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Genoma de 15 mil brasileiros será desvendado em projeto inédito no país

Parceria reúne universidades e empresas; escolhidos são funcionários públicos de estudo em andamento

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São Paulo

Um novo projeto, chamado DNA do Brasil, vai estudar a fundo o DNA de 15 mil brasileiros e promete colocar o país no mapa global dos estudos genômicos. A nova iniciativa foi oficialmente lançada nesta terça-feira (10). 

A ideia é que, no futuro, seja possível prevenir e tratar doenças de forma mais precisa com base no conhecimento que será construído.

Genoma é o nome que se dá ao conjunto de todo o material genético de um organismo, uma espécie de livro de receitas da vida para características como altura, formato do pé, suscetibilidade a infecções, tendência a ter doenças e a resposta ao tratamento com certos remédios, entre muitas outras.

Os brasileiros que terão o DNA analisado já fazem parte de outro projeto, o Elsa (Estudo longitudinal de saúde do adulto), que desde 2008 acompanha a saúde de funcionários públicos, de 35 a 74 anos, em seis cidades brasileiras —São Paulo (USP), Belo Horizonte (UFMG), Porto Alegre (UFRGS), Salvador (UFBA), Rio de Janeiro (Fiocruz) e Vitória (UFES). 

O objetivo do Elsa é investigar ao longo de 20 anos os fatores por trás de doenças crônicas. O estudo já contou com um aporte de mais de R$ 60 milhões provenientes dos ministérios da Saúde e de Ciência e Tecnologia. 

Embora os funcionários públicos não representem de maneira ideal a população brasileira, eles tendem a permanecer na cidade onde o estudo começou e por isso foram escolhidos para participar de um estudo sobre doenças crônicas, que costumam demorar a aparecer.

Anualmente apenas 0,8% dessas pessoas se mudam, contra mais de 10% da população em geral, explica Paulo Lotufo, um dos coordenadores do Elsa.

Modelo de estrutura de dupla hélice do DNA (ácido desoxirribonucléico), cadeia molecular que compõe o material genético dos seres vivos - The Wellcome Trust/Reuters

Ao combinar os dados do genoma dos brasileiros com os dados clínicos, será possível também investigar como pequenas alterações do DNA são capazes de influenciar o surgimento de doenças como diabetes e de eventos como ataques cardíacos.

Em todo o mundo diversas iniciativas parecidas estão em andamento. Cerca de 1 milhão de indivíduos tiveram seu DNA mapeado em países como EUA, China e Coreia do Sul, 500 mil no Reino Unido e 350 mil no Qatar, para citar os maiores.

Segundo Lygia da Veiga Pereira, professora da USP e uma das responsáveis pelo novo projeto, a miscigenação brasileira é um fator importante para tocar um projeto assim aqui. Quase nenhum outro lugar do mundo tem um DNA tão misturado, com componentes europeus, africano e indígena.

Cerca de 80% dos genomas sequenciados no mundo são de origem europeia, outra boa porção é asiática —os latino-americanos são sub-representados.

Algumas doenças estão ligadas à fração indígena do DNA, muito frequente entre os brasileiros. É o caso de ataxias, doenças causadas pela degeneração do sistema nervoso. Já o DNA de origem africana pode abrigar a propensão a desenvolver hipertensão e câncer de pulmão, por exemplo.

Sem uma análise meticulosa do mosaico que é o DNA do brasileiro, especificidades da população acabam não sendo levadas em conta na investigação de doenças e podem resultar em tratamentos demasiadamente tóxicos ou ineficazes para essa população.

Apesar desse apelo, não foi fácil conseguir recursos para o projeto, segundo Pereira. Apesar de mostrar algum interesse pela ideia, a indústria farmacêutica nacional não investiu nela. 

“Essa é uma oportunidade para a indústria farmacêutica brasileira fomentar a pesquisa e o desenvolvimento dentro das próprias empresas. É uma oportunidade para a farma brasileira virar gente grande, parar de fazer só medicamento genérico e fazer inovação.”

A Dasa, companhia de medicina diagnóstica, vai pagar por 3.000 sequenciamentos dos 15 mil previstos e investir R$ 6 milhões em um sequenciador, aparelho responsável por “soletrar” o DNA, decifrando a ordem dos mais de 3 bilhões de letrinhas que o compõem. A Illumina, fabricante do equipamento, fornecerá insumos para o processamento das amostras.

Ainda não há recursos para os 12 mil sequenciamentos remanescentes. O preço por teste restante, a ser financiado por novos parceiros, deve ficar na faixa dos US$ 600 dólares (cerca de R$ 2.500), abaixo do comumente praticado num mercado cada vez mais competitivo. Há 20 anos, sequenciar um genoma humano custava cerca de US$ 100 milhões.

O armazenamento dos dados será feito em servidores do Google Cloud, também parceiro da iniciativa. Cada genoma ocupa 500 gigabytes. 

O processamento dos dados também será feito na nuvem do Google, para que os estudos futuros sobre o DNA do brasileiro tenham acesso aos "pedaços" mais enxutos mais importantes para cada grupo de cientistas. De todo modo, nenhuma informação original será perdida nas análises, e a versão original sempre estará disponível para novas investigações. 

Nem a Dasa nem o Google terão acesso aos dados dos participantes da pesquisa. Para utilizar os dados, pesquisadores deverão submeter projetos à nova iniciativa e serem aprovados.

“É muito positivo que atores do setor privado tenham decidido investir e interagir nessa área. É preciso trazer mais know-how de genômica para o Brasil. É bom para a economia e para o desenvolvimento tecnológico”, diz Eduardo Tarazona-Santos, professor da UFMG responsável pela análise de dados genéticos de 6.487 pessoas do projeto Epigen e que não está envolvido no projeto DNA do Brasil.

Ele ressalta que não é de hoje que algumas iniciativas já buscam decifrar o genoma do brasileiro, mas será a primeira vez que uma parceria desse tipo e desse tamanho surge no país para investigar o genoma inteiro, e não apenas alguns trechos.

projeto 80+, da USP, investigou o DNA de 1.300 idosos com mais de 80 anos; outro, da mesma instituição, estuda o DNA de 150 índios amazônicos que vivem isolados.  ​

A expectativa é que os primeiros 3.000 genomas do DNA do Brasil sejam sequenciados ainda no primeiro trimestre de 2020.

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