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Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

Fantasma de Marielle rompe cortina de fumaça do clã Bolsonaro

Aos poucos, casos Queiroz e Marielle vão convergindo, mas citação ao presidente precisa ser apurada

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Que não há nada de casual na mais recente impropriedade institucional de Jair Bolsonaro, até ministro do Supremo já fala em voz alta. É o Queiroz, estúpido, diria o velho marqueteiro James Carville.

Flávio, Jair, Eduardo e Carlos Bolsonaro antes da diplomação do patriarca do clã como presidente - Roberto Jayme - 10.dez.2018/Ascom/TSE

Aparentemente, a julgar pelas informações veiculadas pelo Jornal Nacional desta terça (29), talvez não só o antigo carregador de malas do clã Bolsonaro. O fantasma do caso Marielle Franco voltou com força a rondar a família presidencial, como tem feito de forma cíclica desde o começo de seu mandato.

Resumidamente, registros de portaria e um depoimento indicam que o acusado de dirigir o carro usado na execução da vereadora carioca disse que ia visitar a casa de Bolsonaro em um condomínio na Barra da Tijuca (Rio) antes do crime.

Ele foi para outra residência e Bolsonaro, apesar de um depoimento frágil dizer que ele estaria lá, estava com presença registrada na Câmara em Brasília. O álibi factual é bom, mas combinemos: só o fato de o nome do presidente estar numa investigação rumorosa como essa, e o STF (Supremo Tribunal Federal) ter de se posicionar sobre o caso, já é bastante ruim politicamente para o grupo ora no poder.

A primeira reação de Bolsonaro ao caso pode até funcionar para sua base de apoio, mas um observador mais imparcial viu um presidente descontrolado, aos berros de um hotel na Arábia Saudita, dizendo que não matou ninguém. Por óbvio, se a investigação nada demonstrar contra ele ou os seus, terá sido uma aposta razoável.

Assim como no episódio do tuíte com o STF e outros sendo chamados de hienas, não deve passar despercebido como o bolsonarismo anda alimentando uma paranoia de conspiração esquerdista continental. Se depender do filho deputado do presidente, o agora sem-embaixada Eduardo (PSL-SP), o Brasil pode até namorar práticas ditatoriais se houver uma radicalização pelas ruas daqui —se alguém viu algo, reporte, porque até onde a vista alcança a tese de contaminação de protestos chilenos não passa de um delírio. Mas o fumo segue subindo e infectando o ambiente.

Há outros elementos. Além dessas graves ilações do caso Marielle, que obviamente demandam apuração, também corre em círculos do Judiciário a informação de que a investigação sigilosa envolvendo Carlos Bolsonaro, o famoso vereador Carluxo (PSC-RJ) responsável pelo tuíte mundo animal do pai presidente, começou a engrossar. O Ministério Público do Rio avançou em frentes importantes relativas àquilo que já se sabe, a contratação de supostos funcionários fantasmas.

Quem conhece o assunto diz que há novos veios sendo explorados, e que talvez haja convergências nas apurações já existentes acerca do papel de Fabrício Queiroz, que resolveu mandar recados acerca de seu isolamento financeiro e político na forma de áudios vazados com indiscrições envolvendo o presidente e seu último empregador no clã, o hoje senador Flávio (PSL-RJ).

A batata quente da citação a Bolsonaro caiu, segundo o relato do JN, no colo do presidente do Supremo, Dias Toffoli. Egresso das hostes petistas e convertido ao gilmar-menderismo, Toffoli opera num registro de acomodação que, para muitos observadores, embute pretensões políticas maiores.

E é notável como, quando os rolos de Flávio dependeram de decisão sua, ele matou no peito. Se alguns o acusam de acerto com o Planalto, outros podem ver controle situacional, agora ainda maior.

Tais gravidades, que precisam da luz da informação para não se prestarem apenas a histerias rasas, não deveriam deixar a descoberto um aspecto importante do episódio das hienas, refletido na ligeireza com a qual Marco Aurélio Mello tratou do tema ao comentá-lo. Falo do efeito no médio e longo prazos dessa esgarçadura metódica do tecido institucional brasileiro.

Para acalmar bolsonaristas e petistas, é sempre possível argumentar que ela está em expansão eterna desde a formação do Brasil colônia. Mas é inevitável apontar que a degradação sob Bolsonaro é de deixar corado até Lula, que sempre se esmerou em fazer um jogo cínico com aspecto de esperteza malandra e gregária.

E nem falo aqui do modus operandi da base. Bolsonaristas aprenderam todos os truques petistas e os desenvolveram ao paroxismo: mentiras, distorções, ataques a reputações, enfim, tudo o que se sabe. O que o mensalão e o petrolão foram para o aprimoramento de métodos larápios da turma da esquerda, o mundo das redes é para os radicais da direita na disputa de imagem.

Bolsonaro consegue sempre dar um passo mais abaixo, como notou o decano Celso de Mello ao falar das hienas presidenciais. E quase invariavelmente o comportamento do titular do Planalto tem a ver com as atividades de seus filhos, uma coisa inédita nesses campos, como observou recentemente o guru da centro-direita Jorge Bornhausen.

Tudo isso é temperado pelo misto da ignorância de qualquer traço de urbanidade cosmopolita e absoluta crença numa preconceituosa sabedoria popularesca —vide os comentários machistas na Arábia Saudita. E servido num prato com a esperança de que os sinais de melhoria econômica sejam mais do que isso.

É uma versão baratinha do já vulgar Donald Trump, cujos efeitos sobre uma sociedade muito mais estruturada como a norte-americana ainda não são claros. Aqui, se forma um legado tóxico, mas cujo impacto está num horizonte algo avançado. No mais imediato, o que chama a atenção mesmo é a convergência dos casos Queiroz e Marielle, que obviamente dependem de apuração técnica e desapaixonada. Isso dito, é de se esperar mais fumaça pela frente.

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