Câmara ignora Senado e retoma em MP enfraquecimento da proteção à mata atlântica

Trechos foram incluídos na proposta pelo relator, que é ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária

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Brasília

A Câmara dos Deputados rejeitou alterações feitas pelo Senado Federal e restabeleceu mudanças que enfraquecem a proteção à mata atlântica em uma MP (medida provisória) do governo de Jair Bolsonaro (PL) que trata de regularização ambiental.

Por 364 votos a 66, os deputados rejeitaram a decisão do Senado de excluir da medida provisória o trecho, acrescentado pela Câmara dos Deputados, que afrouxava as regras de proteção à mata atlântica. Agora, o texto vai para sanção presidencial.

As mudanças retomadas foram incluídas na proposta pelo relator na Câmara, deputado federal Sérgio Souza (MDB-PR), ex-presidente da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), fiadora da bancada ruralista. Nesta quarta, ele retomou os dispositivos retirados pelos senadores.

foto aérea mostra áreas desmatadas sem vegetação com poucas áreas com vegetação mais alta
Área de mata atlântica desmatada no Paraná - Zig Koch - 9.mar.23/SOS Mata Atlântica

A deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) apresentou uma questão de ordem criticando interpretação do relator. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), no entanto, indeferiu o pedido.

"Em primeiro lugar, quem tem condição de dar admissibilidade a qualquer matéria sobre tema afim ou não é a mesa diretora da Casa onde ela tramita. A Câmara não pode interferir em matérias que o Senado vota para considerar como matéria estranha, e o Senado também não pode fazer isso em relação à Câmara", afirmou Lira.

"Isso já aconteceu ano passado, e nós refizemos o texto na Câmara. O Senado não tem essa base regimental de analisar a matéria."

Inicialmente, o projeto previa uma sexta rodada de anistia a propriedades rurais com desmatamento e também adiava a aplicação dos planos de reflorestamento. A emenda contemplada pelo relator na Câmara, que enfraquece a Lei da Mata Atlântica, não tinha a ver com o tema inicial.

A emenda abriu uma brecha na lei para a construção de linhas de transmissão de energia e dutos de gás dentro de áreas de preservação —pontos de interesse pelo menos parte do setor energético.

A medida, inclusive, teve apoio do Ministério de Minas e Energia e de parlamentares do União Brasil.

No Senado, o trecho sofreu resistência do governo, que conseguiu articular a derrubada junto ao presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Quando o texto voltou à Câmara, nesta terça, os deputados recolocaram o jabuti no projeto.

A MP flexibilizou o desmatamento de vegetação primária e secundária no estágio avançado de regeneração ao retirar exigência, prevista atualmente na lei, que isso só poderia ocorrer quando "inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto".

A medida também diz que a supressão do bioma dependerá "exclusivamente de autorização do órgão ambiental municipal competente" —excluindo a necessidade de um parecer técnico sobre a ação.

Nesta quarta, apenas a federação PSOL-Rede orientou contra a decisão de rejeitar as mudanças feitas pelo Senado. A federação que reúne PT, PC do B e PV liberou a bancada, e o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) orientou a favor da rejeição.

Membros do Planalto afirmam, no entanto, que há um acordo, firmado antes de a MP ser votada pela primeira vez na Casa, e que o presidente Lula deverá vetar o trecho.

Em nota, o Observatório do Clima, rede que reúne mais de 90 organizações socioambientais, repudiou a aprovação de emenda "que enfraquece a proteção à mata atlântica, como sonhara [o ex-ministro] Ricardo Salles".

"Só resta a Lula vetá-los [os jabutis]", afirma a entidade. "Arthur Lira e seus homens da motosserra tocam a boiada, mas quem abriu a porteira desta vez foi o Palácio do Planalto."

Fernanda Melchionna fez duras críticas ao texto. "Colocou-se um jabuti gigante, enorme, que é a permissão de desmontar a Lei da Mata Atlântica. Essa lei de 2006 foi uma conquista fundamental para preservar o bioma mais desmatado do país", disse.

"Com esse jabuti, não se cumpriria a lei de preservação, seguindo a lógica de desmatamento, pois seria permitida a supressão de vegetação da Mata Atlântica em vários estágios. Além disso, o Brasil não cumpriria os acordos internacionais com os quais se comprometeu na Conferência do Clima", seguiu a psolista.

A medida provisória adia, pela sexta vez, o prazo para que proprietários rurais possam regularizar seus imóveis. Ou seja, permite que fazendeiros ganhem mais tempo para enquadrar suas propriedades às leis ambientais.

Com a medida, o prazo para inscrição de imóveis no CAR (Cadastro Ambiental Rural) passa para o fim de 2023 ou de 2024, a depender do tamanho dele.

Ao aderir ao CAR, o proprietário entra no chamado PRA, Programa de Regularização Ambiental, que prevê uma série de benefícios, mas também exige que seja colocado em prática um processo de reflorestamento de áreas desmatadas.

O prazo anterior para inscrição no cadastro era de 31 de dezembro de 2022. O cadastro, obrigatório a todo imóvel rural, serve para controlar e fiscalizar crimes ambientais cometidos nas propriedades e para elaborar políticas públicas relacionadas.

O adiamento, na prática, permite que proprietários adiem o início do reflorestamento e, portanto, possam explorar áreas de desmate irregular.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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