Siga a folha

Tony Soprano pode ter criado caminho para Trump e Bolsonaro, afirma autor

Para Brett Martin, autor de 'Homens Difíceis', mafioso da TV cativou público com 'fantasia' do anti-herói

O ator James Gandolfini como Tony Soprano, protagonista da série "Família Soprano" - Divulgação

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

São Paulo

​No primeiro capítulo de “Família Soprano”, o mafioso Tony Soprano, vivido por James Gandolfini, compra de presente para sua “mamma” um aparelho de som que, vejam só, toca CDs. E nem para a data em que a série estreou, exatos 20 anos atrás completados nesta quinta-feira, dava para chamar de novidade.

Robusto e sempre bem asseado, Tony expõe o perfil de um americano arcaico. A grana não deu um jeito no vocabulário pouco culto. Apenas alargou as aquisições, de carros de luxo, um guarda-roupa cheio de camisetas polo, a piscina no quintal para o churrasco —e é o próprio Tony quem costuma virar os hambúrgueres sobre a brasa.

Seria o tipo de macho que passa longe da possibilidade de fazer análise. E é aí que a história vira. Tony está deprimido e sai em busca de ajuda profissional, tomando o cuidado para que amigos e parentes não saibam. Quebra-se ali o pacto da virilidade assumida com os que o cercam.

A mulher de traços patéticos, o sobrinho destemperado, o tio que fracassou, os filhos mimados e uma família de patos que escolhe a piscina dos Sopranos como morada. É essa a atmosfera de violência e sentimentalismo que vai se tornar referência das séries de TV paga e streaming da década seguinte.

Quem crava “Família Soprano”, lançada pela HBO, como marco na televisão é a própria imprensa americana e um par de livros, sendo “Homens Difíceis”, de Brett Martin, o mais importante deles.

Segundo a obra, além de estabelecer um padrão alto de dramaturgia e construção de diálogos, a série quebra a ideia dos mocinhos bons. O anti-herói representado por Tony, já visto na literatura e no cinema, abriu caminho para uma geração de personagens similares que, como ele, eram admiráveis pela autenticidade e imorais na mesma medida.

“Em muitos sentidos, trazer personagens complicados para a TV, aqueles que não são nem totalmente bons nem totalmente maus, foi uma forma de se aproximar da realidade. Não somos todos chefes da máfia, traficantes de drogas ou adúlteros em série. Mas todos nós sabemos o que é ter pensamentos obscuros ou fazer algo errado somente por prazer”, afirma Martin.

Na visão do autor, Tony Soprano é bem sucedido como personagem porque cria essa identidade em uma América de modelos de vida estilhaçados. “Acho que algo precisa ser dito sobre a fantasia do anti-herói”, diz ele. “Humanizar esse comportamento na TV nos leva a direções inesperadas e talvez tenha pavimentado a rota de homens como Donald Trump e Jair Bolsonaro rumo ao poder.” 

Em entrevista nesta semana ao jornal The New York Times, David Chase, o criador de “Família Soprano”, reafirma a relação entre sua criatura e a mentalidade que permitiu a Trump chegar à cadeira de presidente dos Estados Unidos. “Quando os telejornais falam de Trump, eles o associam aos Sopranos”, disse.

Em entrevista recente ao site Deadline, Chase falou ainda sobre o projeto de trazer Tony Soprano de volta às telas, desta vez em um filme que abordaria sua infância.

Há um outro fator a ser ponderado como determinante para o sucesso de “Família Soprano” no fim dos anos 1990. O mafioso nasce em momento imediatamente posterior à popularização da TV a cabo.

“Acho que foi uma decisão comercial”, diz o autor de “Homens Difíceis”. Enquanto havia apenas três redes de TV, qualquer programa deveria atender a uma audiência que fosse a mais ampla possível”, diz.  “Apenas quando a TV paga e agora o streaming provaram que havia apelo comercial em se dirigir a nichos específicos é que as histórias com mais qualidade de dramaturgia começaram a aparecer.”

“Será que poderíamos exibir um programa em que o protagonista é um criminoso?” Essa questão, reproduzida entre os depoimentos dados a “Homens Difíceis”, tem como autora Carolyn Strauss, que então integrava a direção executiva do canal pago. 

“Hoje essa dúvida até perece uma bobagem, mas na época era importante.” A aposta fez com que a HBO desse a largada e amealhasse seus louros em troféus. “Família Soprano”, em seus 86 episódios divididos por seis temporadas, recebeu 21 prêmios no Emmy e cinco no Globo de Ouro.

É um número alto para uma obra de seis temporadas, mas não é um recorde. “Game of Thrones”, com 38 prêmios no Emmy, e “Saturday Night Live”, com 54, são as líderes.

Em comemoração dos 20 anos da série, o canal HBO Signature programou uma maratona com todos os episódios, entre os dias 14 e 20 de janeiro. Será uma temporada por dia, com exceção da sexta, que foi dividida entre os dias 19 e 20. 

Dia 21 de janeiro será exibido um especial, no mesmo canal, com uma seleção dos dez melhores episódios da série.
 

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas