Esquerda critica Netflix por causa de série sobre Operação Lava Jato  

Insatisfeitos com retrato de Lula e Dilma em 'O Mecanismo', assinantes dizem ter cancelado serviço

 

Conteúdo restrito a assinantes e cadastrados Você atingiu o limite de
por mês.

Tenha acesso ilimitado: Assine ou Já é assinante? Faça login

Gustavo Fioratti
São Paulo

Ao longo do fim de semana, simpatizantes de esquerda disseram ter cancelado suas assinaturas da Netflix.

Era uma reação à representação de petistas na série “O Mecanismo”, que narra a Operação Lava Jato desde sua deflagração até a prisão do empreiteiro Marcelo Odebrecht.

As principais críticas feitas pela esquerda à produção de oito episódios, que estreou na última sexta (23), têm como foco os personagens inspirados nos ex-presidentes petistas Dilma Rousseff e Lula e a mensagem que antecede a série e produções do tipo. 

“Este programa é uma obra de ficção inspirada livremente em eventos reais. Personagens, situações e outros elementos foram adaptados para efeito dramático.”

A Netflix e o diretor José Padilha são acusados de deturpar numa série ficcional fatos relacionados às investigações. A plataforma de streaming não respondeu aos pedidos de esclarecimento sobre o total de cancelamentos. 

Para a ex-presidente Dilma, o diretor espalha notícias falsas a fim de destruir reputações. Já Padilha diz que as ficções têm a prerrogativa de liberdade de adaptação e que o público está ciente disso. 

A principal reclamação está ligada a uma frase colocada na boca do personagem que representa Lula, chamado João Higino na série. Mas “estancar a sangria” foi a expressão usada pelo senador Romero Jucá (MDB-RR) em diálogo grampeado sobre um suposto plano para atrapalhar a Lava Jato. Depois, a Procuradoria pediu o arquivamento da acusação de obstrução. 

“Quando você dramatiza a realidade, ancora seu drama em alguns lugares e desancora em outros. Isso é verdadeiro tanto no documentário como na ficção”, afirma Padilha em entrevista à Folha.

“‘O Mecanismo’ não é o que aconteceu no Brasil ipsis litteris”, prossegue o diretor, frisando que a série “é inspirada em fatos reais”.

Na série, o personagem inspirado em Lula pede à presidente que troque a direção da Polícia Federal, a fim de interromper investigações —na cena, ela rejeita o pedido.

Lula foi acusado pelo ex-senador Delcídio Amaral de obstrução de Justiça. Este afirmou ter tentado, a pedido do ex-presidente, pagar pelo silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró

Em setembro de 2017, o Ministério Público Federal pediu a absolvição de Lula por concluir que não havia provas de sua participação. 

Questionado a esse respeito, Padilha não apresentou as fontes usadas na série para atribuir ao personagem Higino atitude semelhante à que levou à acusação contra o ex-presidente.

SELETIVIDADE

Parte das críticas sustenta que a produção centrou fogo no PT. Foi também o que afirmou a ex-presidente Dilma Rousseff em nota nas redes sociais no domingo (25).

“Padilha incorre na distorção da realidade e na propagação de mentiras de toda sorte para atacar a mim e ao presidente Lula. A série ‘O Mecanismo’, na Netflix, é mentirosa e dissimulada. O diretor inventa fatos. Ele próprio tornou-se um criador de notícias falsas”, disse Dilma.

O diretor rebate acusações de partidarismo e de tratar policiais sempre como mocinhos. A série, afirma, busca defender a ideia de que a corrupção no Brasil não é algo que acontece vez ou outra. 

“É a lógica estruturante do sistema político brasileiro, em cada um dos municípios, em cada um dos estados e no governo Federal. E ela faz isso em todos os governos, do PSDB, PMDB e PT”, afirma.

Dilma também fez objeções, em sua manifestação nas redes sociais, ao fato de que o seriado situa o caso Banestado em um período que não corresponde à realidade.

“O caso Banestado não começou em 2003, como está na série, mas em 1996, em pleno governo FHC”, diz. 
A criação da força-tarefa do caso e a delação do doleiro Alberto Youssef (colaborador também na Lava Jato) ocorreram em 2003, mas a série não menciona os eventos correspondentes no governo do tucano Fernando Henrique Cardoso. O episódio passa a impressão de que eles teriam ocorrido no governo Lula. 

Para o cineasta, quem reclama de imprecisões dos fatos em um trabalho de dramatização está desviando o foco do tema principal. 

“Essa discussão é como se o sujeito entrasse na sua casa, estuprasse sua esposa, amarrasse seu filho, roubasse um isqueiro. A esquerda quer discutir o isqueiro, porque, se ela olhar para o macro, para o que aconteceu, não vai ter o que falar”, diz.

Padilha diz que sua indignação vem principalmente do fato de não ter havido “ruptura deste mecanismo quando o PT entrou no poder”. 

“Isso significa que nosso sistema, em uma espécie de darwinismo inverso, elege sempre as piores pessoas. Quanto mais você se adapta ao mecanismo, mais chance você tem de ser eleito.”

OUTROS PARTIDOS

O diretor também diz que novas temporadas da série vão refletir os passos seguintes da Lava Jato, trazendo figuras políticas de outros partidos, entre eles o PSDB, para o centro das investigações.
Nesta temporada, o protagonista já se refere ao personagem Lúcio Lemes, que corresponde ao senador Aécio Neves (PSDB-MG), como uma “puta velha”.

Dilma voltou a se manifestar nesta segunda-feira, em entrevista a veículos nacionais e estrangeiros, como a agência inglesa Reuters e a russa Sputnik, sobre os ataques à caravana do ex-presidente Lula na região Sul. 

“A Netflix não pode fazer campanha política. Vou falar para as lideranças políticas que eu encontrar. A direção da Netflix não está sabendo onde se meteu. Não vejo por que uma estrutura como aquela dar margem para isso”, disse Dilma.

Procuradas pela reportagem, as assessorias de imprensa da Netflix e da série “O Mecanismo” não se manifestaram sobre as críticas.

Colaborou ÍTALO NOGUEIRA, do Rio

Relacionadas