Datafolha: 9 entre 10 brasileiros acham que mudanças climáticas terão impacto em suas vidas

Preocupação com eventos extremos une apoiadores de Lula (PT) e Bolsonaro (PL)

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São Paulo

Nove entre dez brasileiros acham que vão sofrer impactos das mudanças climáticas na vida pessoal, e dois terços da população enxergam que a vida será muito prejudicada por eventos climáticos extremos nos próximos cinco anos.

Também há consenso sobre a distribuição desse impacto: 95% das pessoas acham que a parcela mais pobre sofrerá com esses efeitos.

Os dados fazem parte de pesquisa do Datafolha que ouviu 2.028 pessoas, de 126 municípios, com mais de 16 anos, nos dias 29 e 30 de março. A margem de erro é de dois pontos percentuais.

foto mostra lama e raízes de árvores reviradas. ao fundo, casas que não foram atingidas e, mais ao fundo, árvores em morros
Chuva extrema causou deslizamento de terra em São Sebastião, no litoral norte paulista, em fevereiro - Bruno Santos - 25.fev.23/Folhapress

Enquanto a maioria acha que as mudanças climáticas vão prejudicar muito a parcela mais pobre da população (82%), uma minoria acha que a população rica vai sofrer da mesma forma (24%).

Quando avaliam a preocupação com os impactos na vida pessoal, 70% das mulheres afirmam que haverá muito prejuízo —índice que cai para 62% entre os homens.

Um motivo possível é o dano desigual da crise do clima, que, como já identificado em estudos, gera problemas sociais como migração, violência infantil e casamentos forçados, que afetam mais a população feminina.

Para Lori Regattieri, senior fellow da Mozilla Foundation, o destaque indica ainda que as mulheres podem estar mais atentas a riscos para a saúde própria e da família, além de reagirem mais rápido.

"Elas despontam em nível de preocupação principalmente quando temos questões que envolvem a saúde delas, da família e dos filhos", diz a pesquisadora, que estuda comportamento digital e desinformação na agenda climática e socioambiental.

Regattieri destaca que a percepção também precisa considerar aspectos de cor e renda. "Quando falamos de mulheres negras, há maior probabilidade de morarem em áreas de risco. É onde se percebe o racismo ambiental."

A percepção de muito prejuízo na vida pessoal foi apontada por 69% das pessoas pretas e pardas ouvidas na pesquisa, contra 61% entre pessoas brancas. A margem de erro é de três pontos percentuais para pessoas pardas, e quatro e seis para brancos e negros, respectivamente.

A pesquisa revela ainda uma preocupação com as mudanças climáticas muito similar entre quem declarou voto no presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e quem disse ter votado no ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno das eleições de 2022. Os percentuais também são próximos quando comparam-se os de apoiadores de PT e PL (quando citadas apenas as siglas, sem mencionar os candidatos em questão).

O prejuízo na vida pessoal decorrente de mudanças no clima é apontado por 89% dos eleitores de Lula e 88% dos de Bolsonaro. A pesquisa, assim, pode indicar que o medo de impactos na própria vida supera o posicionamento político —em campanha, Lula disse que priorizaria a agenda climática, enquanto a gestão Bolsonaro promoveu um desmonte das políticas públicas ambientais.

Na visão de Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de organizações socioambientais, isso ocorre porque a relação entre o apoio político e mudanças climáticas ainda não é tão direta no Brasil quanto problemas de emprego, fome, pobreza e saúde.

"Para a composição do voto, a questão de clima e ambiente não é tão decisiva [no Brasil] como em países que já venceram esses problemas", diz.

Astrini opina ainda que os eleitores de Bolsonaro não creditam o enfraquecimento da política ambiental à figura do ex-presidente.

"O que verificamos é que há uma narrativa criada para esse público: que o Bolsonaro não é uma pessoa ruim para a agenda de meio ambiente, que as acusações são invenção de esquerdistas, que o movimento ambiental do mundo é bancado por comunistas contra o desenvolvimento do país."

Os danos imediatos que possam ser causados por uma chuva extremamente forte são outra preocupação em destaque na pesquisa. Para mais da metade da população (61%), a precipitação extrema é um risco para a casa onde moram, e 86% apontam risco para a infraestrutura —ruas, pontes e avenidas— da cidade em que vivem.

A percepção ampla sobre mudanças climáticas não é novidade no Brasil, de acordo com pesquisas anteriores do Datafolha. Levantamento realizado em 2010 mostrou que 75% dos brasileiros achavam que as atividades humanas contribuíam muito para o aquecimento global —o que é um consenso científico, amplamente difundido. Em 2019, esse índice caiu para 72%.

O mais recente relatório do painel científico do clima da ONU (IPCC, na sigla em inglês), lançado em 20 de março —poucos dias antes da realização da pesquisa do Datafolha, portanto—, enfatiza que o mundo vive sob pressão climática sem precedentes e que alguns danos já são irreversíveis.

Os cientistas alertam que o prazo para agir e frear o aquecimento do planeta em 1,5°C, meta do Acordo de Paris, é curto e exige ações rápidas dos países.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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