Corte europeia julga ação de idosas suíças que cobram medidas pelo clima

Processo é parte de 'pacote' sobre aquecimento global que começa a ser avaliado no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos nesta quarta

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Lisboa

Ações governamentais insuficientes para combater o aquecimento global e suas consequências podem ser consideradas uma violação dos direitos humanos? Nesta quarta-feira (29), o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos começa a avaliar três casos que defendem esse posicionamento.

Será a primeira vez que a Grande Câmara da corte —que só lida com os processos que levantem grandes questionamentos à interpretação da convenção dos direitos humanos— irá analisar casos relacionados às mudanças climáticas.

Mulher segura bandeira enquanto homem a fotografa em uma paisagem montanhosa; há neve só no pico das montanhas
Mulher posa para foto com bandeira suíça perto da montanha Piz Palü e da geleira Pers, na Suíça; paisagem dos alpes, antes repleta de neve, está mudando com aquecimento global - Arnd Wiegmann - 21.jul.2022/Reuters

Uma eventual decisão favorável aos autores dos processos pode levar a ordens expressas para que os governos europeus adotem ações mais efetivas para reduzir a emissão de gases causadores de efeito estufa, que são os principais responsáveis pelo aumento global de temperaturas.

As consequências, no entanto, podem se espalhar para muito além da Europa, uma vez que ativistas de todo o mundo recorrem cada vez mais ao Poder Judiciário para tentar forçar governos e empresas a adotarem medidas mais concretas contra a emergência climática.

Os magistrados da Grande Câmara avaliarão três casos, dois nesta quarta-feira (29) e mais um após o recesso do verão europeu, provavelmente em setembro.

O primeiro processo a ser apresentado é movido por um grupo de aposentadas suíças contra o governo de seu país. Com uma idade média de 73 anos, as integrantes da organização KlimaSeniorinnen (Mulheres Sênior pela Proteção do Clima) acusam a Suíça de manter políticas "claramente inadequadas" e insuficientes para atingir o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5ºC, conforme assinado no Acordo de Paris.

O caso, que conta com o auxílio do Greenpeace, afirma que há quatro violações aos direitos humanos na conduta do país, entre eles o direito à vida dessas mulheres.

Idosa gesticula enquanto fala sentada em um sofá
Marie-Eve Volkoff, 85, uma das ativistas suíças que processam o país por falta de ações contra mudanças climáticas em entrevista em Genebra - Emma Farge - 13.mar.2023/Reuters

O processo é embasado com um dossiê que lista uma série de estudos científicos e tratados internacionais. Entre os argumentos mencionados estão as conclusões do IPCC, o painel de cientistas do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), que lista as mulheres e as pessoas idosas entre os grupos com mais risco de mortalidade relacionada às ondas de calor, fenômenos que também se intensificam com as mudanças climáticas.

O caso também cita um estudo de cientistas suíços, publicado na revista Nature, que indica que cerca de 30% dos óbitos relacionados às ondas de calor na Suíça podem ser atribuídos ao aquecimento global nos últimos anos.

"Não é a nossa própria sobrevivência e saúde que impulsionam a mim e a muitos de nós, sêniores pelo clima. No processo legal, estamos lutando apenas pelos nossos direitos humanos. Ao mesmo tempo, é importante para nós que essa luta também beneficie as gerações mais jovens e futuras. A grande preocupação com o futuro de nossos filhos e netos é uma motivação importante e inegável para meu compromisso", relata Elisabeth Stern, uma das integrantes do KlimaSeniorinnen.

Apresentado à corte no mesmo dia, o segundo caso é movido pelo deputado do Parlamento Europeu Damien Carême, integrante do Partido Verde francês, que contesta a decisão do governo da França em não adotar medidas mais ambiciosas para conter as mudanças climáticas.

O processo começou a tramitar nas cortes francesas quando Carême era prefeito da cidade de Grande-Synthe, no norte da França. O político afirma que a falta de ações climáticas adequadas das autoridades constitui uma violação da garantia de direito à vida.

Ele argumenta que a Convenção dos Direitos Humanos impõe aos Estados a obrigação de tomar as medidas necessárias para a proteção das pessoas em suas jurisdições, inclusive em relação aos riscos ambientais.

O eurodeputado diz ainda que a questão viola seu "direito a uma vida privada e familiar normal", afirmando que a omissão climática do governo aumento os riscos relacionados, entre outras coisas, à ocupação de sua própria casa.

Em meio ao vaivém do caso nas instâncias francesas, o Conselho de Estado do país já determinou que o país tome medidas adicionais para ampliar o corte nas emissões.

Tanto a França quanto a Suíça refutam o conteúdo das ações e contestam a apreciação de casos do tipo no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

O terceiro e mais abrangente caso, que será apresentado apenas no segundo semestre, é movido por jovens portugueses contra 33 nações: todos os 27 países da União Europeia, além de Reino Unido, Noruega, Suíça, Rússia, Ucrânia e Turquia.

Na ação, o grupo indica a responsabilidade dos países pelas emissões de gases-estufa e suas graves consequências tanto dentro quanto fora das fronteiras nacionais.

O processo, que arrecadou recursos através de uma campanha de financiamento virtual, argumenta que os jovens têm seu direito à vida ameaçado pelos impactos de eventos agravados pelo aquecimento global.

O grupo cita o caso dos incêndios florestais lusitanos, que submetem a população aos riscos dos fogos, às consequências de saúde da fumaça e podem obrigar o fechamento de escolas e outras medidas que restringem direitos.

O desfecho dos casos é considerado uma incógnita para especialistas, mas a própria chegada dos processos à discussão na Grande Câmara da corte já é vista como um passo histórico para as discussões climáticas.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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