Com quem passar o Natal?

Para passar as festas sem a família é preciso livrar-se do fantasma 'famidiático'

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Que o Natal hoje diga pouquíssimo respeito ao nascimento de Jesus é consenso. Papai Noel é o grande homenageado da data, o que permite que participem da celebração judeus, muçulmanos, ateus e outros sem se sentirem deslocados. Afinal, trata-se mais de se arrumar, comer, beber e trocar presentes, do que de rezar.

Mas se o Natal foi se tornando, em poucas décadas, apenas uma festa entre outras, por que parece ainda mobilizar tanto as pessoas?

Embora seja falsa a ideia de que haveria mais suicídios no Natal —de fato, sua incidência é menor nessa data e maior no Ano Novo — é perceptível a preocupação das pessoas ao lidarem com a situação.

Público assiste apresentação de luzes da tradicional árvore de Natal do parque do Ibirapuera, em São Paulo (SP). - FolhapressEduardo Anizelli/Folhapress

A associação do Natal com a família é um dos eixos do mal-estar. A imagem ligada à data é de uma família numerosa, com amplo espectro de idade, que se põe em torno de uma árvore para cear e trocar presentes. Quando as relações parecem deterioradas, como sustentar a cena do Natal?

Questão que vem sendo cada vez mais formulada nos últimos anos foi agravada pelas eleições dos últimos meses, que elevaram ao grau de paroxismo. Os memes e piadas sobre os confrontos familiares são infindáveis —alguns tão próximos da realidade que chegam a ser constrangedores.

Ao responder à pergunta “com quem passar o Natal?” nos deparamos com o que existe de laços de amor e intimidade, o que é pro forma e o que é autêntico. A festa passa a ser o termômetro da qualidade dessas relações.

Família é a base sem a qual não estaríamos aqui, mas é também a plataforma de lançamento da qual temos que nos libertar para cuidar da nossa vida e criar outra família que, por sua vez, também deverá ser superada. As negociações de distância e proximidade desse núcleo original vão desde a alienação mais profunda até a ruptura radical.

Temos de reconhecer que o Natal é uma festa em que aquilo que nos fez emancipar da família aparece como diferença nem sempre conciliável. Um tanto de tolerância nessas relações faz parte do jogo e demanda maturidade sem a qual ela nunca sobreviveria —exceto as famílias psicotizantes e perversas, que sobrevivem por uma fusão nefasta.

Felizes aqueles que podem circular, sem grandes amarras ou abismos, por suas famílias de origem. Estariam condenados à infelicidade os que não conseguem fazê-lo?

Depende. Nesse caso, a possibilidade de ter uma experiência gratificante no Natal passa por dar valor a encontros significativos, calorosos e honestos fora do eixo da família, ao invés de acreditar que o Natal sem laços de sangue seja um arremedo. Trata-se de se desvencilhar do fantasma “famidiático”, no qual produtos que fazem mal à saúde são empurrados prateleira abaixo pela via da imagem de uma família heterossexual, consanguínea e de classe média.

O conceito de família, segundo o dicionário Houaiss, a partir de 2016 é: “Núcleo social de pessoas unidas por laços afetivos, que geralmente compartilham o mesmo espaço e mantêm entre si uma relação solidária”. Família de origem é destino, laços afetivos são conquistas.

Hoje é dia 25 de dezembro, escolhas já foram feitas seja em nome do desejo, seja em nome de (in)conveniências. Se “laços afetivos” e “relação solidária” passam a ser a base da família, podemos ampliar o radar e repensar as escolhas que nos unem em volta dessa árvore. Que seja menos genealógica, e mais honesta.

Às mais diferentes famílias, feliz Natal!

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