A política em que o Chico Buarque atua não existe mais, diz Renato Teixeira

Autor de 'Romaria' vê suicídio do filho como se ele estivesse viajando: 'Um dia vou lá pegar ele'

O compositor em sua casa na serra da Cantareira, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

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Bruna Narcizo
São Paulo

Renato Teixeira tinha sido contratado para abrir um show de Luiz Gonzaga num teatro em meados dos anos 1980. “Romaria” foi a canção escolhida para encerrar sua apresentação. Ao sair do palco, ele esbarrou com o rei do baião no corredor, que disse: “Você cantou sua ‘Asa Branca’”. 

 

“Tinha 30 anos”, lembra Teixeira sobre o episódio. “Eu falei: ‘Pô, o senhor tá tirando sarro com a minha cara, né, seu Luiz?’”, diz o compositor. “Romaria” ainda era um sucesso recente e tinha estourado há poucos anos na voz de Elis Regina. “Asa Branca” já era ouvida em todo o país. 

 

“Ele ficou bravo e disse: ‘Você vai ver daqui a 30 anos se eu não estou falando sério. E vou te dizer mais: toda vez que for cantar a sua música, cante como se fosse a primeira vez. Porque isso [compor algo assim] é pura sorte!’”, diz. 

 

Hoje, sempre que canta “Romaria”, ele diz que “o velho vem à cabeça. Ele me carimbou! Jamais na minha vida eu podia imaginar que fosse chegar perto dele. O Gonzagão era um ídolo na minha família”, diz ele, enquanto o sol se põe na janela da sala de sua casa na serra da Cantareira, em São Paulo. 

 

Só agora, mais de 40 anos depois de tê-la escrito, o músico afirma ter encontrado uma maneira de retribuir tudo o que a canção lhe deu: a Trilha da Imaculada, um roteiro para peregrinação que vai de Pirapora a Guaratinguetá, próximo a Basílica de Nossa Senhora Aparecida, em SP. “É o grande projeto da minha vida.”

 

“No mundo, o culto a Nossa Senhora leva três milhões de pessoas por ano para Lourdes [na França] e cinco milhões para Fátima [em Portugal]. Aparecida recebe 12 milhões de fiéis por ano. Aí, pega esses caras e enfia na via Dutra. Eu devo isso pro romeiro. Eles adotaram a minha música como um hino.”

 

Para Teixeira, Aparecida do Norte tem dois pontos fortes: a Santa e a sua música “Romaria”. A trilha terá cerca de 250 km e foi construída pela Unitau, de Taubaté, que é sua parceira no projeto.

 

“É uma estrada de quatro metros de largura onde é possível passar com carro elétrico, a cavalo ou a pé. Todo o caminho será monitorado com drones. Redários e pousadas serão de graça, porque a peregrinação exige isso.” O projeto está estacionado por conta do período eleitoral. “Não sou religioso. Deus tá dentro de você. Respeito a religiosidade das pessoas, mas minha santa é minha música.” 

 

“Esse dias tava vendo a Dilma Rousseff cantando “Romaria” na Argentina. Eu pensei: ‘o Aécio [Neves] também canta. O [Jair] Bolsonaro com certeza gosta. Todo mundo gosta!’.”

 

Renato, no entanto, é contra cantores e compositores que usam a fama para apoiar algum candidato. “Se a música te dá uma projeção e você desce pra praticar política e traz a sua arte junto, é feio. Não gosto disso não.”

 

“Acho que o Chico [Buarque] é um gênio da música. Para mim é o maior compositor da terra. É a minha influência absoluta. Mas eu acho que politicamente ele tá num lugar que não precisa mais estar. Essa política em que ele atua não existe mais, acabou. É uma ilusão. É xepa, totalmente xepa.”

 

Aos 73 anos, Teixeira não vota mais. “Meu pai me ensinou que o voto era a arma mais importante que o cidadão tinha. Você ia lá e escolhia uma pessoa que ia te representar. Pra que você precisava de uma pessoa para te representar? Porque não tinha celular, porra!”.

 

Para ele, a tecnologia veio para acabar com a classe política. Ele afirma que vê o país como uma grande empresa. “Quantas fábricas nós temos? O que nós produzimos? No fim do ano, a gente faz as contas, aperta dois ou três botõezinhos e vê quanto deu o lucro, aperta outro botãozinho e divide com a população.”

 

“Ando pelas estradas cheias de buraco. Segurança, não tem. Escola, não tem. Hospital, não tem. Apenas o que tem é pegar o seu dinheiro e fazer um grande clube para dividir entre poucas pessoas. É uma ação entre amigos, que pega todo o seu imposto. Isso não funciona mais.” 

 

Teixeira, porém, já fez o que tanto critica. Ele gravou um vídeo em apoio a Aécio Neves em 2014. “O cara ia em todos os meus shows. A gente saía para jantar. Nunca falei de política com ele. Nunca! Meu apoio nem foi apoio. Apenas a equipe dele, sabendo que a gente era amigo, pediu que eu desse o start na campanha. Ele nem sabia.” 

 

O compositor afirma que não se arrepende, mas também diz que não ficou surpreso com as denúncias de corrupção envolvendo o senador. “Se você parar e pensar, começa a ver tudo. Mas eu tô fazendo show, não quero ficar olhando pra essas coisas. É uma atitude meio irresponsável até.” 

 

O músico deu início neste mês à turnê do disco “+AR”, o segundo de sua parceria com Almir Sater, que é seu vizinho na serra. O primeiro CD, “AR”, foi lançado em 2015 e ganhou um Grammy Latino.

 

“A ideia de música da cultura caipira é ser popular, e eu e o Almir estamos fazendo esse trabalho para que ele sirva de referência.  Um trabalho que seja uma declaração de amor à cultura caipira. Que seja um grande elogio a esse povo. Eu percebo que a gente é um bom exemplo.”

 

Ele diz que, da nova geração de músicos sertanejos, gosta de Victor Chaves, da dupla Victor e Léo, e da cantora Paula Fernandes. “Sinto uma leveza e uma alegria, que eu gosto, no Luan [Santana]. Ele tem um jeito interessante de brincar com a música.” 

 

Ele acredita que o artista tem que ser “um bom funcionário da música”. “Tem que chegar lá e fazer um espetáculo maravilhoso. Depois, se quiser, pode sair para beber. Hoje, não cabe mais artistas como Raul [Seixas] ou Tim Maia.” 

 

“Quero que as pessoas tenham as surpresas que eu tive quando me entreguei para a música. Não é fácil pegar a obra do Vinicius [de Moraes] e querer fazer letra. É um puta desafio!”

 

Ele diz que seu processo de composição ficou “perigosamente fácil”. “Você tem tanta capacidade de mexer, manipular, achar soluções, que pode esquecer da inspiração. Nunca mais quis fazer outra ‘Romaria’. Se eu pegar o violão faço uma música para cada santo, mas eu não quero isso.” 

 

Teixeira organiza ao lado de sua filha Antônia sua primeira festa junina. Chamada de Festa na Floresta, o evento será no sábado (16) na Casa na Floresta —centro cultural que fica na Serra da Cantareira. “O que eu acho é que essa festa será o embrião de uma ideia maior: fazer com que as pessoas da cidade venham conhecer a sua floresta”, afirma. Os ingressos para a edição deste ano já esgotaram. 

 

Além de Antônia, ele teve outros três filhos: Isabel, Chico e João. João morreu em 2014. O compositor falou sobre a morte do filho em uma carta publicada no ano passado. “Meu filho João cometeu suicídio”, é a primeira frase do texto. 

 

O sol já se pôs e Antônia entra na sala para acender a luz. 

 

"[A morte do João] É um momento que não adianta querer entender esse tipo de coisa. Principalmente um pai, não vai entender isso. Mas é o destino, sabe? Tava escrito, sabe? Tem que procurar algum consolo por esse lado aí. Na minha cabeça ele foi fazer uma viagem. Tá vivo! Só que tá viajando. Um dia vou lá pegar ele.”

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