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Descrição de chapéu pantanal

Fazendeiro perde 6.000 hectares no Pantanal, mas defende queimadas

Prejuízo de Pedro de Oliveira Rodrigues é de R$ 3 milhões; gado e animais nativos morreram

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Santo Antônio de Leverger (MT)

Do alto de seus 46 anos como proprietário rural em Mato Grosso, o pecuarista Pedro de Oliveira Rodrigues se achava preparado para o incêndio que devasta o Pantanal. Com tratores, ele havia cercado a fazenda São Francisco de aceiros (faixas de terra exposta), alguns com até 100 metros de largura.

Até que, em 11 de setembro, o fogo queimou, em intervalo de duas horas, 4.300 hectares de pasto e vegetação nativa.

O prejuízo estimado é de pelo menos R$ 3 milhões, incluindo cerca de 250 cabeças de gado e alguns quilômetros de cerca. O cálculo deixou de fora a compra de sementes para replantar o pasto, que custará algumas centenas de milhares de reais.

O pecuarista Pedro Oliveira Rodrigues observa um pasto queimado na fazenda São Francisco, que foi devastada por um incêndio - Lalo de Almeida/Folhapress

A destruição também deixou impacto pessoal profundo no seu Pedrão, 70, como é mais conhecido. Ele chegou a ser hospitalizado após o fogo, que salpicou seus braços e pernas. Emocionalmente abalado, desistiu de tocar a fazenda que comprara há 22 anos. Decidiu passar a administração para a neta veterinária e quer voltar ao Paraná, de onde saiu ainda criança.

"Vou parar com muita tristeza, mas achei que devo e ficou na hora. Eu me senti derrotado", diz Rodrigues com olhos marejados e voz embargada, em entrevista na sede da fazenda, uma das poucas áreas que escaparam do fogo.

O cenário é desolador. A sede se tornou uma pequena ilha cercada de cinza escuro, árvores queimadas e solo exposto. No curral ao lado, vários bezerros recém-nascidos estavam deitados no chão por causa das patas queimadas. Todos perderam a mãe e agora dependem do leite dado por funcionários. Dois morreram nos poucos minutos em que a reportagem ficou no recinto.

Além do gado, vários animais silvestres foram encontrados calcinados na área de reserva da mata nativa. Entre os mortos, anta, veado e até uma arara-canindé, aparentemente morta em pleno voo.

"O que não dá, o que eu não aguento mais é o sofrimento dos animais. Tinha uma reserva [de mata] de 800 hectares. Era um orgulho que eu tinha de ter, de manter. Hoje, é só tristeza, só tristeza, a natureza se acabou."

Ex-militar, Rodrigues chegou a Mato Grosso em 1970, para trabalhar na construção da BR-163, a Cuiabá-Santarém. Quatro anos depois, deixou o Exército e, com ajuda do pai, comprou sua primeira fazenda em Mato Grosso.

Hoje, além da São Francisco, ele tem outras duas fazendas vizinhas —uma delas também teve 1.700 hectares destruídos pelas chamas.

As propriedades margeiam a MT-040 por cerca de 25 km, segundo Rodrigues. À beira da rodovia, o fazendeiro ergueu uma grande cruz com imagens de Nossa Senhora Aparecida e de São Francisco de Assis, ladeadas por bandeiras do Brasil e de Mato Grosso.

Rodrigues diz que o foco que queimou a sua fazenda teve origem a 40 km, em linha reta. No dia em que o fogo se aproximou, mobilizou funcionários e familiares durante a madrugada para refazer, com trator, os aceiros. Em vão.

"Mais ou menos às 10h30, resolvemos ir lá no fundo na fazenda de caminhonete. Quando chegamos lá, o fogo já tinha pulado e tentamos apagar. Vendo que não tinha êxito, corremos de lá pra sede, viemos muito rápido. Quando chegamos aqui, o fogo chegou junto, coisa que jamais eu vi na minha vida."

"Nós ficamos ilhados aqui em casa sem poder sair do lugar, com o fogo em volta. Eles pegavam água ali na represa e molhavam aqui. Queimou grande parte do curral, umas madeiras de cerca queimaram na porta. Eu me senti um inútil. Sinceramente, fiquei muito desgostoso com aquilo que vi e com aquilo que presenciei."

"Duas horas depois, peguei a camionete e fui fazer os mesmos percursos. Encontrei só animal queimado e 4.300 hectares queimados, inteiramente", relembra. E repete: "Eu nunca vi na minha vida".

Apesar de investigações indicarem áreas de fazenda como origem de diversos focos de incêndio no Pantanal, Rodrigues defende com veemência o uso do fogo para o manejo do pasto na região.

"O cerrado se adaptou a ser queimado. O pessoal tem medo de falar. A lixeira [espécie de árvore] se refaz com o fogo, as árvores se refazem com o fogo", assegura. "Quando nós tínhamos o fogo liberado, quando parava a água da chuva, em maio, nós começava a queimar o campo em maio, junho, julho. Em agosto, setembro e outubro nós já não tínhamos mais queima."

Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que agosto e setembro são, tradicionalmente, os meses com mais registros de focos de incêndio no Pantanal. Quase todos são provocados pela ação humana, com a exceção de raios, que geram focos de alcance mais limitado.

Neste ano, o governo de Mato Grosso ampliou o período de proibição de queimadas no campo. Teve início em 1º de julho e termina em 30 de setembro. O Pantanal e outras regiões do estado atravessam sua pior seca em décadas.

Questionado sobre a origem do incêndio que devastou as duas fazendas, Rodrigues apontou como vilão o recente asfaltamento da rodovia que corta a sua propriedade.

"Nós tínhamos aqui um paraíso e, infelizmente, o fogo entrou pelo asfalto. Ninguém roça a beira de rodovia. Se você limpar, ainda é multado. O Estado não limpa, o mato cresce, o fogo anda na beira da pista, vai fazer o quê."

Com os especialistas, o fazendeiro concorda em ao menos um aspecto: o clima está mudando para pior. "O calor aumentou muito, as chuvas diminuíram muito. As melhores águas da região estão dentro das minhas propriedades. Confesso a vocês que hoje tem uns 30%, 40% no máximo da vazão normal, no máximo."

Os repórteres viajaram ao Pantanal com patrocínio da iniciativa ObservaMT

Erramos: o texto foi alterado

Pedro de Oliveira Rodrigues perdeu 6.000 hectares de suas fazendas para o fogo, não 4.000. O título foi corrigido.

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