Descrição de chapéu

Instabilidade judicial migrou da periferia para a cúpula

Como esperar que as instituições não reflitam os conflitos que engendram?

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Estátua da Justiça, em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, em Brasília - Alan Marques - 12.ago.2013/Folhapress

Em 1996, chegou ao pleno do STF (Supremo Tribunal Federal) um habeas corpus, impetrado por Epaminondas Patriota da Silva, contra a decisão do então presidente FHC "determinando a cremação de pessoas idosas e aposentadas". O morador da Rocinha, no Rio, impetrou a ação para assegurar "o direito de continuar vivo". O impetrante não existia e muito menos o dispositivo objeto da disputa. Mas o habeas corpus tramitou, sendo indeferido unanimemente.

O caso foi amplamente citado durante a longa tramitação (dez anos) da reforma do Judiciário (emenda constitucional 45), aprovada em 2004. Era a prova cabal de que inexistiam quaisquer filtros por um Judiciário-refém, assoberbado por casos irrelevantes e/ou similares que já tinham sido objeto de decisões anteriores.

A mídia denunciava também a "indústria de liminares" contra as políticas públicas, em particular o Plano Real e privatizações. Alimentadas pelo individualismo "jacobino" de juízes de primeira instância, eram vistas como fonte perene de ingovernabilidade (assunto de meu livro "Reformas constitucionais no Brasil: instituições políticas e processos decisórios", Revan, 2002).

A solução proposta foi verticalizar o sistema judicial para assegurar previsibilidade por meio de dois institutos —a súmula vinculante e a repercussão geral—, além do controle externo do sistema a ser exercido por um Conselho Nacional de Justiça.

Não se cogitou, no entanto, que as cortes superiores pudessem deparar-se —em contexto de conflagração econômica e social— com uma avalanche de ações envolvendo centenas de réus, dentre os quais o presidente mais popular da história e dezenas de membros destacados da elite empresarial do país.

Tampouco previu-se que teriam que deliberar sobre o afastamento de presidentes no exercício de suas funções (em três ocasiões) e de chefes das duas casas legislativas ou sobre a candidatura presidencial de condenados na Justiça.

Jacques Lambert, autor de "Os dois Brasis" (1953), argumentou aptamente que a emergência permanente produz instabilidade e subdesempenho: "a instabilidade ... não implica que as instituições sejam más, nem que sejam mal aplicadas, quando a todo momento se apresentam situações de emergência".

Se há deslocamentos tectônicos na política, como esperar que as instituições judiciais não reflitam os conflitos profundos que engendram, que o individualismo não migre da periferia para a cúpula do sistema, que a brecha entre o ideal normativo e a realidade não se alargue?

Clamor moral e autocontenção são necessários, mas a solução exige nova onda de reformas.

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