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Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Discurso sobre superpoderes do agro e apetite infinito da China pode iludir

Chineses planejam reduzir dependência do exterior e diversificar fornecedores de alimentos

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Num webinar recente sobre China, um comentário me chamou a atenção. O assunto eram as importações chinesas de produtos agrícolas. Um participante mencionou os esforços do país asiático para diversificar seus mercados fornecedores.

Sem hesitar, outro respondeu ser praticamente impossível reduzir a dependência do Brasil, embasando o otimismo em dados sobre a competitividade do agronegócio brasileiro.

Plantação de amendoim na província de Hebei, na China - Mu Yu - 18.abr.21/Xinhua

Naquele momento, eu estava concluindo um estudo sobre cenários para o comércio China-América Latina e Caribe (ALC) em 2035. Publicado nesta semana pelo Atlantic Council, o estudo, em coautoria com David Bohl e Pepe Zhang, aponta que o agro tende a perder espaço na pauta exportadora da região –e do Brasil– para a China.

Hoje, produtos agrícolas respondem por mais de 40% do que a ALC exporta para os chineses. No cenário mais dramático, esse percentual poderia ficar próximo dos 20% em 2035, segundo o estudo.

Para quem pensa na competitividade atual do agro do Brasil e de alguns dos seus vizinhos, o dado surpreende –confesso que me surpreendeu, tão habituada que estou à conversa sobre os superpoderes do agro e o apetite sem fim dos chineses.

O objetivo do estudo obviamente não é prever o futuro, mas apenas construir cenários possíveis. Além disso, dados agregados da região escondem diferenças significativas entre países.

Ainda assim, vários elementos contribuiriam para o cenário de menor importância relativa do agro nas exportações para a China em 2035. Em primeiro lugar, os esforços chineses para aumentar a produtividade no campo são reais. Máquinas agrícolas –para a surpresa de muitos– estão ao lado de tecnologia da informação na lista seleta de prioridades do Made in China 2025, peça chave da política industrial do país. Agritech, agora movido a 5G, contribuirá também para ganhos de produtividade.

Há investimentos grandes em biotecnologia –e, aposto, a China vai rever sua legislação ainda restritiva quando tiver obtido os avanços tecnológicos que busca. Tudo isso terá impacto nos próximos 15 anos.

Outros países estão se tornando mais competitivos no mercado chinês. A Indonésia, por exemplo, que respondeu por cerca de 4% das importações agrícolas da China em 2020, chegaria a 7,5% num dos cenários. A Tailândia igualmente ganharia espaço.

Há também mudanças na demanda chinesa. É verdade que a urbanização ainda avança e que há aumento de riqueza per capita na China, mas o fator demográfico –com a diminuição da população– joga contra as expectativas de aumento acelerado de exportações agrícolas.

Como nunca nos seus 40 anos de abertura econômica, dependência externa é vista como vulnerabilidade.

Aumentar capacidade de produção e diversificar fornecedores contribuem para mitigar riscos –e é isso que os chineses buscam quando priorizam segurança alimentar.

O modelo que baseia o estudo do Atlantic Council estima, no entanto, um aumento das exportações globais do agronegócio da ALC –mas serão outros mercados a contribuir para a demanda externa aquecida. A África, em particular, ajudará a compensar a perda de dinamismo das vendas para a China.

China, Terra do Meio

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Análises de comércio quase sempre olham pelo retrovisor, concentram-se em dados do passado. Ou, como diz um amigo, resumem-se a perguntas de elevador: subindo? Descendo?

A construção de cenários tem o mérito de nos tirar da zona de conforto, de nos forçar a pensar seriamente no “e se”. É um ótimo antídoto anticomplacência para quem se acostumou a ver exportações do agro para a China registrarem recordes após recordes. Para quem desdenha o mercado africano. Para quem acha que a China depende mais do Brasil do que o contrário.​

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