Crítica à burguesia se perde em autorreferências
'Baal.Material', da Cia. Les Commediens Tropicales e do Quarteto à Deriva, mescla peça de Brecht e obra de Warhol
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A cenografia da peça "Baal.Material" faz uma releitura da obra "Brillo", de Andy Warhol. São centenas de caixas de uma mercadoria produzida em série e cujo nome resplandecente passa do original Brillo para Baal. Uma dessas caixas destaca-se das outras na composição. Ela fica em primeiro plano, envolvida por uma redoma de vidro.
Baal, a peça de juventude de Bertolt Brecht sobre um ser meio abjeto e meio anárquico que recusa todas as normas sociais, aparece então inscrita no cenário, associada à ideia de forma-mercadoria e, ao mesmo tempo, como um objeto sacralizado pela instituição das artes.
O cenário evidencia que a peça Baal é o ponto de partida e também o alvo do espetáculo da Cia. Les Commediens Tropicales em parceria com o Quarteto à Deriva.
O termo material no título, aliás, remete ao trabalho dramatúrgico de Heiner Müller, para quem usar Brecht sem criticá-lo é traição.
No caso de Baal, além de destacar o violento machismo do protagonista, o grupo identifica um paradoxo: a força insubmissa da personagem-título de Brecht estaria contida por uma estrutura dramatúrgica e teatral que a reprime.
"Baal.Material" apresenta o impasse sem se eximir dele. Em cena, os atores usam uma betoneira para misturar cimento, esse material maleável, mas que prenuncia sua iminente solidificação. A máquina e o produto soam como uma metáfora da arte no mundo burguês. Durante a peça, o ator que mais se associa à figura de Baal (Rodrigo Bianchini) banha-se com o cimento e termina o espetáculo dentro da redoma de vidro. Alguém diz: Ninguém está fora da ordem. Estamos dentro. É o que nos resta.
Assim como Warhol reproduz imagens de mercadorias para supostamente criticar o mundo que as produz, o grupo defende o mergulho na crise como forma de enfrentá-la. Como se somente a vivência radical dos impasses da arte possibilitasse a superação.
Contudo, esse insight artístico é constituído de uma série de expedientes repisados da hermética cena contemporânea: microfones, fumaça pelo palco, monólogos desconectados, fragmentação, atuação performática. Recursos que mais ecoam o mundo caótico que vivemos do que o criticam propriamente, tal qual a pop art de Andy Warhol.
E, se o espetáculo começa como exame dos impasses da arte no mundo burguês, ele termina como uma mal disfarçada celebração das suas escolhas estéticas. Uma espécie de manifesto de si mesmo.