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Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

São Silvestre oferece metáfora perfeita sobre não se render jamais

Resistir é palavra de ordem para 2020, seja na saúde, no esporte ou no trabalho

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Inicio esses anos 20 emprestando um pensamento do querido amigo Fernando Meligeni: o êxito não está em vencer sempre, mas em não se render nunca. Parece uma boa assertiva para nortear tempos que exigem esperança.

Começo é aquele momento que tem tudo para dar certo se o passado for compreendido com certa ternura. Sobre o que passou não há muito o que fazer, a não ser avaliar, refletir, transformar e, por que não, perdoar. Se do passado vierem rancores, temores, mágoas, arrisco a dizer que o futuro não promete bons augúrios.

Na vida e no esporte, a busca por objetivos parece ser a força que nos mobiliza a sair da cama todos os dias. O que parece estar meio confuso na atualidade são os limites dessa busca e o preço a ser pago. Render-se não significa desistir. Representa apenas uma mudança de estratégia. Há momentos em que é preciso dar um cavalo de pau e mudar a direção das coisas, antes que o fim chegue precocemente.

No fim do ano li com atenção as entrevistas com o prefeito Bruno Covas e com o jornalista Gilberto Dimenstein, ambos diagnosticados com câncer, ambos ressignificando a vida. Isso porque a doença faz o fim deixar de ser abstração para ganhar concretude desconhecida, despertando a necessidade de viver o real presente.

O canto do sabiá, a solidariedade dos desconhecidos, o barulho e o cheiro da chuva deixam de ser eventos banais para ser sensibilidade, pura humanidade. O tempo é precioso demais para ser perdido com banalidades, ou com a intolerância, que consomem uma energia preciosa para quem efetivamente deseja viver.

Susan Sontag, depois de ser surpreendida com o diagnóstico de câncer, escreveu “A Doença como Metáfora”. Nessa obra, discutiu como as doenças são cercadas por discursos que fazem o enfermo crer em um desenlace fatal.

Contrapondo essa perspectiva, Sontag aponta a necessidade de resistir, muito embora refute a ideia de uma batalha contra alguma coisa. Afirmava que a força da resistência não se dá apenas contra a doença em si, mas, principalmente, a um discurso socialmente construído, que leva o doente a crer que o diagnóstico é também uma sentença de morte.

O esporte oferece lições que todos, mais ou menos habilidosos, deveriam aprender. Não se ganha sempre, mesmo depois de liderar uma prova até alguns poucos centímetros da linha de chegada. O imponderável predomina.

A São Silvestre de 2019 é a metáfora perfeita sobre a determinação do não se render jamais. Atletas maravilhosos, uma prova perfeita, com a liderança se alternando entre Jacob Kiplimo, de Uganda, e Kibiwott Kandie, do Quênia. O resultado parecia determinado já no final da tão temida subida da Brigadeiro, com o jovem ugandense à frente.

A preocupação em manter contato visual com o adversário era evidente até que a chegada ficou visível, com a entrada na avenida Paulista.

A perspectiva do fim tem mesmo esse efeito inebriante, mas não para os experientes. Experimentar a vitória em situações dadas como perdidas ensina muito. Parece que Kandie aprendeu essa lição em algum momento da carreira.

Seguiu de perto Kiplimo, que deixou de olhar para trás, hipnotizado com a linha que se achegava. O sprint do queniano o levou à vitória e ao recorde da prova, com 42min59. Seu adversário fez 43min00, provando que o tempo é uma abstração, mas não no esporte.

Resistir desponta como a palavra de ordem para 2020. Seja na saúde, no esporte ou no trabalho. E que todo e qualquer resultado seja definitivamente proclamado depois de se cruzar a linha de chegada.

Montagem mostra o momento em o queniano Kibiwott Kandie (de branco) ultrapassa Jacob Kiplimo, de Uganda, a poucos instantes antes de cruzarem a linha de chegada da São Silvestre - Amanda Perobelli/Reuters (foto 1); Miguel Schincariol/AFP (fotos 2 e 3)

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