Diretor da PF vê retrocesso em fiscalização ambiental e diz que queda do desmate não será imediata

Responsável pela Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente defende melhoria de infraestrutura para combate ao crime

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Brasília

Recém-criada pela Polícia Federal, a Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente estabeleceu como meta reduzir o desmatamento ilegal na região amazônica ainda em 2023, mesmo com os números em alta nos primeiros meses do ano.

Em fevereiro, por exemplo, houve um crescimento de 62% na área sob alerta de desmatamento (para 321,9 km²) em relação ao mesmo período do ano passado.

O delegado Humberto Freire, escolhido para o cargo pelo diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, concedeu entrevista à Folha na quinta (16) e classificou como "involução" o que ocorreu na fiscalização sobre crimes ambientais nos últimos anos. Segundo ele, a redução do desmatamento não será imediata.

Retrato de Humberto Freire
O diretor de Amazônia da Policia Federal, Humberto Freire - Gabriela Biló/Folhapress

"Não só o trabalho de fiscalização, como a própria legislação também involuiu ou foram abertos flancos que prejudicaram esse trabalho de fiscalização e repressão dos crimes ambientais. Então trabalhamos muito forte num estudo da legislação, inclusive no comparativo com legislações de outros países e com a legislação que já existiu no Brasil", disse ele.

No governo Bolsonaro, sob a gestão de Ricardo Salles no ministério do Meio Ambiente, órgãos fiscalizadores como o Ibama e ICMbio tiveram sua atuação prejudicada e mudanças em normas infralegais fragilizaram a punição a pessoas e empresas envolvidas em crimes ambientais.

As mudanças ficaram conhecidas como "boiadas" e chegaram a criar atrito entre Salles e a PF. O ministro chegou a ser alvo de uma apuração e foi demitido.

"A criação da própria diretoria foi muito em razão dessa involução, desse andar para trás que ocorreu nos últimos anos com relação aos crimes ambientais e a proteção da própria Amazônia", afirma.

Freire diz que a equipe da diretoria já tem mapeadas todas as principais áreas de desmatamento e, a partir de agora, serão estruturadas operações. A redução do desmate ainda neste ano, diz ele, é um dos primeiros passos para que o Brasil consiga cumprir o Acordo de Paris e diminuir o desmatamento até 2030.

"O primeiro resultado que a gente espera é reverter a curva [de desmatamento], mas óbvio que isso não é imediato. Fevereiro teve desmatamento recorde, por exemplo. Temos ações sendo implementadas, nas quais focamos paralisar esse aumento e depois começar uma curva descendente, de redução", afirma.

Além de desmatamento, a proteção aos povos originários e o combate ao garimpo ilegal nesses locais são outros objetivos estipulados pela diretoria.

Nessa seara, a principal meta é cumprir a ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) 709 e retirar todos invasores das terras indígenas Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Kayapó, Araribóia, Munduruku, Trincheira Bacajá e Yanomami.

As ações da chamada desintrusão (retirada dos intrusos) começaram pela Terra Indígena Yanomami. A operação em Roraima foi a primeira grande ação de combate a crimes ambientais do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e se desencadeou após uma visita do presidente ao local, quando foi decretado estado de emergência em saúde pública em razão da situação da população indígena.

Para custear todas essas ações, tanto de combate ao desmatamento e ao garimpo quanto de proteção dos territórios dos povos originários, o delegado aponta a necessidade de uso de fontes como o Fundo Amazônia, do Fundo Nacional de Segurança Pública e do próprio orçamento da PF.

Retrato de Humberto Freire; no fundo há uma pintura colorida
Delegado Humberto Freire, que chefia a Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente na Polícia Federal - Gabriela Biló/Folhapress

O delegado cita o caso dos yanomamis para falar da dificuldade nos processos de desintrusão. Segundo ele, a PF tem feito um "pente-fino" na região para garantir que todos os acampamentos, pontos de garimpo e estruturas utilizadas pelos invasores sejam destruídos.

"A gente só vai parar essa fase de retirada, de desintrusão, quando a gente tiver certeza de que tudo foi retirado. Ainda não chegamos a esse momento", afirma.

O trabalho, diz ele, tem sido feito para evitar o efeito colateral de uma crise humanitária também para os garimpeiros que estavam no local. "Não é porque estão praticando a usurpação do minério que deixaram de ser titulares de direitos humanos."

Freire estima que entre 15 mil e 20 mil garimpeiros atuavam ilegalmente dentro da área, o maior território indígena do país.

Antes, investigações da PF já haviam mapeado redes de compra e venda de ouro ilegal extraído da região. Como mostrou a Folha, um desses grupos é suspeito de ter esquentado R$ 4 bilhões do minério.

Freire afirma que, ao menos por enquanto, as ações ainda estão focadas na desintrusão e na destruição da logística dos garimpeiros. Está sendo preparada ainda, diz ele, uma estrutura com bases fluviais e controle do espaço aéreo para evitar a volta dos invasores.

Além disso, segundo explica, a PF tem feito estudos, dentro do programa Ouro Alvo, para propor maneiras de aperfeiçoar a legislação vigente, avaliada como um obstáculo para a fiscalização nos últimos anos, sobretudo pelo mecanismo de presunção de boa-fé na comercialização do minério.

O dispositivo, criado em durante o governo Dilma, em 2013, dá passe livre para que o material explorado em áreas ilegais seja registrado como se tivesse saído de áreas legalizadas e, assim, possa ser comercializado.

"Como é que você vai pressupor a boa-fé muitas vezes de pessoas que já comprovadamente praticaram crime ambiental?", questiona.

A ideia da PF é ter um programa para identificar o chamado "DNA do ouro", que seria incorporado em uma nova versão do marco regulatório do mineral. Trata-se de um processo capaz de esmiuçar a composição do minério e, a partir de um banco de dados com as características do solo de diversos lugares, identificar de onde ele foi extraído.

Atualmente, já há tecnologia capaz de fazer o procedimento, mas a polícia ainda não tem um banco de dados com as características das regiões auríferas brasileiras. A expectativa, segundo o delegado, é que até o fim do ano pelo menos duas áreas de extração de cada estado brasileiro já tenham registros no sistema.

"A gente quer ter uma certeza técnico-científica de que aquela declarada origem [do ouro] é ou não é verdadeira", diz.

O delegado aponta também a cooperação internacional como caminho para sufocar a cadeia de desmatamento e garimpo ilegal. O objetivo é identificar o destinatário final dos bens naturais extraídos ilegalmente e trazer esses países para o debate sobre como combater esses crimes.

Além das propostas de modernização da legislação e das operações, Freire explica que outro eixo das ações de sua diretoria será voltado para o aprimoramento da infraestrutura da PF —setor que, admite, é um dos gargalos, pela falta de orçamento.

Ele cita, por exemplo, a necessidade de criação de bases fluviais em lugares estratégicos, o deslocamento de equipes para esses locais, e a compra de equipamentos mais modernos.

"Só o fato de estarmos lá, presentes, nos dá essa capacidade imediata de resposta e coíbe uma grande parte da atuação dos criminosos", afirma.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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