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STF mantém regra da Anvisa que proíbe cigarro com sabor

Indústrias ainda podem entrar com ações para obter liminares favoráveis à venda

 
 

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Brasília

O STF (Supremo Tribunal Federal) manteve nesta quinta (1º) a regra da Anvisa que proíbe a comercialização de cigarros com sabor no país.

No entanto, o julgamento deixou uma brecha para que a indústria do fumo possa entrar com ações nos tribunais dos Estados. Isso porque a decisão não tem caráter vinculante —ou seja, as empresas podem tentar obter a permissão de venda por meio de ações em outras instâncias.

O servidor público Júlio Tiraboschi, que fuma cigarro mentolado, caminha pela avenida Paulista, em São Paulo (SP) - Marcelo Justo/Folhapress

O julgamento ficou empatado em 5 a 5 —a favor e contra a norma da Anvisa— porque o ministro Luís Roberto Barroso se declarou impedido e não participou das discussões. Para alterar ou derrubar a regra da Anvisa era necessário ter ao menos 6 votos.

O desfecho se dá quase seis anos depois de a Anvisa ter aprovado uma resolução que suspendia o uso dos chamados "aditivos" em cigarros, substâncias que visam recuperar ou realçar o aroma e o sabor desses produtos.

A regra, porém, nem chegou a entrar em vigor. Um dia antes de começar a valer, em 2013, uma liminar da ministra Rosa Weber suspendeu a eficácia da norma até que o caso fosse julgado pelo STF.

A ação partiu da CNI (Confederação Nacional da Indústria), que questionava a constitucionalidade da resolução, argumentando que caberia ao Congresso decidir sobre o tema, e não à Anvisa.

Já a agência alega que a proibição era necessária e que o uso de aditivos estimulava a iniciação de jovens ao fumo, além de potencializar a ação de nicotina.

O julgamento chegou a ser iniciado em 9 de novembro de 2017, mas foi suspenso por causa do horário.

Enquanto isso, a indústria do tabaco expandiu seus produtos. Entre 2012 e 2016, o número de marcas de cigarros com sabor, como mentolados e de cravo, cresceu 1.900%.

VOTAÇÃO

Relatora do caso, a ministra Rosa Weber defendeu que a norma feita pela Anvisa que restringiu o uso de aditivos é constitucional. "Por se tratar de produto que representa riscos à saúde pública, o cigarro está submetido a regime especial de controle pela Anvisa", afirmou.

Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Cármen Lúcia seguiram o entendimento de Rosa.

No entanto, a outra metade dos magistrados entendeu que a norma da Anvisa é inconstitucional.

Eles seguiram a divergência aberta por Alexandre de Moraes e concordaram que a Anvisa não tem competência legal para impor a restrição à indústria.

Votaram com Moraes os colegas Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio.

Luís Roberto Barroso se declarou impedido e não participou do julgamento.

EXTRAPOLAÇÃO

Para Alexandre de Moraes, a Anvisa "extrapolou" seu papel ao elaborar a resolução que veda o uso de aditivos. Segundo ele, isso ocorre por não comprovar que havia um risco "iminente" à saúde, como prevê a legislação.

"A delegação dada pela lei à agência não é um cheque em branco para que possa agir como bem entender", afirmou.

Ele disse ainda que, com a norma, a agência não restringiu o acesso ao produto por menores de idade, mas "suprimiu a liberdade dos adultos".

Ele votou pela inconstitucionalidade dos trechos da norma que citam os aditivos, mas reconheceu a legalidade de outros, como os que determinam os percentuais de nicotina e alcatrão, por exemplo.

Toffoli, por sua vez, comparou o tabaco ao álcool e açúcar, outras substâncias nocivas à saúde, mas cujo consumo é permitido no país. As proibições que foram colocadas, penso que são exemplares, afirmou.

Para Toffoli, o argumento de que os aditivos deixam o cigarro mais atrativo aos jovens não justifica o banimento dessas substâncias. "Em relação aos adolescentes, é vedado vender o produto. Se existe adolescente consumindo, está contra a lei", diz.

"É importante lembrar: goste ou não, o tabaco é constitucionalizado", disse Toffoli. A Constituição, ressaltou, diz que o tabaco é lícito. O artigo 220 da Constituição determina: A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais (...) conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

SUBSTÂNCIAS PROIBIDAS

De acordo com Rosa, há "inequívoca autorização legislativa" para a decisão da agência de proibir o uso de substâncias que aumentam a atratividade do cigarro.

"É fato que não existem níveis seguros para consumo de produtos fumígenos derivados do tabaco. O uso normal e regular é em si mesmo nocivo à saúde", disse.

"A competência da Anvisa para regulamentar os produtos que envolvem risco à saúde, necessariamente incluem a competência para definir, por meio de critérios técnicos e de segurança, os ingredientes que podem ou não podem ser utilizados na fabricação de tais produtos", acrescentou.

Ela também discordou com o argumento da indústria que a norma acaba por inviabilizar a maior parte dos tipos de cigarro.

A resolução impugnada tem por objeto a proibição de adição artificial de substâncias que visem conferir determinado aroma ou sabor ao cigarro, nada restringindo ou proibindo em relação a qualquer substância, aroma ou sabor naturalmente presentes no tabaco, completou.

SAÚDE EM XEQUE

Para entidades como Anvisa, Inca (Instituto Nacional de Câncer) e ACT (antiga Aliança de Controle do Tabagismo), a necessidade de proibir os aditivos é baseada no apelo que eles podem conferir aos cigarros.

Isso porque os aditivos ajudam a mascarar o sabor amargo do tabaco e a aliviar a irritação das vias aéreas. Com isso, apontam, haveria risco de atrair mais adolescentes ao consumo.

Dados do estudo Erica (Estudo de Riscos Cardiovasculares), de 2016, mostram que ao menos 18,5% dos estudantes brasileiros de 12 a 17 anos já experimentaram cigarro.

"Tais aditivos têm tão somente a função de mascarar sabores, odores e sensações ruins em cigarros e outros produtos fumígenos, com o objetivo de fazer com que os usuários utilizem cada vez mais estes produtos", informa a agência, em nota.

Mesma posição foi defendida pela advogada-geral da união, Grace Mendonça, na primeira sessão do julgamento. Segundo ela, a indústria utiliza essas substâncias para atrair novos consumidores: "A indústria acaba tendo que se renovar, e a iniciação por meio dos aditivos facilita essa renovação de novos fumantes, em especial crianças e adolescentes".

Do outro lado da disputa, a CNI e empresas afirmam que a proibição ocorreu de forma "genérica" e que a possibilidade de "risco iminente à saúde" diante do consumo, requisito exigido em outras leis que normatizam a suspensão dos produtos, não foi comprovada. Neste caso, dizem, caberia ao Congresso avaliar o tema.

"A ação não discute saúde pública, mas o princípio da separação dos poderes", afirmou na primeira etapa do julgamento o advogado da CNI, Alexandre Vitorino da Silva.

Para ele, a resolução afeta não apenas os ingredientes que atribuem sabores característicos, mas também outros utilizados na composição do cigarro. "A RDC 14 não atingiu apenas 3% das nossas marcas, mas nada menos que 90%", diz. O que a agência pretendeu foi implementar uma política radical antitabagista por meio de resolução", disse.

Mendonça, por sua vez, negou essa intenção. A resolução da Anvisa foi editada ouvindo a sociedade civil. Mais de 450 participantes efetivamente concordaram que o que se proíbe não é a fabricação do cigarro, mas as substâncias que alteram o sabor, afirmou.

Além disso, a advogada-geral salientou que o Estado brasileiro gasta anualmente R$ 57 bilhões com o tabagismo, sendo R$ 39,4 bilhões com o tratamento de doenças relacionadas e outros R$ 17,5 bilhões de custos indiretos relacionados à perda de produtividade, incapacitação de trabalhadores e mortes prematuras.

A tentativa de proibição dos aditivos, porém, não é restrita ao Brasil.

Segundo a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), além do país, considerado o 1o a tentar adotar medidas do gênero, ao menos outros 33 países baniram produtos de tabaco com flavorizantes.

"Retroceder nessa medida pode atrapalhar a bem-sucedida trajetória brasileira na redução do número de pessoas que fumam", informou em nota no início deste ano.


Cigarro no Tribunal

STF retoma julgamento de ação que avalia possível veto ou aval a cigarros com sabor

O QUE ESTÁ EM JOGO

STF julga ação da Confederação Nacional da Indústria que questiona competência da Anvisa em regular mercado e visa derrubar resolução da agência, elaborada em 2012 e hoje suspensa, que proíbe cigarros com sabor

O QUE SÃO OS ADITIVOS

Cada cigarro tem mais do que apenas fumo, papel e filtro. Substâncias naturais e artificiais são incluídas no tabaco durante a produção e podem dar sabor ao produto

TIPOS DE ADITIVOS

Resolução da Anvisa de 2012 proibiu o uso dos seguintes aditivos na produção de cigarros no país:

  • substâncias com propriedades flavorizantes ou aromatizantes;
  • substâncias com propriedades nutricionais;
  • substâncias com propriedades estimulantes ou revigorantes;
  • temperos, ervas, especiarias, frutas, vegetais, adoçantes, edulcorantes, mel, melado;
  • ameliorantes (que reduzem a irritabilidade da fumaça);
  • amônia e seus derivados

20% dos cigarros vendidos no mercado divulgam na embalagem que contém aditivos de sabores como baunilha, cereja, canela ou mentol

18,5% dos adolescentes brasileiros entre 12 a 17 anos já fumaram ao menos uma vez

  • Aditivos são usados em quantidades pequenas e servem como assinatura das marcas, sem função de criar um sabor característico ao cigarro (exceto os mentolados e de cravo, por exemplo)
  • Proibição veta também aditivos usados para recompor sabores e aromas naturais do fumo, os quais sofrem variação dependendo da qualidade do tabaco usado
  • Anvisa não teria competência para aprovar, regulamentar e proibir o uso de aditivos em cigarros; avaliação caberia ao Congresso
  • Muitas famílias, principalmente no Sul do país, dependem do cigarro para sobreviver; medida poderia aumentar índice de desemprego de família fumicultoras

O QUE DIZEM OS ANTITABAGISTAS

  • Cigarros com sabor mascaram o gosto ruim do tabaco e facilitam a iniciação ao fumo entre jovens. Aditivos também potencializam a ação da nicotina
  • Algumas marcas não utilizam aditivos. Isso mostra que o veto não inviabilizaria a fabricação. Além do mentol e cravo, banimento de todos adtivios é importante, pois a indústria pode simular sabores
  • Somente a Anvisa tem a competência para aprovar, regulamentar e fiscalizar produtos que podem trazer riscos à saúde, como é o caso do cigarro e dos aditivos
  • Brasil é um dos países que mais produzem e exportam folhas de fumo, e maior parte da produção vai para exportação; logo, mercado não seria afetado

Histórico

12.mar.2012

Anvisa aprova resolução que proíbe o uso de aditivos, como mentol e cravo, em cigarros

Nov.2012

CNI (Confederação Nacional da Indústria) entra com ação no STF que questiona norma da Anvisa que proibiu uso de aditivos

27.ago.2013

Agência atende a pedido da indústria e libera o uso de 121 substâncias para uso excepcional pelo prazo de um ano

13.set.2013

Decisão da ministra Rosa Weber suspende proibição do uso de aditivos em cigarros e ocorre na mesma data em que entraria em vigor resolução da Anvisa

19.dez.2013

Anvisa cria grupo de trabalho para avaliar lista de aditivos com uso autorizado temporariamente

23.set.2014

Após avaliação de especialistas, Anvisa revoga documento que autorizou o uso dos 121 aditivos em cigarros

9.nov.2017

STF inicia julgamento da ação, mas sessão é suspensa devido ao horário

1.fev.2018

Julgamento é retomado pelo STF

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