Descrição de chapéu carnaval

Quarta-Feira de Cinzas foi inventada por gente de coração triste

O Carnaval vai se acabando, o dia vem nascendo, é hora de ir embora

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Minha mãe sentada no jardim de inverno, numa cadeirinha dos anos 1950, com a cara triste. E meu pai ria, então esse mundo é um vale de lágrimas! Ele achava tudo um pequeno milagre: a vida tão curta, o mar tão lindo, o Carnaval. E o lança-perfume, uma dádiva para ensopar o traseiro das mulheres, até que olhassem para ele, geladas.

O Carnaval vai se acabando, está chegando a hora, o dia já vem nascendo, meu bem, é hora de ir embora. As pastorinhas, para consolo da Lua... Dava uma vontade de chorar igual a da mãe, o menino sentado ao lado, na escada de cimento, o italianinho que não conhecia guaraná, as pernas ainda finas, os olhos de veludo, puro, o menino e a menina, tão puros, mas tinham provado da alegria que já dava saudade, dor que dói demais, pela saudade que me invade eu peço paz.

Mas amanhã seria outro dia, dia das cinzas, recusava-se a invadir o futuro de pó escuro, e cinza áspera. Não queria nem saber de Quarta-Feira de Cinzas, das freiras, ia era guardar um resto de confete e serpentina e sentir o corpo mole, um sono que só passaria a cada vez que olhasse os restos da festa.

Festa que se repetiria todo ano, o italianinho tomando sempre um novo formato, de outra vez olhos azuis, sotaque de gaúcho, já com bigodinho, cílios compridos, boca quase de beijo. Que história de cinzas na cabeça, não iria deixar nunca, pensamentos sombrios que encaminhavam para a morte. Quem disse que Jesus queria isso? É claro que não. Queria bochecha pintada de "rouge", batom vermelho, flor no cabelo, boca fresca de Kolynos. Glitter.

Davam um trabalho aquelas freiras, passava uma vida com elas, mas fazia força para não acreditar em nada do que diziam, choronas, desconfiadas. Que branco bonito, que morenão, que preto frajola, que mulatão! Desse jeito, minha gente é um chuá, o homem ir passando e a mulher "assobiá". Fiu, fiu, que bom!

Jesus é amor, ternura, alegria, detesta coisa esfarrapada, gosta de comida boa, de cantar, de beber, não quer botar essa cinza sujando meu cabelo. O remédio era fingir e fazer cara de arrependida, mas arrependida de nada.

Tenho dez anos, saio do clube para casa com o coração palpitando de ternura, quero ouro, quero sol, nada de poeira encardida. Dia de cinzas é coisa inventada por gente de coração triste que quer ficar ainda mais triste. Cinza nem fel passem pela minha boca, até cantar de novo, Luzia, pega o pandeiro e cai no Carnaval, anda, Luzia, que essa tristeza te faz muito mal!

Ah, vê lá se os anjos iriam esparramar areia suja e encardida na testa de pessoas felizes que cantavam baixinho, Copacabana tem, romances ao luar, maior é Deus do céu e nada mais... Ai, ai, brotinho, não cresça meu brotinho, nem murche como a flor, tomara que chova, três dias sem parar, lata d'água na cabeça, lá vai, Maria.

Pegar cinza por baixo das unhas, quando o próprio Deus é uma claridade quente e limpa? Eu, hein?

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