A pior hora para a democracia

Fala de Villas Bôas é desserviço ainda mais por coincidir com queda de apoio às regras do jogo

Boneco de Lula com roupa de presidiário durante protesto pela prisão do ex-presidente na avenida Paulista - Miguel Schincariol - 3.abr.2018/AFP

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É completamente extemporânea e equivocada a manifestação do comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas.

Primeiro porque distorce a história, ao afirmar que sua corporação "compartilha o anseio dos cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia".

As Forças Armadas, não convém esquecer, desrespeitaram a Constituição e a democracia, ao darem o golpe de Estado de 1964. Nunca fizeram um mea-culpa.

Segundo, porque é igualmente incorreto dizer que a corporação repudia a impunidade. As violações aos direitos humanos praticadas com abundância no período da ditadura (1964-1985) ficaram, no geral, absolutamente impunes.

Tão impunes que um oficial da reserva, hoje deputado, Jair Bolsonaro, faz a apologia de um notório torturador, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015), o primeiro oficial condenado pela Justiça pelo crime de tortura.

Não se pode ser contra a impunidade em crimes de corrupção —aparente alvo do general Villas Bôas— e silenciar sobre a impunidade em violações dos direitos humanos.

Essas distorções tornam inquietante a afirmação do general de que o Exército está atento às suas missões institucionais. Se o chefe de turno do Exército silencia sobre a violação da missão institucional praticada em 1964 por seus antecessores, fica o justificado temor de que o entendimento do que vem a ser, exatamente, "missão institucional" seja outra vez torcido.

Fica ainda mais inquietante essa referência pouco clara no contexto da fragilização da democracia em curso não só no Brasil mas em toda a América Latina, para não dizer em boa parte do mundo ocidental.

O momento que vive o pior dos regimes, salvo todos os outros, como dizia Winston Churchill (1874-1965), é assim descrito no "Barômetro das Américas", pesquisa da Vanderbilt University feita no final de 2017:

"A democracia na América Latina e no Caribe enfrenta um crítico conjunto de desafios, de baixa confiança do público em eleições, partidos e lideranças políticas a deficiências na provisão de liberdades básicas, da vigência da lei, da segurança dos cidadãos e de serviços [públicos] sólidos".

É natural, embora triste, que o apoio à democracia e a seus princípios e instituições tenha caído, em 2017, para 57,8%, redução de 12 pontos percentuais em relação ao pico de 69,8% registrado em 2012.

Uma das causas da queda no apoio é a constatação de que a confiança nas instituições democráticas é mais forte "quando funcionários públicos e políticos evitam comportamentos corruptos".

Ora, nesse capítulo, é inevitável concordar com Antonio Navalón, colunista de El País, quando ele escreve: "A Odebrecht tem sido e continua sendo a demonstração de que, quando se fala de democracia na América, se fala de corrupção e impunidade".

É nesse cenário profundamente desagradável que caem as declarações do general Villas Bôas.

Se são uma ameaça ou apenas uma manifestação completamente fora de lugar, só o tempo dirá. Mas é forçoso constatar que ou a democracia se corrige ela própria ou outras ameaças virão, de gente fardada ou de candidatos a messias —tipos que nunca faltaram na história latino-americana.

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