Descrição de chapéu
Artes Cênicas teatro

Em seu primeiro solo, Marcos Caruso faz manifesto pela liberdade artística

'O Escândalo Philippe Dussaert' faz rir e refletir sobre a arte contemporânea

Conteúdo restrito a assinantes e cadastrados Você atingiu o limite de
por mês.

Tenha acesso ilimitado: Assine ou Já é assinante? Faça login

BRUNO MACHADO
São Paulo

O Escândalo Philippe Dussaert

Avaliação: Ótimo
  • Quando: qui. a sáb., às 21h, dom., às 18h; até 1º/7
  • Onde: Teatro Faap, r. Alagoas, 903, tel. (11) 3662-7232
  • Preço: R$ 80; 12 anos

Primeiro solo de Marcos Caruso em mais de quatro décadas de carreira, "O Escândalo Philippe Dussaert" apresenta a polêmica, ocorrida no início da década de 1990, protagonizada pelo obscuro artista do título.

Para assombro do contribuinte, o governo francês teria demonstrado interesse em arrematar a obra-prima de Dussaert —uma sala vazia— por 8 milhões de francos.

Lido superficialmente, o monólogo, que compartilha do mesmo humor desafiador de um ready-made de Marcel Duchamp, é apenas um comentário mordaz sobre a arte contemporânea.

Mas, ao revelar suas camadas, a dramaturgia de Jacques Mougenot faz o público, do leigo ao habitué de galerias, rir e refletir em iguais medidas.

Se a arte contemporânea se recusa a ser mera representação da realidade, como afirma o texto, a encenação se estrutura de modo análogo.

Orquestrados pelo diretor Fernando Philbert, cenário, luz, figurino e ator, ainda que sejam recursos dramáticos, visam, sobretudo, negar a dramatização.

Com ares de conferência e flertes com o improviso e a comédia stand-up, o monólogo não pretende representar a realidade, mas ser a própria realidade. De modo que, ao questionar o que é a arte, a montagem também parece indagar: o que é o teatro?

Borrar os limites entre ficção e realidade se tornou expediente corriqueiro na produção teatral recente.

Aqui, no entanto, é, mais que artifício estético ou linguístico, um verdadeiro veículo para que Caruso, entre citações de críticos, recortes de jornais e textos de catálogos, capture, manipule e surpreenda o público até os minutos finais da encenação.

A ativa participação da plateia, a quem o ator se dirige todo o tempo, aliás, é outra analogia que a dramaturgia faz à arte contemporânea, que ordena ao espectador abandonar sua posição passiva, de mero fruidor, e tornar-se cocriador da obra e do seu significado.

Ao questionar o que caracteriza um artista, o dramaturgo advoga abertamente pela liberdade artística: um artista é todo aquele portador de um discurso, afirma.

Logo, é inevitável que a montagem brasileira acene, voluntariamente ou não, a episódios recentes de perseguição, suspensão e censura de peças de teatro e mostras.

Assim, para além da crítica da arte contemporânea e da experimentação cênica dela decorrente, "O Escândalo Philippe Dussaert" se projeta como um manifesto pela liberdade de expressão. O que se traduz, inclusive, em um esforço de dissipar qualquer preconceito da plateia.

Nada disso seria possível sem Marcos Caruso, ator capaz de conjugar a densidade do texto com a leveza do humor e, assim, comunicar as várias camadas do monólogo aos mais diversos públicos.

Relacionadas