Eu não deveria, mas acho graça nas heresias de Bolsonaro

Candidatos em geral se esforçam para parecerem mais virtuosos do que realmente são

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Uma coisa esquisita tem acontecido comigo. Como qualquer inteligentinho da Vila Madalena, defendo o fim do preconceito contra gays e uma maior tolerância à diversidade sexual. Gays estão entre meus melhores amigos, frequentam a minha casa sem constrangimento, cantam comigo quase toda semana no karaokê. 

Mas solto uma gargalhada deliciosa quando Bolsonaro diz coisas do tipo “vizinho gay desvaloriza o imóvel”. Sei que é errado, mas acho divertido demais. O que está acontecendo comigo, leitor?

Não, não vou votar nele. A virtude que mais valorizo num político é a capacidade de dar sono e inspirar tédio. 

 

Quanto mais chato e apegado ao mundo real, melhor. (Já se vê que meus candidatos não conseguem passar dos 10% nas pesquisas.) 

 

Bolsonaro não dá tédio, portanto não tem o meu voto. Mas às vezes ele me diverte. 

O leitor mais preocupado com direitos individuais dirá que isso é um absurdo, que não se deve achar graça numa fala que deprecia homossexuais e incentiva o preconceito. Sim, a declaração de Bolsonaro é estúpida, preconceituosa, equivocada –mas irreverente que só. 

Talvez o que me divirta seja o atrevimento. Os candidatos em geral se esforçam para parecerem mais fofos e virtuosos do que realmente são. Marina Silva posa por aí como uma santa, uma Madre Teresa um degrau acima dos mortais. Ciro Gomes tenta nos convencer que é uma pessoa calma; Alckmin paga pedágio para a esquerda prometendo restaurante a R$ 1 nas principais cidades brasileiras. 

Já Bolsonaro se esforça para parecer mais irreverente e maldoso do que realmente é. 

“Irreverência” é um bom termo. Quando faz o sinal de armas com as mãos, Bolsonaro deixa de prestar reverência aos sacerdotes da imprensa e das universidades que passam o dia cobrando virtudes dos pecadores. 

Com tanta gente no Facebook apedrejando quem exibe o menor sinal de pecado ou que ouse discordar de minorias, o gesto de Bolsonaro é uma heresia, um grito de liberdade. 

Nicholas Taleb diz que o mundo está vendo, na Índia, no Reino Unido e nos Estados Unidos, a reação dos eleitores comuns aos “intelectuais mas idiotas” –os bem-educados formuladores de políticas públicas que nos dizem "1) o que fazer, 2) o que comer, 3) como falar, 4) como pensar e... 5) em quem votar”. 

Uma reação parecida ocorre no Brasil. Vota-se em Bolsonaro não pelas virtudes do candidato, mas pelo desprezo à intelligentsia que tenta determinar o que é permitido pensar. Não acredito que estou dizendo isso, mas talvez o voto em Bolsonaro seja uma tentativa de autonomia intelectual. 

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