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Em dois anos, SP vê salto de 66% de pessoas abordadas vivendo nas ruas

Com crise, prefeitura contatou 105,3 mil pessoas em situação de rua 2018

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São Paulo

Em três anos, o total de pessoas abordadas como moradores de rua na cidade de São Paulo quase dobrou.

Ao longo de todo o ano passado, assistentes sociais municipais abordaram cerca de 105,3 mil pessoas nas calçadas da cidade, de acordo com a base de dados disponibilizada no site da prefeitura. Esse número é 66% maior do que a quantidade de pessoas abordadas na mesma situação em 2016, quando foram contabilizados 63,2 mil indivíduos, e 88% acima da de 2015. 

O número de indivíduos abordados não representa a quantidade de pessoas que vive de fato nas ruas. Entre as abordagens há, por exemplo, moradores da periferia que passam dias e noites vivendo nas calçadas da região central em busca de doações, mas em parte do mês retornam a suas casas, pessoas que estão de passagem pela cidade, entre outras situações.

Mesmo assim, o levantamento é o indicador mais próximo para retratar o aumento cada vez mais perceptível dessa população na capital.

O cálculo oficial de moradores sem-teto na cidade está defasado, uma vez que é feito a cada quatro anos pela prefeitura por meio da contratação de um censo específico.

O levantamento mais recente é de 2015, quando foram contabilizados cerca de 15 mil moradores de rua. Naquele ano, foram abordados 56,1 mil indivíduos.

De acordo com a secretaria de Assistência Social, o próximo censo ainda está em fase inicial de licitação e não há prazo para sua conclusão. 

Segundo a pasta, o aumento de indivíduos abordados nas ruas da capital paulista é resultado da ampliação do serviço assistencial, como mais regiões e horários cobertos pelas equipes da assistência social. 

“A população de rua cresceu, e o serviço de abordagens diminuiu com cortes recorrentes no orçamento”, contesta Robson Mendonça, presidente do Movimento Estadual de População em Situação de Rua. 
Segundo ele, há atualmente em São Paulo por volta de 32.600 moradores de rua, mais do que o dobro do calculado em 2015 pela prefeitura. 

“Chegamos a esse número com base no cadastro de pessoas que atendemos na sede do movimento”, diz Mendonça. “Os recenseadores da prefeitura não vão a cemitérios, onde muitos dormem, nem a buracos que servem de dormitórios em viadutos.”

Para contabilizar os indivíduos abordados nas ruas, a prefeitura atribui um código a cada pessoa com base em documentos e na experiência dos assistentes sociais no local onde atuam. As informações alimentam um banco de dados eletrônico desenvolvido pela própria administração. 
Com a crise econômica que já dura cinco anos, mudou também a motivação principal que leva as pessoas à rua.

Os conflitos familiares, que apareciam em primeiro lugar como motivo mais frequente para permanecer nas ruas, em 2018 foram ultrapassados pelo desemprego, que figura como a explicação mais comum dada pelas pessoas abordadas.

De acordo com a Pesquisa de Emprego e Desemprego, realizada pela Fundação Seade e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a taxa de desemprego na cidade de São Paulo aumentou 8,1% entre 2016 e 2017, seguida de queda de 8,7% no ano posterior, entre 2017 e 2018. Atualmente, a taxa de desemprego na capital é de 15,4%. 

Segundo o psicanalista e professor de psicologia da PUC-SP Jorge Broide, o desemprego pode ser determinante para o aumento da população de rua porque serve como catalisador de conflitos familiares. “Acirra situações negativas já existentes na família, não é só uma questão de falta de dinheiro”, diz. 
“O que faz uma pessoa ir para a rua é o rompimento de uma série de vínculos além do familiar, que vão ser refeitos apenas com pessoas que estão na mesma situação.” 

Por isso, diz o psicanalista,  a população de rua costuma se concentrar em grupos em pontos específicos da cidade. A extensão da avenida Cruzeiro do Sul, na zona norte, foi o ponto onde ocorreu o maior número de abordagens no ano passado, seguida por locais conhecidos pelo acúmulo de sem-teto na região central, como as praças da Sé e Júlio Prestes, além do entorno da cracolândia, na rua Helvétia e largo Coração de Jesus. 

Além da questão emocional, a perda de renda empurra as pessoas para as ruas simplesmente porque deixam de conseguir pagar o aluguel —não é raro encontrar famílias inteiras dormindo nas calçadas. 
“Vivemos uma emergência habitacional”, afirma a urbanista Raquel Rolnik. “Os preços dos aluguéis sofreram um boom no período de crescimento econômico e não reduziram apesar da crise.”

A urbanista cita a retração de políticas públicas habitacionais como outro fator contribuinte para o aumento da população de rua. “Diminuiu a oferta de unidades do programa Minha Casa, Minha Vida voltadas para a população mais pobre e vulnerável, enquanto houve aumento dos empreendimentos voltados a pessoas com maior renda.”

Dificuldades econômicas se sobrepõem a perfis consolidados de pessoas que vão morar nas ruas, segundo o sociólogo Paulo Magalhães. “É a menina que foge de casa porque é estuprada pelo padrasto, a mulher que é espancada pelo marido e o homossexual discriminado pela família.”

A consolidação de São Paulo como destino de imigrantes em busca de melhores condições representa outra camada no cenário social devastador da cidade. Ao longo do ano passado, mais de 260 estrangeiros foram abordados como moradores de rua

Migrantes também engordam as estatísticas. Entre os abordados pelos assistentes sociais que informaram origem, metade veio de fora da cidade de São Paulo, apesar de o estado ser citado pela maioria como local de origem. Os outros estados mais citados são Bahia, Minas Gerais, Pernambuco e Paraná. 

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