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Sem Trump e com Biden, o que deve mudar na visita de atletas à Casa Branca

Será que as equipes campeãs ou os jogadores conservadores começarão a recusar convites?

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Kurt Streeter
The New York Times

Tensão e temor eram perceptíveis naquela tarde ensolarada quatro anos atrás, no Rose Garden da Casa Branca. Era uma sensação perceptível, para mim e para todos os demais presentes: o sentimento de celebração combinado a uma preocupação corrosiva quanto ao futuro.

Lá estava LeBron James, principesco em seu terno formal e ao mesmo tempo ostentando um sorriso que parecia forçado, em companhia dos demais membros de seu time, o Cleveland Cavaliers, campeão da NBA. Diante deles, o presidente Barack Obama estava no comando da festa, reconhecendo as realizações do time e brincando para tornar o clima mais leve.

“Vamos aplaudir o Cleveland Cavaliers, campeão mundial”, disse Obama, destacando que a vitória dos Cavaliers sobre o Golden State Warriors havia dado o primeiro grande título esportivo à cidade de Cleveland desde 1964. “Pois é. Eu usei a palavra Cleveland e a expressão ‘campeão mundial’ na mesma frase. É disso que estamos falando quando falamos de esperança e de mudar."

Barack Obama e Joe Biden recebem o Cleveland Cavaliers em 2016 - Kevin Lamarque - 10.nov.16/Reuters

Tudo parecia surreal. Naquela manhã, Obama tinha recebido Trump na Casa Branca para um briefing curto. Testemunhar o presidente deixando de lado a seriedade do momento precedente para comemorar com James e os Cavaliers era como vê-lo se banhando em um bálsamo regenerativo.

E o momento não causou surpresa. O elo entre Obama e os atletas, especialmente os atletas negros, que formavam a maioria do elenco do Cavaliers, foi um dos marcos de sua presidência.

Mas a ocasião representava mais do que isso. A conexão entre presidentes e atletas sempre foi confortável, definida por uma descontração gerada pelo fato de que não costumava haver grande coisa em jogo nesses encontros. E nada capturava melhor esse relacionamento do que as cerimônias no Rose Garden, realizadas regularmente para homenagear as equipes vitoriosas em uma ampla variedade de esportes.

É fato que todos esses momentos são eventos de propaganda. Mas eles também detinham um significado. Por décadas, ofereceram a oportunidade para que pessoas de todos os matizes políticos se unissem em torno de homenagear o sucesso e celebrar a história e o poder da presidência.

Mas em 2016, a facilidade desse tipo de visita já havia se complicado, mesmo para Obama. E, além disso, Trump estava no horizonte. Ele já tinha começado a comprar brigas com atletas, o que gerou uma situação complicada para Colin Kaepernick, então quarterback do San Francisco 49ers, que havia começado pouco antes seus protestos contra a brutalidade policial e os maus tratos aos cidadãos negros, passando a se ajoelhar durante a execução do hino dos Estados Unidos que é tradição antes dos jogos de futebol americano.

Quando vi Obama e o vice-presidente Joe Biden se despedindo dos Cavaliers, senti que aquela comunhão simples entre atletas e a presidência estava a ponto de mudar de uma maneira que poderia se provar inalterável.

A primeira visita de equipes esportivas à Casa Branca aconteceu em 1865, quando o presidente Andrew Johnson recebeu o Washington Nationals e o Brooklyn Atlantics, dois times de beisebol. Mas foi só quando Ronald Reagan assumiu, em 1981, que receber os campeões de diversas modalidades no Rose Garden da Casa Branca se tornou rotina.

No entanto, o tempo passou, novos presidentes assumiram o posto, e a crescente divisão política existente no país começou a se fazer sentir.

O golfista Tom Lehman recusou um convite do presidente Bill Clinton, a quem ele chamou de “desertor das forças armadas e assassino de bebês”. Em 2012, Matt Birk, jogador de defesa do Baltimore Ravens e ativista na oposição ao direito de aborto, se recusou a acompanhar seu time em uma visita a Obama na Casa Branca.

No mesmo ano, Tim Thomas, goleiro do Boston Bruins, do hóquei no gelo, e ardente partidário do Tea Party, conservador, se recusou a acompanhar seu time, ganhador da Stanley Cup (o título do hóquei), em sua visita ao Rose Garden.

Mas um time inteiro recusar o convite de visitar a Casa Branca?

Sim. A raiva causada pelas políticas e retórica do presidente estimulou o ativismo dos atletas, e nenhum vencedor do título da NBA visitou Trump nos quatro últimos anos.

Em 2017, depois que o Warriors conquistou o título e a Casa Branca começou a negociar uma visita, Stephen Curry declarou que não compareceria, o que levou o presidente a latir, no Twitter: “Ir à Casa Branca é considerado uma grande honra para um time campeão. Stephen Curry está hesitando. Convite retirado”.

James não demorou a tuitar em resposta, chamando o presidente de “vagabundo” e acrescentando que “ir à Casa Branca era uma grande honra até que você apareceu lá!”.

Já se passaram quatro anos desde aquele dia de tensão e temor na Casa Branca. Será que James, tendo liderado o Los Angeles Lakers na conquista do título de 2020, voltará com sua nova equipe para visitar o presidente Biden? Pode apostar que sim.

O Seattle Storm, da WNBA, a liga feminina de basquete profissional dos Estados Unidos, que venceu o título deste ano e declarou apoio à candidatura de Biden, deve fazer o mesmo, e isso se aplica igualmente a times que não declararam apoio a um candidato e preferiram concentrar seus esforços em estimular o registro de eleitores e seu comparecimento às urnas.

Mas com algumas porções do país argumentando, sem qualquer prova, que a eleição da semana passada foi roubada, será que as equipes campeãs ou os jogadores conservadores em termos políticos começarão a recusar convites para visitar a Casa Branca de Biden? Não é difícil imaginar que isso aconteça.

É impossível dizer o que acontecerá em futuras presidências, e com futuras gerações de atletas. Por enquanto, lastimavelmente, podemos presumir que a celebração de títulos em recepções no Rose Garden, no passado uma oportunidade para deixar de lado as diferenças e comemorar a grandeza unidos, avançará rumo ao futuro cambaleando, alquebrada e repleta de cicatrizes, como os Estados Unidos.

Tradução de Paulo Migliacci

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