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Repórteres se deparam com Pantanal de morte e impotência

Impacto das queimadas no Mato Grosso foi registrado em foto e texto

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Cuiabá

É inevitável associar os macacos a humanos. Mais especificamente, a crianças: alegres, irriquietos, inocentes. Foi impossível não se emocionar quando encontramos dez macacos-prego calcinados: mãos crispadas, rostos congelados na dor, corpos contorcidos.

Viajávamos por uma estrada de terra dentro da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Sesc Pantanal. Encontrei o bando pelo cheiro podre e pelo barulho das moscas, enquanto esperava o repórter fotográfico Lalo de Almeida retratar um veado morto. Quando ele se aproximou, a voz não saiu, só apontei na direção dos corpos.

O fotógrafo Lalo de Almeida fotografa queimada em Poconé (MT) - Fabiano Maisonnave/Folhapress

Estávamos a caminho da fazenda São Francisco do Perigara, maior refúgio do mundo das araras-azuis, também devastada pelo fogo, assim como a Terra Indígena Perigara, dos bororos. O futuro das aves, ameaçadas de extinção, é incerto —grande parte das palmeiras com as quais se alimentam se foram.

Os incêndios já arrasaram 10% do Pantanal. Trata-se, não custa lembrar, da maior superfície alagada de todo o planeta.

O sentimento na região é de impotência. A bióloga Cristina Cuiabália, que já dedicou 15 dos seus 35 anos à RPPN, chorou ao sobrevoar a área queimada pela primeira vez. Os bombeiros comparam o trabalho a enxugar gelo e falam em rezar para que a chuva chegue antes.

No sábado (15), o administrador da fazenda São Francisco, Marcelo Sena, enviou mensagem de áudio dizendo que o fogo havia assolado uma área que havíamos visitado dois dias antes. “Agora, caixão e vela preta, meu filho, acabou.”

Impotência foi o que Lalo e eu sentimos na volta da fazenda, ao nos depararmos com um veado e um cachorro-do-mato deitados na estrada, magros e exauridos. Tentamos dar água, mas ambos usaram a pouca força que tinham para se levantar e se afastar de nós. Não inspiramos confiança.

É a segunda vez que cubro incêndios no Pantanal. Em 2001, recém-contratado pela Folha, escrevi sobre a região de Corumbá (MS). Naquele ano, o bioma registrou 6.782 focos de calor. De janeiro de 2020 até o início de agosto, já eram 6.629 focos. Ainda faltam duas semanas para setembro, historicamente o mês com mais queimadas.

O Estado falha em vários níveis. Com o Pantanal enfrentando uma de suas piores secas desde o início do ano, não evitou que fazendeiros e agricultores voltassem a usar o fogo, a provável origem da maioria dos incêndios.

Para combater a tragédia em andamento, o governo federal menosprezou o conhecimento adquirido pelo Ibama e aposta numa operação militar comandada pela Marinha.

O resultado é um fetiche pela logística, muito dinheiro mal gasto, jogos de guerra e inexperiência —no sábado, militares foram resgatados pelo ar após serem cercados pelo fogo.

Ao ver um militar da Marinha descendo do helicóptero com arma longa, um funcionário da fazenda, com a sabedoria pantaneira, ironizou: “Estão lutando a guerra errada”.

No clássico “A Ferro e Fogo”, o historiador Warren Dean narra a inexorável destruição da mata atlântica ao longo de 500 anos. Há quatro anos morando na Amazônia, não vislumbro destino diferente para a floresta ou para o Pantanal.

Diante da indiferença e da apatia da opinião pública, eis a tarefa possível da reportagem: criar documentos para um Warren Dean do futuro —caso haja historiadores e futuro.

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