região de Carauari (AM). Em razão de ameaças e tentativas de intimidação a ele e à família, o ICMBio o retirou da região e o levou a um local não revelado.

Vista de drone de três barcos pequenos de pesca em uma lagoa cercada por vegetação
Pesca do pirarucu em lagoa formada pelo rio Xeruã, em Itamarati (AM) - Eduardo Anizelli - 15.set.2021/Folhapress

"Ele está em segurança", disse o órgão, em nota. "O instituto condena veementemente as ameaças sofridas pelo servidor e entende como reais os riscos de vida."

Reservas como a Médio Juruá são terras da União destinadas a populações extrativistas tradicionais. Entre essas populações estão indígenas, ribeirinhos e pequenos agricultores. A fiscalização é uma atribuição do ICMBio.

Na Médio Juruá, o extrativismo está voltado principalmente para atividades de manejo do pirarucu, açaí e andiroba. A região, bastante preservada, sofre com ofensivas do garimpo ilegal, praticado por meio de dragas.

Em novembro de 2022, uma operação da PF (Polícia Federal) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), com apoio do ICMBio, promoveu a apreensão de equipamentos do garimpo na região de Itamarati (AM), cidade que também fica na margem do rio Juruá –a reserva Médio Juruá fica entre os dois municípios.

Houve destruição de uma balsa do garimpo e apreensão de uma lancha, que daria suporte à balsa, conforme os órgãos de fiscalização.

O termo de depósito da lancha foi lavrado em nome de Cunha, por ser o servidor do ICMBio responsável por gerir a reserva extrativista. O veículo ficou sob a guarda do órgão e assim permanece.

Em dezembro, o homem que se diz proprietário da lancha ingressou com uma ação na Justiça do Amazonas e disse que o bem havia sido levado por Cunha –sem mencionar que ele é um funcionário do ICMBio e sem dizer que havia ocorrido uma operação contra garimpo ilegal. Ele pediu para reaver o bem.

O juiz Francisco Carlos de Queiroz, plantonista na 14ª Vara Cível e de Acidentes do Trabalho em Manaus, proferiu uma decisão liminar em 16 de dezembro com ordem de restituição imediata da lancha ao proprietário. O magistrado autorizou o uso de força pela PM para cumprimento da decisão.

No último dia 17, o Fórum Território Médio Juruá, que reúne organizações que atuam na região, comunicou o MPF (Ministério Público Federal) no Amazonas sobre a existência da decisão judicial e sobre os riscos de o episódio alimentar ainda mais ofensivas de garimpo ilegal na área.

O MPF afirmou, em petição encaminhada à Justiça Federal, que o homem que reivindicou a lancha –Dilvan Lucio Simioni– omitiu da Justiça do Amazonas a existência de uma operação da PF, a apreensão feita por um servidor público federal no exercício de suas funções e que esse servidor era apenas um fiel depositário em nome do ICMBio, não alguém que tivesse se apropriado da lancha.

A Justiça Federal, no dia 18, determinou a suspensão da devolução da lancha. O comando-geral da PM do Amazonas foi oficiado para que não atuasse em ações de força que garantissem essa restituição.

À Folha, o juiz Francisco Queiroz disse que acatou a decisão da Justiça Federal e proferiu nova decisão para suspensão da restituição da embarcação. "A data do pedido feito era próxima ao início do recesso forense, o bem poderia desaparecer. Nos autos, não constam esses fatos todos", afirmou o magistrado.

Segundo Queiroz, a omissão do autor da ação pode ter sido "leviana". "A lancha envolvida é uma questão da Justiça Federal. A Justiça comum não tem competência. Esse é um caso clássico de omissão para tirar vantagem. Fui tomado de surpresa sobre essa situação."

Vista área de barcos de pesca
Em Itamarati (AM), indígenas da etnia deni pescam pirarucu em lagoa formada pelo rio Xeruã - Eduardo Anizelli - 15.set.2021/Folhapress

No dia 6, a Justiça Federal no Amazonas condenou Simioni e outros envolvidos por exploração ilegal de ouro na região de Maués (AM).

Simioni disse à reportagem ter sido "ludibriado por advogados", no caso relacionado à sentença. Ele chegou a ficar preso por seis dias. "Comprei a terra em 2014, e as licenças [para operação do garimpo] eram falsas", afirmou.

No caso da lancha, Simioni disse ter emprestado a embarcação a uma pessoa para pescar, e ela acabou perdendo o veículo. "Quem me deve a lancha é ele. Nunca teve garimpo naquela região. Em Maués, sim, houve."

Questionado sobre ter ludibriado a Justiça, ele respondeu: "Eu tenho só a quarta série, não posso dizer se a Justiça foi ludibriada. Eu nunca estive presencialmente com o advogado [que fez a petição à Justiça]". Simioni disse não ter conhecimento sobre ameaças feitas ao servidor do ICMBio.

Segundo o Fórum Território Médio Juruá, Cunha e familiares vinham recebendo cada vez mais ameaças de morte. "Há vários relatos sobre a presença de pessoas encapuzadas, de fora das comunidades, que vêm perguntando por seu paradeiro ao longo do rio Juruá."

As ameaças são uma represália por ações contra o garimpo e uma sensação de impunidade pode reavivar atividades de exploração ilegal de ouro na região, disse o fórum. "O garimpo ilegal é uma atividade que ocorre no entorno da reserva e que pressiona a unidade", afirmou o ICMBio em nota.

Esta é a segunda denúncia de ameaças de morte numa reserva extrativista em menos de duas semanas.

O outro caso ocorreu na reserva Tapajós Arapiuns, na região de Santarém e Aveiro, oeste do Pará.

A atuação do governo Jair Bolsonaro (PL) a favor da exploração de madeira sem consulta prévia a comunidades tradicionais alimentou conflitos e divisões na unidade de conservação, que é uma das maiores reservas extrativistas da Amazônia brasileira.

A animosidade chegou ao ápice no último dia 3, com compartilhamento de áudios de WhatsApp com ameaças de morte a lideranças indígenas e extrativistas que representam comunidades da reserva.

Em um dos áudios, um homem, em referência a uma líder mulher, diz ter falado a ela em uma reunião que iria "meter um projétil no miolo dela" caso ela não "cumprisse com a palavra".

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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