'Se Meu Apartamento Falasse' segue agudo na crítica do poder

Crédito: Divulgação Jack Lemmon e Shirley MacLaine no filme "Se Meu Apartamento Falasse" (1960), de Billy Wilder

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"Se Meu Apartamento Falasse" foi lançado em 1960 como uma comédia romântica dramática, um combinado de temas ousados com temperos leves. A ironia elegante, marca da assinatura de Billy Wilder, justifica os cinco Oscars conquistados pela produção, incluindo os de filme, direção e roteiro original.

Na trama sobre encontros e desencontros de executivos e suas amantes no apartamento de um modesto burocrata de uma empresa de seguros, Wilder e o corroteirista I.A.L. Diamond aproveitavam os ventos liberais da década nascente para retomar o tema do adultério, que o diretor havia explorado cinco anos antes em "O Pecado Mora ao Lado".

O olhar estrangeiro de Wilder, um dos muitos exilados europeus que emprestaram sofisticação ao classicismo hollywoodiano, exibia sem pudores as contradições de uma sociedade regida por puritanismo moral e movida por liberalismo econômico.

Se em "O Pecado Mora ao Lado" o adultério ainda era um parêntese na vida do homem casado, em "Se Meu Apartamento Falasse" a atividade sexual incessante não é apenas exceção.

Esse teor pode ter ficado datado, mas o filme preservou sua agudez ao registrar as relações de exploração no ambiente de trabalho muitas décadas antes de "Mad Men" parecer original.

A questão aparece desde o cenário oscarizado de Alexandre Trauner para o andar inferior onde ficam os funcionários anônimos, referência aberta a uma cena icônica de "A Turba", clássico de 1928 sobre a desumanização do homem moderno. Na narração introdutória feita por C.C. Baxter (Jack Lemmon) também só há lugar para estatísticas, na qual o indivíduo não passa de número.

Ceder a moradia aos chefes coloca Baxter na situação de sem-teto, que ele dissimula em infinitas horas extras no escritório, comparando-se à eficiência das calculadoras.

E o que dizer das mulheres? Depois de cumprir as funções de ascensoristas, secretárias e telefonistas, no fim do expediente elas passam ao posto de amantes, numa visão cruel da condição feminina.

Difícil é rir dessa comédia sem sentir seu gosto amargo.

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