Precisamos de ações em todos os níveis contra as mudanças climáticas, diz Paulo Artaxo

Para físico da USP, painel do clima da ONU já aponta há 20 anos efeitos do aquecimento global, e governos não agem por falta de interesse

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São Paulo

"O que falta é um governo que se preocupe realmente com a emergência climática e com a sua população mais carente." É assim que Paulo Artaxo, físico e professor da USP, define as estratégias adotadas para prevenir eventos climáticos extremos, como as chuvas que provocaram deslizamento de moradias e mais de 60 mortes em São Sebastião (SP) em fevereiro.

As responsabilidades para a proteção das populações vulneráveis e prevenção de desastres devem partir dos níveis municipais, estaduais e federais, afirma.

"Não é uma questão da falta de ferramentas. O que falta é uma melhor integração entre as defesas civis, as prefeituras, o governo estadual e o governo federal quando ocorrem eventos climáticos extremos."

Rua cheia de lama com algumas pessoas limpando com rodos
Moradores limpam rua da Barra do Sahy, em São Sebastião (SP), após chuvas que mataram mais de 60 pessoas na região em fevereiro - Bruno Santos - 27.fev.2023/Folhapress

Artaxo é um dos membros do IPCC, o Painel Internacional para Mudanças Climáticas da ONU que elabora há 20 anos relatórios sobre os efeitos do aquecimento global e das mudanças climáticas no mundo.

O último relatório, lançado na segunda (20), foi taxativo ao dizer que alguns dos efeitos são irreversíveis, como o aumento do nível do mar e o impacto nas florestas, mas também avaliou que ainda é possível agir para conter —em parte— os estragos.

"Não é possível mais limitar o aquecimento global a 1,5°C ou 2°C até o final do século. Mas é possível limitar a 2,5°C. Hoje estamos com uma temperatura da ordem de 3°C até a segunda metade do século."

Formado em física pela Universidade de São Paulo, Artaxo dedicou sua vida ao estudo da Amazônia e das mudanças climáticas globais. Ele afirma que ações mais contundentes das autoridades em todo o mundo não ocorreram até agora devido à forte pressão das empresas petrolíferas e do mercado financeiro global.

O que o senhor achou dos novos dados do relatório do IPCC? O relatório deixa claro que existem processos que são irreversíveis e enfatiza a urgência de reduzir emissões globais: ele fala de irreversibilidade, em particular na questão do aumento do nível do mar, e da destruição dos ecossistemas, em especial das florestas tropicais.

Paulo Artaxo, professor da USP e membro da equipe do IPCC agraciada com o Prêmio Nobel da Paz de 2007
Paulo Artaxo, professor da USP e membro da equipe do IPCC agraciada com o Prêmio Nobel da Paz de 2007 - Arquivo pessoal

Reduzir as emissões e frear o desmatamento para diminuir a temperatura média global é uma meta realista? Não há maneira mais rápida, fácil e barata de reduzir as emissões de gases-estufa do que essencialmente cortar o desmatamento de florestas tropicais. Por isso que os países estão investindo tanto no Fundo Amazônia.

Já quanto à redução na queima de combustíveis fósseis, já dispomos de todas as tecnologias necessárias, não precisamos desenvolver nada novo, e é possível cortar a queima de combustíveis fósseis se as indústrias associadas com a queima de petróleo permitirem que isso aconteça.

É possível limitar o aquecimento global a 1,5°C ou 2°C até o fim do século? Não. Não é possível mais. É preciso agora trabalhar com outro panorama. Na atual taxa de emissão, segundo os cientistas, vamos atingir uma temperatura da ordem de 3°C na segunda metade deste século.

Essa é a trajetória que estamos indo hoje. Se ela vai mudar na próxima década, e eu espero que sim, podemos tentar limitar o aquecimento a 2,5°C. Mas 1,5°C e 2°C já é impossível.

O que é importante no último relatório é que ele guarda um espaço para a questão das soluções, mostrando que já temos as soluções para reduzir as emissões pela metade.

Agora, por que isso não é implementado? Os governos só atendem ao interesse da indústria, em vez de atender os interesses das populações que os elegeram. Isso vai ter que mudar e quanto mais rapidamente conseguirmos mudar isto, melhor para nós.

Desmatamento em Apuí, no sul do Amazonas. - Lalo de Almeida - 11.set.20/Folhapress

De que maneira o Brasil sofre os impactos das mudanças climáticas? Existem programas estudados para tentar mitigar seus efeitos? O Brasil é um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas por uma série de razões: primeiro pela sua localização tropical, ou seja, sua alta temperatura média, muito acima da encontrada em países do hemisfério Norte.

Nossos ecossistemas naturalmente já sofrem com estresse hídrico e de temperatura. E isso só tende a aumentar com o aumento do aquecimento global.

Em relação aos programas, diversas cidades, como Santos (SP) e Rio de Janeiro, possuem planos para lidar com o aumento do nível do mar, porque a própria sobrevivência delas pode estar em risco. Mas estas são iniciativas isoladas, municipais.

Sem dúvida, precisamos de ações em todos os níveis: municipal, estadual e federal. A nova autoridade climática federal está reativando o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas [criado em 2016], vamos ver o que eles conseguem fazer.

O que falta no Brasil para implementar essas ações? O que falta é realmente ter um governo que se preocupe com a emergência climática, com a sua população, particularmente com a sua população mais carente, mais vulnerável, e que infelizmente não foi o que tivemos ao longo dos anos.

Existe um mito popular que o Brasil, apesar de ser um país tropical, é abençoado por não ter furacões ou terremotos. O que o sr. acha dessa afirmação? É uma bobagem. Os eventos climáticos ocorrem aqui, estamos cansados de ver secas intensas e inundações, como as que atingiram a Bahia, Minas Gerais, e outras, assim como as estiagens que ocorrem em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.

Não existe isso de dizer que aqui não há eventos, muito pelo contrário, o Brasil é suscetível às mudanças climáticas de uma maneira muito forte.

Quais são as ferramentas hoje utilizadas para monitorar eventos extremos e minimizar seus efeitos? Hoje os modelos climáticos conseguem prever, em geral, eventos climáticos extremos com tempo suficiente para que a Defesa Civil possa atuar na proteção da população mais vulnerável.

O que falta é uma melhor integração entre as defesas civis, as prefeituras, o governo estadual e o governo federal quando ocorrem eventos climáticos extremos.

Por exemplo, no caso da Barra do Sahy [em São Sebastião, no litoral norte de SP, em fevereiro], a própria imprensa noticiou que menos de 2% dos recursos disponíveis para adaptação e prevenção foram utilizados. Isso é um absurdo.

Já vemos uma maior desertificação no Norte e Nordeste do país, com aumento de estiagens, enquanto no Sul e Sudeste têm crescido a ocorrência de chuvas intensas. No entanto, as estiagens parecem ser uma preocupação menor dos governos. Como o sr. classifica isso? Na verdade, a problemática das estiagens é mais complexa do que a de grandes inundações, então essa é a razão pela qual há menos ação. Agora, ambas devem ser enfrentadas. O problema é que não há continuidade.

É possível traçar uma relação do desmatamento com a maior ocorrência de eventos climáticos extremos, a exemplo do que houve recentemente em São Sebastião (SP) e Manaus? Sim. Este último relatório [do IPCC] deixa bem claro na questão da atribuição que o aquecimento global está causando aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos. E é por isso que ocorrem as precipitações além do esperado.

Estamos vendo chuvas muito mais intensas, secas mais fortes e prolongadas, causadas pela alteração da circulação atmosférica associada ao aquecimento global.

Esse conhecimento é recente ou já se sabia há décadas? Os seis relatórios do IPCC publicados ao longo dos últimos 20 anos fazem um alerta claro daquilo que já estamos observando, que é um aumento de eventos climáticos extremos. Isso não é para o futuro, são questões que estão ocorrendo hoje.

A falta de ação dos governos se deve basicamente porque a maior parte dos interesses políticos do governo é voltada para proteger a população de mais alta renda, não é direcionada para os mais vulneráveis.

Isso acontece porque os governos são controlados, no caso do Brasil, pelo avanço do desmatamento, e dos países europeus e Estados Unidos, pela indústria do petróleo. Sem uma mudança de paradigma em direção à sustentabilidade social, econômica e ambiental, nós não temos saída.


RAIO-X

Paulo Eduardo Artaxo Netto, 69

Professor do Instituto de Física da USP, é também vice-presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo e vice-presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Membro do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), desenvolveu sua carreira trabalhando com Amazônia e mudanças climáticas globais.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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