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Descrição de chapéu Coronavírus

Frio agrava riscos para moradores de rua do Sul na pandemia

Curitiba teve em seus abrigos o maior índice de acolhimento em um ano na primeira semana do mês

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Porto Alegre e Curitiba

Um rosto coberto de barba branca se aproxima para olhar para o interior do carro que estaciona. Quando a porta abre, o homem pergunta para o passageiro: "Tem rango?"

Ele é uma das mais de cem pessoas que esperam a chegada de marmitas e agasalhos levados por voluntários nas noites do inverno de Porto Alegre. Depois de uma breve trégua, o frio retorna ao Rio Grande do Sul neste fim de semana, com previsão de geada.

Sob uma marquise no centro da capital gaúcha, em fila, dezenas esperam no frio, à noite, para receber essas refeições e doações.

No início do mês, Além de marmitas, muitos recebiam pedidos específicos que foram feitos na semana anterior. A maioria usava máscara para se proteger do coronavírus.

Integrantes do projeto "Valentes de Davi" auxiliam moradores de rua no inverno gaúcho, em Porto Alegre - Marcos Nagelstein/Folhapress

"Chegou álcool em gel?", um homem pergunta. "Eles me dizem 'preciso de tênis tamanho 42'. Eu posto nas redes e a doação vem. Coloco uma etiqueta com o nome da pessoa para entregar na semana seguinte", relata a empresária Mariana de Araújo, 42.

Segundo a voluntária, não são apenas pessoas em situação de rua que estão ali. Por causa da crise e da pandemia, há muitos desempregados. "Esses dias recebi pedido por uniforme de garçom", diz.

Debaixo de um viaduto em frente à rodoviária, outro grupo de voluntários distribui cobertores e comida. "Me ajuda a chamar o pessoal?", pede Eduardo Flores, 34, a um morador de rua. Flores lidera o projeto Valentes de Davi, que atua nas periferias de Porto Alegre e mantém alojamentos para quem queira sair das ruas. Tudo é custeado com doações de voluntários.

Flores já viveu na rua. "Passei muito tempo neste viaduto. Até hoje, não sei responder o que é pior: o frio ou a fome", diz ele, que foi morara nas ruas depois de crescer em um abrigo para menores de idade e as deixou em 2013.

Saltitante, uma cadela vira-latas de cor caramelo se aproxima. "É minha", diz Manuela da Rosa, 33, que estava na fila da marmita. Ela recolhe recicláveis e passa a noite numa pensão. "É como dormir na rua, muito frio", diz.

A amiga Kelly Danielle de Souza, 33, concorda. "Choveu dentro do quarto como se fosse na rua, minhas cobertas estão molhadas", . Os companheiros de ambas estão presos. "O meu está no semiaberto", diz Manuela. "Meu marido está no Presídio Central. Não quero que pense que esqueci dele. Não esqueci", diz Kelly.

Depois de comer, os irmãos Magda Cristina, 55, e Vilson da Silva, 54, caminham uma hora até a Vila dos Papeleiros, onde moram.

"Não é longe", diz Magda. "O problema é que não tem mais nada de material reciclável na rua, desapareceu", diz Silva.

A Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) da prefeitura informa que disponibiliza 495 vagas de abrigo e tem capacidade para mais de 200 atendimentos de higienização e alimentação por dia, além de servir 700 refeições diariamente na cidade.

Capital mais fria do país, Curitiba teve em seus abrigos o maior índice de acolhimento em um ano na primeira semana do mês, quando foram registradas temperaturas próximas de 0 °C. A última semana, porém, foi de temperaturas amenas. Cerca de 800 pessoas foram atendidas no início do mês, mais do que o dobro de dias normais.

A intensificação da abordagem de pessoas em situação de rua ocorre sempre que a temperatura fica abaixo de 9 °C na capital paranaense. A prefeitura criou 270 novas vagas de acolhimento durante a pandemia, 120 delas em abrigos emergenciais, para pessoas com suspeita de Covid-19 ou em grupos de risco, e 150 em um hotel social.

Também houve ampliação do número de unidades com atendimento 24 horas. Para expandir o serviço, foram contratados 48 educadores sociais e 120 cuidadores.

Entre os que passam frio no inverno, há quem tenha "casa". Mas os barracos das periferias são tão precários, diz Eduardo Flores, que mal protegem.

Como a maior parte das doações para a Campanha do Agasalho costuma ser para adultos, a primeira-dama de Porto Alegre, Tainá Vidal lançou uma campanha para doação de roupas infantis de inverno.

"Dois meninos estavam sentados. O menor, muito agarradinho no mais velho. Eu disse: 'Que coisa boa, ele é apaixonado por ti'", conta Vidal. "Mas daí vi o chinelo, a roupa fininha, a manga dobrada na mão para esquentar. Era frio. Dá vontade de chorar.", conta ela.

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