Em 'Uma Vida Oculta', filme que se passa na 2ª Guerra, não há tiros, nem bombardeios
Com aura religiosa, novo longa de Terrence Malick é manifesto de resistência
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
A raridade da primeira etapa da obra de Terrence Malick, diretor que entre 1973 e 2005 filmou apenas quatro longas, consolidou a impressão de que ele seria um realizador único, cujos poucos filmes valeriam ouro. A intensificação da atividade do diretor na última década demonstrou, ao contrário, que sua estética metafísica se diluía em contato com a banalização.
“Uma Vida Oculta” oferece os elementos para Malick retornar ao essencial, conjugando os dois extremos de sua visão de mundo: o cósmico e a consciência, a crença e a liberdade.
O filme retoma a história real do austríaco Franz Jägerstäter, que por objeção de consciência se recusou a participar das forças nazistas durante a Segunda Guerra. A desobediência foi julgada como traição, Jägerstäter foi condenado à morte e executado em 1943. Em 2007, a Igreja Católica o reconheceu como mártir.
Malick dispensa a obviedade da “história baseada em fatos reais” e, em contrapartida, ganha espaço para representar um drama de ressonâncias filosóficas. A longa duração do filme, por sua vez, permite ao cineasta aprofundar, a partir da bifurcação que separa Franz de sua esposa, Fani, os caminhos que contrapõem o mundo regulado pelos homens ao mundo no qual a natureza se impõe.
A escolha de uma representação espiritual em detrimento do realismo factual também se percebe no apagamento das marcas que definem dramas ambientados na Segunda Guerra. Aqui, não há tiros, nem bombardeios e a guerra só se revela na forma de medos e da transformação dos valores.
Mas como ultrapassar a materialidade da imagem cinematográfica e sugerir outras dimensões sem recorrer à artificialidade de efeitos visuais fantásticos? Malick adota dois procedimentos. Um é usar a voz over como recurso de expressão mental, em vez de reduzi-la a muleta narrativa. O outro consiste em trabalhar a imagem de modo a sugerir uma sensorialidade extrafísica, flutuante, vertiginosa nos planos em que os corpos são filmados de baixo e as montanhas e as nuvens projetam algo além do homem.
Malick recupera a aura de seus grandes trabalhos, como “Além da Linha Vermelha” (1998) e “O Novo Mundo” (2005), nos quais as relações entre indivíduo e natureza oscilavam entre o diálogo e o pertencimento.
Fora dali, nos espaços exclusivamente humanos das prisões e tribunais, essa integração desaparece e surgem relações de abuso, dominação e sujeição.
As ressonâncias cristãs do martírio de Franz projetam uma inequívoca luz religiosa sobre “Uma Vida Oculta”. Mas a fé inabalável que Malick filma em filigrana é antes um manifesto de resistência, uma crença tão urgente agora quanto há milênios.
Receba notícias da Folha
Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber
Ativar newsletters