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Descrição de chapéu aniversário de São Paulo

Sem pedra e cal, arquitetura colonial dos bandeirantes desapareceu de São Paulo

Técnicas construtivas que dispensavam alvenaria e desenvolvimento imobiliário acelerado deixaram poucas marcas do passado

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São Paulo

Em comparação com capitais do Nordeste e cidades do interior de Minas Gerais, São Paulo e toda área do Planalto Paulista exibem um modesto passado colonial. Do patrimônio arquitetônico civil, quase tudo desapareceu ou foi reconstruído e há pouca expectativa de se encontrar algo com interesse arqueológico com mais de 400 anos na atual região metropolitana.

Esses vestígios materiais da primeira ocupação europeia foram atropelados pelo desenvolvimento urbano e pela expansão imobiliária e simplesmente sumiram.

Na zona rural de Santana de Parnaíba (cidade da Grande São Paulo), escala obrigatória das incursões bandeiristas lançadas na Vila de Piratininga, porém, resistem raras ruínas desse período remoto, as últimas descobertas no estado. Em meio a um loteamento de chácaras, no bairro Sítio do Morro, foram encontrados os restos de uma autêntica construção dos tempos dos bandeirantes.

Parede original em taipa de pilão na casa bandeirista onde funciona o Museu Anhanguera, no centro de Santana de Parnaíba, na região metropolitana de São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

Duas paredes escarpadas de pedras, com cinco metros de largura por quatro de altura, compõem uma estrutura encravada no meio da mata construída com alvenaria de pedra e barro. É uma edificação misteriosa, que os velhos habitantes da região diziam ser uma senzala.

Na verdade, descobriu-se que era um moinho de trigo, cereal plantado em São Paulo no século 17. Existiam grandes plantações nas margens do rio Tietê que atendiam principalmente a demanda pela farinha em outras partes da colônia. Documentos analisados pelo historiador Francisco Andrade, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), revelam que o moinho hidráulico funcionou a partir de 1620 e é mencionado no espólio do dono das terras da região, Antonio Furtado de Vasconcellos, que morreu em 1628.

As ruínas foram reconhecidas como sítio arqueológico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2013, quando o arquiteto Victor Hugo Mori era superintendente do órgão no estado.

Segundo ele, trata-se de algo raro, da única construção colonial não religiosa feita com pedras numa vasta região que se manteve parcialmente de pé e está identificada. Segundo ele, existiam vários moinhos de porte parecido em São Paulo, inclusive dois deles às margens do rio Anhangabaú. Fazendas de trigo chegavam a ter centenas de escravos indígenas e sua produção era exportada.

"É uma estrutura sofisticada, construída com a parede inclinada, em que a base é mais larga do que o teto, com técnicas que nunca foram vistas na região", afirma o arqueólogo Clayton Galdino, que trabalha para Secretaria de Meio Ambiente de Santana de Parnaíba. "Há também uma clara influência da arquitetura militar que se percebe na colocação de seteiras nas muralhas." As seteiras são aquelas pequenas frestas para arremessar flechas contra os inimigos.

Victor Mori conta que diferentemente do que acontecia na Baixada Santista, em São Paulo foram utilizadas menos pedras em paredes de construções. "O nosso maior problema era a falta de cal, mais do que a de pedra", afirma o arquiteto. "Isso restringiu as construções de alvenaria."

No Planalto Paulista, primeira área de ação bandeirista, se utilizava nas maiores edificações, segundo ele, a taipa de pilão, técnica milenar que consiste em compactar a terra por meio de formas de madeira. Ou o pau a pique usado nas construções menores.

O moinho de Santana de Parnaíba, localidade que fez parte de São Paulo até 1625, é uma pequena joia arqueológica e uma exceção em pedra na paisagem colonial de uma vasta região. Agora a prefeitura está querendo melhorar a infraestrutura de acesso, a informação disponível e permitir visitas guiadas no local.

De um modo geral, os bandeirantes não deixaram construções e monumentos na cidade e nas suas imediações. Não há, por exemplo, um único prédio público colonial em São Paulo. O que resta são 20 ou 30 imóveis conservados, abandonados ou simplesmente em ruínas com ao menos uma parede preservada de taipa de pilão, que se tornou um grande traço distintivo da arquitetura colonial paulista.

Um desses lugares com só uma parede original é o Pateo do Collegio, lugar de fundação da vila pelos jesuítas, prédio que foi completamente reconstruído. O Solar da Marquesa de Santos, imóvel da segunda metade do século 18 onde Domitila de Castro morou, ainda preserva algumas estruturas originais.

Outras construções de taipa de pilão são as chamadas casas bandeiristas, cerca de uma dezena de casarões que resistiram à ação do tempo, todos distantes do centro da cidade, alguns em ruínas, como o do Sítio Mirim, em São Miguel Paulista, na zona leste.

Hoje, historiadores da arquitetura, como Mori, consideram que boa parte delas possa ter sido sede de fazendas de trigo.

A primeira a ser identificada pelo escritor Mario de Andrade, idealizador do Iphan, junto com seu discípulo, o arquiteto Luis Saia, foi a do Sitio Santo Antônio, em São Roque (a 66 km de São Paulo, obra de 1691). Há também igrejas e capelas em São Paulo que preservam elementos coloniais, mas nada comparável ao que se vê em outras partes do país.

Durante 300 anos, instalada em um crescente fértil alagado pelos rios Tietê e Tamanduateí, São Paulo foi uma vila acanhada cheia de gente truculenta, especializada em escravizar indígenas e explorar o interior de maneira violenta. No final do século 18 tinha 8.000 habitantes, a maioria morando em casas de pau a pique.

Os paulistas mais abastados viviam em casas de taipa de pilão. As pedras eram difíceis de encontrar no planalto e bastante caras porque vinham de lugares distantes. Os sobrados costumavam ter a parte baixa de taipa de pilão e a de cima de pau a pique ou adobe. No caso do moinho de Santana de Parnaíba as pedras foram usadas porque havia um entorno pedregoso.

Para a arquiteta Maria Lucia Bressan Pinheiro, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da USP, a falta de pedras pode ter sido uma limitação construtiva nos primeiros séculos de existência de São Paulo, principalmente pelos custos mais altos que os da taipa de pilão, mas, para ela, essa não é a questão que explica a ausência de um patrimônio histórico colonial mais robusto.

Para ela, o fator decisivo foi o fato de a cidade ser pequena e muito pobre naquele tempo, gerando pouca riqueza e erguendo um número limitado de obras de porte, feitas para durar. Não tinha, portanto, muito o que mostrar.

Além disso, o que se construiu na colônia começou a desaparecer do mapa urbano já na primeira metade do século 19, depois da Independência, na medida em que o ciclo do café trouxe uma rápida prosperidade para São Paulo e se manifestou simbolicamente na paisagem urbana.

"A partir daí houve uma demolição enorme. Havia uma vontade de realmente eliminar aquele passado colonial vergonhoso, rústico, indigno da riqueza e da modernização que São Paulo estava experimentando", diz Maria Lúcia. "Não havia apreço por aquele período."

Uma nova perspectiva sobre o período colonial paulista, que exaltava a ação bandeirante e tentava identificar um viés heroico para a criação do país, com o objetivo de fortalecer a identidade nacional, só se consolidaria a partir de 1937, com a fundação do Iphan e o trabalho dedicado de Mario de Andrade e Luis Saia. Nessa altura, porém, restava pouco para se preservar da arquitetura original, que sucumbiu à eventual precariedade e à falta de valor artístico e bom gosto pelos critérios europeus.

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