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Arte escatológica, visceral e profana de jovem suicida é revista em mostra

Obras de Pedro Moraleida, que se matou há 20 anos, ocupa agora duas salas do Instituto Tomie Ohtake

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São Paulo

O artista visual mineiro Pedro Moraleida não fazia nada em meios tons. Visceral, dramático, intenso ao limite, foi um leitor dedicado de Nietzsche, Antonin Artaud e Derrida. Fez histórias em quadrinhos, desenhos, pinturas com influências que vão do expressionismo alemão aos clássicos do Renascimento; da psicanálise lacaniana à música underground. 

Tudo isso desde jovem, muito jovem, até se suicidar há duas décadas, quando tinha 22 anos. 

Na época, alguns de seus colegas da Universidade Federal de Minas Gerais —artistas hoje conhecidos, como Cinthia Marcelle e Sara Ramo— fizeram um primeiro levantamento de sua obra e uma exposição em um hospital abandonado. 

Com uma retrospectiva no Palácio das Artes, há dois anos, e com mostra recém-inaugurada no Instituto Tomie Ohtake, sua figura vem a público com mais ênfase. 

Em âmbito privado, os pais do artista trabalham sistematicamente para conservar, catalogar e ir pouco a pouco adentrando a obra do filho. O plano é estabelecer uma fundação.

O que se vê exposto nas duas grandes salas do centro cultural impressiona pela ênfase. Na cor, na urgência. Mistura de registro biográfico e invenção, há nos desenhos e pinturas algo do poético Leonilson, só que mais sarcástico. Há algo do Bispo do Rosário, de quem Moraleida era grande entusiasta. E há um humor escatológico tão ácido, que dá a volta para esbarrar na doçura.

“Seu leme parece ter sido a decisão de se colocar em desacordo com toda sorte de consenso, fosse ele estético, moral ou comportamental”, escreve o idealizador da mostra, Paulo Miyada, em seu texto para o catálogo, destacando o contraste com a produção de sua geração, mais baseada em projetos e conceitos. 

“Moraleida decidiu que a arte precisava ser sempre um grito, um gozo, uma pústula, uma canção do sangue fervente. Alimentar-se de nossos desejos e traumas inconfessáveis, ao invés de polir a superfície cromada dos ambientes sofisticados”, afirma.

Enquanto a primeira sala ajuda a situar o espectador no caldeirão de seus escritos e referências, a outra apresenta seu projeto mais ambicioso: “Faça Você Mesmo Sua Capela Sistina”, concebido originalmente como exposição para o Centro Cultural da UFMG. 

Formado por mais de uma centena de pinturas agrupadas em polípticos que cobrem as paredes até o teto, o conjunto original previa 46 obras utilizando versos da canção “Ninguém Vai Tirar Você de Mim”, de Roberto Carlos, misturadas a evocações da mais alta pintura religiosa. Um manuscrito com mais de 60 páginas detalha todo o projeto pictórico. O que vemos é apenas uma parte do que imaginou o artista, mas já dá para ter uma ideia da dimensão e da potência da empreitada.

“Faça Você Mesmo sua Capela Sistina” é um bom lema. A de Moraleida era escatológica, iconoclástica, verborrágica com profanações de toda espécie. Angústia de existir, elevada à quinta potência.

Aliada ao uso de drogas, a instabilidade psíquica cobrou um preço alto. Por outro lado, em tempos de moralismo acirrado, a obra sufocante do jovem mineiro se impõe quase como respiro, uma enxurrada criativa e destrutiva em que desenho e escrita andam de mãos dadas.

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