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Descrição de chapéu The New York Times

Surfe vive corrida tecnológica em busca de piscinas de ondas perfeitas

Nos últimos anos, projetos e testes mostraram que sonho pode ser realizado

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Jared Whitlock
The New York Times

Um surfista sobre uma onda de 1,5 metro de altura, agachado e agarrando a borda da prancha, emergiu por trás de uma crista na água, aplaudido pelos espectadores.

E a quem ele deveria agradecer por aquela onda perfeita? Tom Lochtefeld, que estava parado à beira da água –e a 160 quilômetros do oceano.

Em um parque aquático fechado, na paisagem desértica do vale de Coachella, no sul da Califórnia, Lochtefeld transformou uma piscina em um ponto de surfe. Há décadas, inventores como Lochtefeld vêm batalhando para imitar em piscinas e tanques o movimento das ondas no mar. Nos últimos anos, projetos comerciais e piscinas de teste provaram que o sonho pode ser realizado.

Agora, uma corrida mundial de expansão está em curso, propelida pela demanda dos surfistas interessados em pegar ondas projetadas de acordo com suas necessidades específicas, e por principiantes que vivem em áreas distantes do mar e querem experimentar o esporte em ondas mais suaves e mais controladas.

Pelo menos meia dúzia de empresas estão projetando piscinas de ondas e alardeando suas tecnologias como as mais avançadas, ainda que alguns surfistas resmunguem e continuem a afirmar que só o mar produz ondas reais.

“A onda perfeita pode ser produzida, mas se não for possível leva-la às pessoas, qual é a vantagem?”, questionou Lochtefeld, talvez mais conhecido como pioneiro do FlowRider, um dos primeiros esforços de simulação da experiência do surfe, que está disponível em alguns navios de cruzeiro e parques aquáticos.

Desde então, surgiram concorrentes, entre os quais uma lenda do surfe e a Wavegarden, uma empresa prolífica, em um negócio no qual o custo de projetar e construir um parque de surfe pode variar entre US$ 10 milhões (cerca de R$ 55 milhões) e US$ 30 milhões (R$ 167 milhões).

Lochtefeld quer reafirmar seu status como o homem de vanguarda nas ondas artificiais. Sua odisseia começou em 1987, quando ele estava surfando ondas baixas em Big Rock, San Diego. Àquela altura, ele já tinha passado por diversas profissões. Advogado tributarista. Especulador imobiliário. Fundador do Raging Waters, um parque aquático temático dotado de uma máquina de ondas, ainda que para nadadores, e não surfistas.

Mas quando estava surfando naquele dia, ele percebeu que seria possível criar uma onda disparando água sobre uma superfície curva. Lochtefeld e amigos –com ajuda do laboratório de hidráulica da Scripps Institution of Oceanography– construíram uma máquina que esculpe milhares de litros de água por minuto em forma de uma onda estacionária, capaz de propiciar uma experiência próxima à do surfe.

Assim nasceu o FlowRider, e centenas dessas máquinas foram vendidas. Os clientes de uma versão maior, o FlowBarrel, incluem o príncipe herdeiro de Abu Dhabi. Mas as ondas criadas dessa forma não são surfadas com uma prancha de surfe. Os usuários utilizam uma prancha menor, mais parecida com uma skimboard.

Para Lochtefeld, ondas mais próximas às reais continuavam a ser um chamado. Ele queria que mais pessoas pudessem viver a experiência do surfe. Para financiar aquilo que veio a se tornar uma obsessão, Lochtefeld, em 2014, vendeu a empresa que produz o FlowRider e, três anos mais tarde, sua casa de frente para o mar, em San Diego.

“Quando eu tenho uma visão, meu foco fica dirigido a ela por muito tempo”, disse Lochtefeld, 68. Deixando de lado seu jeito pausado de falar, ele acrescenta que sua mulher, com quem ele é casado há 38 anos, sempre demonstrou “extrema paciência”.

No parque aquático fechado, em meio a escorregadores coloridos e um “lazy river" (que simula um rio lento) desativado, a piscina de Lochtefeld será expandida para permitir percursos mais longos, dos sete segundos atuais para até 15 segundos. A atração é a peça central de um resort planejado, o Palm Springs Surf Club, que deve ser inaugurado no ano que vem. Esse é um dos quatro parques de surfe em desenvolvimento no vale de Coachella.

Os empreendedores envolvidos apostam na proximidade da região com áreas costeiras onde o surfe é popular. Também esperam que a crise do coronavírus, que desacelerou o desenvolvimento em alguns casos, termine por liberar a demanda reprimida pelo turismo de surfe.

As ondas no parque de Lochtefeld são criadas por meio de uma combinação de supercomputadores – capazes de 10 trilhões de cálculos por segundo–, câmaras metálicas e jatos de ar. Alguns concorrentes adotam outros métodos, como usar cascos submersos arrastados por sobre trilhos ou painéis sincronizados para a geração de ondas.

Com o teste oferecido pela piscina, a SurfLoch, a empresa de Lochtefeld, já obteve contratos para criar ondas em oito outros projetos imobiliários, entre os quais um na Austrália e um na Espanha. A empresa concluiu recentemente a montagem de um parque aquático privado no Connecticut.

O negócio dos parques de surfe depende de volume. Quanto mais ondas em um parque, adaptadas às necessidades tanto de iniciantes quanto de especialistas, mais surfistas pagantes devem aparecer.

E Lochtefeld está enfrentando um gigante do surf. Kelly Slater, 11 vezes campeão mundial, também está tentando se posicionar no mercado de piscinas dotadas de máquinas de ondas.

No final de 2015, Slater lançou o Surf Ranch, uma piscina de ondas propelidas por hidrofólios submersos.

As ondas de 45 segundos de intermitência, ainda vistas por observadores como as melhores e mais caras do mercado, permitem manobras radicais e cortes abruptos. A máquina foi usada para treinos por surfistas profissionais, e o Surf Ranch sediou um torneio da World Surf League (Liga Mundial de Surfe); o espaço também foi alugado para organizações privadas.

A World Surf League Holdings, companhia que controla a Kelly Slater Wave Co., está planejando construir novas piscinas no vale de Coachella e na Austrália, de acordo com reportagens.

Outro forte concorrente é a Wavegarden, uma companhia espanhola que já criou cinco parques de ondas, dois dos quais estão com as operações suspensas por conta da pandemia. A Wavegarden tem cinco novos parques em construção, e a empresa tem 35 outros projetos em desenvolvimento.

Antes que a pandemia fechasse temporariamente o parque, o Urbnsurf, um projeto da Wavegarden em Melbourne, produzia centenas de ondas por hora, de água branca para principiantes –cerca de US$ 50 (R$ 278) por hora– a ondas densas e com tubos para surfistas avançados –US$ 93 (R$ 518) por hora.

Sean Young, diretor de desenvolvimento de projetos na Wavegarden, disse que os parques de surfe autônomos da empresa são economicamente viáveis, mas que que um modelo mais lucrativo envolveria parcerias com projetos imobiliários.

Mas problemas de engenharia continuam a prejudicar alguns dos projetos iniciais, e estouros de custos e a dificuldade de obter licenças podem resultar no fracasso de alguns planos.

Há debate entre os surfistas sobre os méritos do boom de ondas artificiais. Os torneios de surfe terminarão superlotados de atletas treinados nos parques? E os parques de surfe não representariam uma mercantilização sem alma daquilo que a natureza oferece gratuitamente?

Os críticos também apontam para os efeitos dos imensos parques sobre o meio ambiente. Os operadores afirmam que levam a sério as questões ambientais, e em alguns casos usam fontes renováveis de energia para acionar suas operações e adotam medidas de economia de água e para não esgotar as fontes.

Em um esforço de sustentabilidade, Lochtefeld está experimentando usar fotovoltaicos –uma fonte de energia solar– e outras tecnologias. Ele disse também que está trabalhando em novas formas de onda, em meio a “infinitas permutações”, agora que ele conseguiu desenvolver mais a tecnologia.

Para mim, que sou um surfista médio, a piscina de Lochtefeld trouxe sensação parecida à de surfar no mar: o “drop” e a sensação de não ter peso, e o esforço por encontrar equilíbrio por sobre uma força cinética efêmera.

Lochtefeld criou ondas com variabilidade, que quebram da direita para a esquerda e vice-versa. Mas a sensação é surreal quando a chegada de uma delas é sinalizada pelo rugido de engrenagens, e não por uma crista distante no horizonte.

Recebido com agrado ou medo, o crescimento dos parques de surfe, prometido há muito tempo, parece enfim estar se concretizando.

Tradução de Paulo Migliacci

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