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Maioria dos brasileiros rejeita abrir mineração em terras indígenas

Pesquisa Datafolha aponta que 86% no país discorda do plano do presidente Jair Bolsonaro de abrir exploração mineral nessas áreas

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Brasília

A abertura da mineração em terras indígenas, um dos projetos mais citados pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL-RJ) em entrevistas e pronunciamentos, é amplamente reprovada pelos brasileiros.

Pesquisa Datafolha contratada pela organização não governamental ISA (Instituto Socioambiental) apontou que 86% dos brasileiros discordam da permissão à entrada de empresas de exploração mineral nas terras indígenas, que hoje é ilegal mas que Bolsonaro pretende autorizar.

O Datafolha realizou, de 4 a 6 de junho, 2.088 entrevistas distribuídas em 168 municípios de todas as regiões do país. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, com um nível de confiança de 95%.

Para Márcio Santilli, sócio-fundador do ISA e presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio) entre 1995 e 1996, a pesquisa revela “uma vontade inequívoca dos brasileiros de preservar as terras, o que o Congresso precisa considerar nessa discussão”. “A pesquisa indica que até os que apoiam o presidente discordam da sua intenção de promover o garimpo e o ingresso de mineradoras estrangeiras nessas terras”, disse Santilli.

A Constituição prevê que a mineração em territórios indígenas pode ser realizada a partir da aprovação de uma lei pelo Congresso Nacional. A Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que é lei no Brasil desde 2004, estabelece que os povos indígenas devem ser consultados em todas as etapas sobre eventual projeto de mineração “a fim de se determinar se os interesses desses povos seriam prejudicados, e em que medida, antes de se empreender ou autorizar qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes em suas terras”.

Segundo a pesquisa, a rejeição à mineração é muito alta, com um mínimo de 80% em todas as regiões, escolaridades, idades, sexos, classificações econômicas e ocupações. Chama a atenção a repulsa de 80% nas regiões Norte e Centro-Oeste, onde se concentra a maior parte das terras indígenas do país e que seriam os alvos principais do plano de Bolsonaro. No Sudeste, onde a rejeição foi a mais alta, 88% dos brasileiros disseram que discordam da afirmação de que “o governo deve permitir a entrada de empresas de mineração para explorar as terras indígenas”. No Brasil todo, apenas 14% disseram concordar com a formulação - o índice cai para 12% no Sudeste.

O indígena Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), uma das principais organizações indígenas do país, disse que a maioria dos índios é contrária à mineração, com exceção de “alguns poucos indígenas, um número insignificante, às vezes visando interesses particulares”. “O que o Bolsonaro está dizendo é que ‘os índios querem mineração’. Os índios não querem mineração. A nossa relação com a terra é totalmente diferente, é de preservação da terra e dos recursos naturais”, disse Terena. Para o advogado, o governo Bolsonaro tenta cooptar alguns indígenas em torno da mineração para promover a divisão no movimento indígena.

A professora indígena e escritora Eliane Potiguara disse que permitir a mineração em terras indígenas é “um projeto fascista e neocolonialista”. “A ditadura militar [1964-1985] tentou isso. Parece que estamos vivendo de novo os anos 70 e 80. Eles querem desqualificar a identidade dos povos indígenas, dizer que eles querem tirar proveito econômico das terras. É um projeto genocida”, disse Potiguara.

Outro lado

O secretário de Geologia e Mineração do MME (Ministério de Minas e Energia), Alexandre Vidigal, confirmou que o governo Bolsonaro elabora, por meio de um grupo de trabalho interministerial, um projeto de lei a fim de permitir a mineração em terras indígenas. A estimativa é que o projeto fique pronto até setembro, quando será enviado ao Congresso Nacional.

Vidigal disse que o governo não detém números e levantamentos detalhados sobre o potencial mineral em terras indígenas. Para isso, seriam necessárias pesquisas in loco.

Indagado por que os indígenas não estão participando dessa fase da discussão do novo projeto, Vidigal disse que o momento certo da participação indígena é quando o projeto chegar ao Congresso. “É uma lei geral que está sendo tratada [nesse momento]”, disse o secretário. Vidigal disse que o governo quer “trazer para a formalidade” atividades que são “nocivas e clandestinas”. “Nosso único propósito é o bem coletivo.”

A Folha indagou se o projeto do governo vai incluir a possibilidade de os indígenas vetarem a mineração em suas terras, após análise da degradação ambiental trazida com o negócio. Vidigal disse que não e que a Constituição não prevê tal veto. Ele falou da necessidade de “um consenso” entre empresários, indígenas e órgãos de controle antes dos supostos empreendimentos, que seriam discutidos caso a caso.

 

A assessoria de comunicação do CPRM (Serviço Geológico do Brasil), empresa pública vinculada ao MME, informou que foram realizados estudos nos anos 70 e 80 em terras que posteriormente foram demarcadas como territórios indígenas, mas hoje não existe um trabalho completo e detalhado que aponte o real potencial minerário dessas terras. Nos anos 70 e 80, o CPRM identificou indícios, ocorrências e depósitos de ouro, diamante, alumínio, cobre, ferro e molibdênio em Roraima, mas não se sabe a dimensão exata dessas jazidas e se a exploração delas é economicamente viável.

Procurado, o MMA (Ministério de Meio Ambiente) não se manifestou até a publicação deste texto. É a terceira vez consecutiva que a reportagem procura a comunicação do MMA, chefiada por um capitão da reserva do Exército, e não recebe nenhuma resposta.

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