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Geoglifos da Amazônia pré-histórica foram aterrados para plantio de milho e para pasto

Figuras apontam que área foi ocupada por grupos indígenas complexos e populosos antes do contato com europeus

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São Carlos

O paleontólogo Alceu Ranzi, da Universidade Federal do Acre, levou um susto ao observar imagens de satélite atualizadas de um sítio arqueológico que conhecia há vários anos. Os desenhos geométricos no chão da Fazenda Crixá II —indícios da presença de grandes centros rituais criados por grupos indígenas antes da chegada dos europeus à Amazônia— tinham sido parcialmente apagados.

“Revendo as imagens, dei de cara com o estrago”, contou Ranzi à Folha. Representantes do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) constataram que os desenhos, conhecidos como geoglifos, tinham sido aterrados para o plantio de milho e pasto. Segundo o proprietário da fazenda, o aterramento teria acontecido por descuido de seus empregados, que haviam sido avisados da presença dos geoglifos no local.

Nas últimas décadas, pesquisadores como Ranzi e a arqueóloga Denise Schaan, que morreu em 2018, realizaram um intenso trabalho de mapeamento e análise dos geoglifos. Esses estudos colocaram as estruturas, que podem medir algumas centenas de metros de comprimento e são detectadas com facilidade por sobrevoos, entre os elementos arqueológicos mais importantes da Amazônia pré-histórica.

Vista aérea de geoglifo em área de pastagem ao longo da rodovia BR-317, no Acre - Lalo de Almeida/Folhapress

Existem cerca de 800 deles no Acre e em regiões vizinhas do Amazonas, com formatos como quadrados, círculos e losangos, às vezes sobrepostos, formando figuras mais complexas. São delimitados por valas que podem alcançar 10 metros de comprimento e mais de um metro de profundidade.

As escavações realizadas até hoje em alguns deles mostraram poucos sinais de presença humana permanente no perímetro deles, com raros restos de cerâmica e outros artefatos. Por isso, a hipótese mais aceita hoje é de que as estruturas fossem construídas periodicamente como grandes centros rituais —terreiros para danças religiosas, por exemplo—, os quais congregavam boa parte da população pré-colombiana da região. Trata-se, portanto, de mais um indício importante em favor da ideia de que, antes do contato com os europeus, os grupos indígenas da Amazônia tinham sociedades mais populosas e complexas do que as de seus descendentes de hoje.

Assuero Veronez, o dono da fazenda, afirma que os funcionários que trabalhavam na área, diante da necessidade de desviar constantemente das valas do monumento pré-histórico com o trator, obtiveram autorização do gerente da propriedade para aterrar as estruturas.

“O Iphan me notificou formalmente, embargou a área e me deu 15 dias para prestar esclarecimentos. Assumi a responsabilidade e me coloquei à disposição deles para reparar ou mitigar o dano —não sei o que é possível fazer tecnicamente para isso”, diz. Veronez argumenta também que não houve dano permanente a possíveis artefatos arqueológicos no local, já que bastaria apenas retirar a terra das valas em futuras escavações.

Em nota oficial, o Iphan destaca que já há geoglifos tombados em outros locais do Acre e que “está avaliando as medidas que serão solicitadas para mitigação e compensação do irreparável dano causado”. O Ministério Público Federal e a Polícia Federal também foram acionados pelo órgão.

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