A olimpíada de matemática no Brasil e por que o rabo não abana o cachorro

Crédito: Divulgação/Impa Mural assinado por participantes da última edição da IMO, no Rio de Janeiro

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Um colega, professor da New York University, escreveu-me para parabenizar o IMPA e a SBM pelo êxito da Olimpíada Internacional de Matemática (IMO, na sigla em inglês), em julho, no Rio de Janeiro.

Contou que a delegação norte-americana voltou elogiando a realização impecável. Cidadãos de países desenvolvidos não costumam pensar no Brasil como modelo de organização. Um cartoon que vi uma vez no exterior explicava por que o inferno é tão ruim: "Lá os amantes são suíços e os administradores são brasileiros".

Nos dias que precederam a IMO, jornalistas queriam saber por que ter um evento como este no Brasil. Sempre listei duas razões: consolidar a reputação do país no palco internacional e, ainda mais importante, contribuir para melhorar o cenário da matemática no Brasil.

Organizar a IMO 2017 foi resultado do trabalho sério feito partir da criação da Olimpíada Brasileira de Matemática, em 1978. Desde 2005, também temos a maior competição escolar do mundo, a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, com 18 milhões de participantes.

Precisávamos provar a capacidade de executar um evento internacional complexo, com centenas de adolescentes de todas as culturas. Não poupamos esforços: da segurança à alimentação, da montagem dos locais à programação das atividades, tudo foi planejado. É gratificante receber elogios e começo a acreditar nos que disseram que foi "a melhor IMO de todos os tempos!"

Mas o grande objetivo sempre foi tirar proveito do encanto da Olimpíada para desmontar a imagem negativa da matemática na sociedade brasileira. Olimpíadas motivam para a aprendizagem, revelam jovens talentosos e têm impacto de longo prazo no ensino e na pesquisa do país.

Além de desmistificarem a ideia de que a disciplina é chata. Os que viram a alegria das cerimônias de abertura e encerramento da IMO 2017, pessoalmente ou nas diversas mídias, sabem do que falo.

Por essa razão também traremos ao Brasil o Congresso Internacional de Matemáticos, de 1 a 9 de agosto de 2018, e estamos promovendo o Biênio da Matemática 2017-2018. Os resultados de um esforço como este não são imediatos e talvez nunca possamos mensurá-los. Mas as reações também me encorajam a pensar que estamos fazendo diferença.

Peraí!!! Mas o objetivo não era ganhar medalhas?!? Na IMO 2016 foram seis e ficamos em 15°. Desta vez, apenas três medalhas e 37° lugar. Isso não significa que a equipe fracassou, que o treinamento não deu certo? Seria, como alguém escreveu, mais uma prova do colapso da nossa educação?

Poderia responder observando que a França, segunda maior potência mundial da matemática, ficou em 39º lugar. Ou que a Finlândia, cujo sistema educacional é a inveja do planeta, terminou em 84º, logo atrás de El Salvador. Mas prefiro passar a palavra a Artur Avila, ouro na IMO de 1995 e ganhador da Medalha Fields, maior prêmio da matemática mundial, em 2014.

Numa rede social ele postou: "Ok, vamos falar seriamente. O resultado foi aquém do esperado? Foi. Isso significa que o programa de Olimpíadas que vem sendo realizado esteja indo pelo caminho errado? Não. Há certamente muito que pode ser melhorado, mas diria que estamos indo na direção certa.

O que o resultado de uma IMO reflete? Muita coisa, inclusive a capacidade de um país motivar crianças a fazer Olimpíadas, identificar aquelas com mais potencial, treiná-las. Também depende de sorte e de fatores emocionais –que podem ter sido a diferença em relação a 2016: outros fatores não mudaram tanto. A prova foi atípica, e havia obviamente uma pressão inevitável, e não usual, sobre os adolescentes."

Para Artur, o objetivo de Olimpíadas não deve ser apenas ficar entre os primeiros colocados, mas trazer benefícios educacionais, "com consequências em pesquisa. Mostrar que a matemática pode ser divertida, criar certa disciplina e foco, identificar talentos a serem observados com cuidado nas melhores instituições do país."

Segundo ele, "medalhas são um bom chamariz, a natureza humana faz com que a competição seja um bom incentivo. Mas existe uma expressão em inglês, 'wag the dog': é quando questões secundárias se tornam o foco, em vez das fundamentais. Maximizar medalhas é deixar o rabo abanar o cachorro."

Voltando à organização da IMO 2017. Sabia que a tarefa não seria fácil e que haveria surpresas no caminho. Mas nunca imaginei nada parecido com a notícia que recebi em junho: o filho e provável sucessor do ditador Bashar Al-Assad, da conflagrada Síria, integraria a delegação nacional!

Dei instruções para tratar a informação com o máximo de discrição e informei as autoridades brasileiras, serviços de inteligência e a Polícia Federal, com quem construímos ótima parceria. Sem ninguém perceber, agentes da PF patrulharam a IMO e cercanias durante o evento, atentos a todo e qualquer indício de problemas.

Mas nem a PF pode impedir adolescentes de serem... adolescentes: o jovem Al-Assad adora entrevistas, contar ao mundo de quem é filho, mostrar que é "um sujeito igual a qualquer outro". Ignorando nossos apelos, jornalistas publicaram a notícia sensacional, que poderia aumentar o risco de segurança para centenas de jovens e adultos do evento.

Felizmente, nada grave aconteceu até o último dia, quando a delegação síria embarcou de volta e eu pude, enfim, voltar a dormir.

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