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Elizabeth Bishop levou autores nacionais e lado diferente do Brasil para os EUA

Estudiosos afirmam que poeta homenageada da Flip tinha inclinações liberais.

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Los Angeles

Uma poeta tímida, reservada, pouco interessada em política e inteiramente voltada à sua arte. Uma mulher que encontrou no Brasil, ao menos por algum tempo, o lar e o amor que passou boa parte da vida procurando.

A Elizabeth Bishop descrita por dois dos principais estudiosos americanos da autora contrasta com a controvérsia que a ronda no cenário cultural brasileiro desde que ela foi anunciada como homenageada da próxima Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty.

A escolha pela autora vem sendo criticada, entre outras questões, pelo apoio que ela prestou ao golpe militar de 1964 e por declarações negativas que deu sobre o Brasil e parte de sua produção cultural —as fontes são cartas trocadas entre Bishop e o amigo e poeta Robert Lowell, durante a década e meia que a escritora viveu no país.

Lloyd Schwartz, professor de inglês da Universidade de Massachussetts e especialista na obra de Bishop, no entanto, define a poeta como uma pessoa muito pouco politizada. Nos Estados Unidos, quando opinava sobre política e questões sociais, ela demonstrava inclinações esquerdistas e liberais, com opiniões pró-democracia, contrárias à segregação racial e a favor da igualdade entre homens e mulheres. “Um golpe militar ia contra todas as crenças políticas que ela tinha nos EUA.”

Segundo o acadêmico, que foi amigo da autora durante os últimos nove anos de sua vida, o apoio ao golpe foi resultado da influência exercida sobre Bishop pela arquiteta Lota de Macedo, com quem a poeta viveu uma relação amorosa durante seu tempo no Brasil.

Amiga do político conservador e então governador da Guanabara Carlos Lacerda, Lota foi encarregada de criar o aterro do Flamengo e teria visto no golpe uma chance de continuar o projeto.

“Lota queria garantir que o parque fosse para frente e Elizabeth dependia financeiramente dela. Não ia contrariá-la nessa questão”, afirma a escritora Megan Marshall, que foi aluna de Bishop e publicou recentemente uma biografia sobre a poeta (“Elizabeth Bishop: A Miracle for Breakfast”, ainda sem tradução para o português).

“Bishop conhecia muito pouco sobre a política local, achou que o Brasil precisava de estabilidade e que o golpe poderia trazer isso. Só bem mais tarde ela percebeu o quanto a ditadura foi devastadora para o país.”

Mais do que pela complexa política brasileira, a poeta se interessou pelas manifestações culturais do Brasil, por sua diversidade e contradições sociais, aspectos que lhe despertavam sentimentos misturados.

“Ela amava o samba, mas não gostava da bossa nova, que considerava uma corrupção da tradição musical popular. E não gostava muito do Rio, que era barulhento e cheio de gente. Mas os lugares que amava no Brasil, como as cidades de Petrópolis e Ouro Preto, ela amava mais do que quaisquer outros. Considerava o Brasil um país bonito mas problemático, algo que tentou retratar na sua escrita”, conta Marshall.

“Como eles lidam com pedintes? Pegam-nos e jogam nos rios”, diz Bishop no poema “Pink Dog” (cão rosa), que trata com ironia o descaso com moradores de rua na capital carioca. Em obras como “Squatter’s Children” (filhos de posseiros) e “The Burglar of Babylon” (o ladrão da Babilônia), a autora também lidou com a pobreza e criminalidade brasileiras.

Apesar de “perceber o que realmente acontecia no país”, de acordo com Marshall, a autora —que perdeu os pais quando criança e nunca tinha vivido por muito tempo num mesmo lugar— também expressou em cartas o fato de ter finalmente encontrado um lar e a felicidade em terras brasileiras, ao lado de Lota.

Em relação ao cenário artístico do país, Lloyd destaca que Bishop não apenas amava grande parte da produção poética do Brasil, como escreveu alguns de seus melhores poemas inspirados no país, parte deles incluída no livro “Questions of Travel” (questões de viagem), de 1965.

Também teria sido ela a principal responsável por levar a obra de autores nacionais aos Estados Unidos, numa antologia que reuniu poetas como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Vinícius de Moraes.

“Acho incrível que seja homenageada no Brasil, porque foi quem nos apresentou um lado diferente do país, além do Rio e do Pão de Açúcar, mostrando que havia uma excelente cultura e grandes poetas brasileiros”, diz Marshall.

Nas últimas décadas, a autora alcançou o status de uma das maiores poetas americanas do século passado. Entre os livros dela que Schwartz editou, um deles foi para a Library of America, organização que publica expoentes da literatura clássica dos EUA. Ela foi a primeira poeta mulher publicada pela editora, em 2008.

“Embora tenha sido ignorada em vida pelo público, seus poemas hoje são ensinados em escolas. Críticos importantes estão escrevendo sobre ela, e hoje é difícil haver uma antologia sobre literatura americana que não inclua seus trabalhos”, afirma Schwartz.

Os 16 anos da vida de Bishop no Brasil terminaram em 1967, com sua viagem a Nova York, seguida pela dolorosa morte de Lota por uma overdose de remédios. Em sua obra, composta por apenas 101 poemas, a busca por um lar é tema constante. Schwartz caracteriza essa dificuldade de encontrar seu lugar no mundo por meio de um poema da autora, escrito em Ouro Preto.

“Querida, minha bússola ainda aponta para o norte, para casas de madeira e olhos azuis”, dizem os primeiros versos, em tradução livre do inglês. Segundo Schwartz, mesmo nos períodos mais felizes que viveu no Brasil, Bishop era uma poeta dividida entre norte e sul —contradição que dá título à sua primeira coleção de poemas— e entre dois países aos quais nunca pertenceu inteiramente.

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