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Lista com bichos silvestres quer ampliar mercado de pets no país

Texto de associação traz animais sob risco de extinção; especialistas citam perigos e demanda do mercado

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São Carlos (SP)

Antas, macacos-aranhas e jaguatiricas --mamíferos de porte médio ou grande e agressividade elevada, capazes até de matar seres humanos-- não parecem ter o perfil desejado de um bicho de estimação, mas mesmo assim foram incluídos numa lista preliminar de animais que poderiam fazer parte de uma ampliação do mercado de pets silvestres no Brasil.

Discussões sobre a chamada "Lista Pet" da fauna nativa brasileira, que se arrastam no país desde os anos 2000, ganharam novo impulso no fim de 2020, numa reunião virtual realizada pela Abema (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente).

Entre as espécies de vertebrados elencadas na oficina sob os auspícios do órgão estão várias sob risco de extinção. É o caso das antas e macacos-aranhas, além de outros primatas, felinos e répteis. Outras integrantes da pré-lista exigem condições muito especiais de bem-estar animal --como espaço, convivência em grupos sociais e segurança-- para que sejam criadas em cativeiro decentemente.

"Talvez a coisa mais maluca seja a presença da Corallus cropanii, uma jiboia da mata atlântica que é uma das serpentes mais raras do mundo, foi descrita originalmente na década de 1950 e só voltou a ser vista há poucos anos", diz o biólogo Mauricio da Cruz Forlani, mestre em zoologia pela USP e consultor sobre o tema para a ONG Freeland Brasil, que combate o tráfico de animais.

Em resposta a perguntas enviadas pela Folha por email, a presidente da Abema, Mauren Lazzaretti, e a coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Fauna do órgão, Tainan Oliveira, afirmaram que a abrangência da lista se deve ao fato de que ela inclui todas as espécies que já tinham recebido algum tipo de autorização para serem criadas no passado. Trata-se, na verdade, do período anterior ao final de 2007, quando a abertura desse tipo de criadouro ficou "congelada" por uma resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Essa resolução estabelecia ainda um prazo de seis meses para que fosse elaborada uma lista nacional de espécies cuja criação seria permitida. Embora isso nunca tenha acontecido, alguns estados criaram listas locais.

"O problema é que essas autorizações antigas, muitas das quais são do tipo 'algum dia alguém teve a ideia de criar flamingo e conseguiu um aval do Ibama para isso', frequentemente não têm base técnica nenhuma", afirma Forlani.

Biólogos e conservacionistas ouvidos pela Folha dizem temer que a abrangência inicial da pré-lista sirva como estratégia para manter o máximo possível de espécies numa eventual lista finalizada.

"Infelizmente, não fomos consultados nessa discussão", diz Gustavo Canale, presidente da SBPr (Sociedade Brasileira de Primatologia) e pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso. "Nossa posição é que nenhuma espécie de primata nativo do Brasil deveria ser incluída." De acordo com Canale, tem aumentado o interesse da população em adquirir macacos como animais de estimação, o que motivou a SBPr a lançar a campanha #EuNaoSouPet.

Ele diz que o convívio com um grupo social da própria espécie desde o nascimento é essencial para o desenvolvimento dos macacos do país. Privá-los disso equivale a criar animais com formas graves de doença mental. "E as pessoas quase sempre adotam como pets macacos ainda filhotes. A tendência é que eles fiquem mais territoriais e agressivos, o que torna inviável sua criação como bicho de estimação."

Esses fatores fazem com que seja comum o abandono dos animais, frequentemente em áreas onde não são nativos, afetando a fauna local.

Tanto no caso dos primatas quanto no de outros grupos de animais, ao risco de acidentes com os donos dos pets se soma a introdução de zoonoses (doenças infecciosas que saltam de animais para humanos, categoria na qual, no início, incluía-se a própria Covid-19).

Para especialistas, há demanda econômica para que uma "Lista Pet" seja oficializada, em especial no que diz respeito a fabricantes de ração, gaiolas e outros membros da cadeia produtiva. "Na situação que a gente vive, é melhor ter do que não ter", diz Forlani.

No entanto, ele conta que, em reuniões anteriores, realizadas pelo Ibama, representantes do setor se opuseram a propostas como o rastreio dos animais por DNA (o que ajudaria a evitar o "esquentamento" de espécimes clandestinos e a saúde genética dos criadouros) e até mesmo à inclusão do termo "bem-estar animal" na documentação.

O documento Diagnóstico da Criação Comercial de Animais Silvestres no Brasil, publicado pelo Ibama em 2019, já na gestão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, dá destaque a essas demandas. "Desconectar radicalmente a utilização da fauna da sua conservação não parece ser um bom caminho, na medida [em] que regramentos proibitivos não suplantam costumes culturais", diz o relatório.

Examinando dados cadastrados num sistema federal de criadouros de fauna nativa e outro estadual de São Paulo, o documento destaca o potencial econômico das vendas para o mercado pet --70% do total, enquanto a maior parte do restante é para consumo de carne e outros derivados das espécies criadas. Afirma ainda: "A criação comercial deve ser encarada como instrumento de conservação 'ex situ' [fora do habitat natural] da biodiversidade brasileira".

Muitas vezes não é isso o que acontece, porém. Forlani lembra que, no caso das aves são comuns cruzamentos para reproduzir o máximo possível de indivíduos com características físicas que caem no gosto dos donos de pets. Esses traços, porém, podem ter muito pouco a ver com os que seriam necessários para a sobrevivência dos animais na natureza, tornando os criadouros comerciais inúteis para um possível uso conservacionista.

A Abema disse à Folha que os resultados da oficina foram repassados ao governo federal "para formação de uma proposta que será encaminhada à Câmara Técnica do Conama".

"Após a publicação da lista pelo Conama, a Abema estará trabalhando, junto aos estados e ao governo federal, para a uniformização dos procedimentos técnicos, de forma a garantir maior segurança jurídica, isonomia e paridade entre os estados, o que garantirá segurança aos criadores de animais silvestres quanto ao fluxo de suas atividades."

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