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Felipe Neto diz que gabinete do ódio tem inteligência de uma geladeira frost free

Só menos popular do que Bolsonaro nas redes, influenciador voz da oposição online analisa estratégia digital da direita

O youtuber e influenciador Felipe Neto - Pedro Loreto/Divulgação

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São Paulo

A internet viu Felipe Neto crescer e mudar. Um dos primeiros youtubers a fazer sucesso no país, ele tinha 22 anos quando lançou seu canal. Hoje com 32, não é só um produtor de conteúdo, mas tem uma trajetória profissional na comunicação online —com dois sócios, tem uma empresa que gere a carreira online de outras pessoas.

Também virou a principal voz de oposição ao governo Bolsonaro nas redes. Um estudo feito pela empresa de pesquisa Quaest e publicado pelo jornal O Globo na semana passada mediu a popularidade de 15 personalidades na internet —Felipe Neto é o segundo no ranking, atrás apenas do presidente, mas à frente de Anitta e Luciano Huck.

Em entrevista à Folha, Neto usou a experiência na internet para analisar as táticas de comunicação tanto da nova direita quanto da oposição. Ele avalia ainda a capacidade de engajamento do conteúdo de ódio nas redes, os memes e também a estratégia online da imprensa profissional, entre outros temas.

Como você analisa as estratégias digitais do bolsonarismo? A estratégia é simples, mas extremamente eficaz. Foi ensinada a eles pelo Steve Bannon e seus assistentes, o que faz muita gente imaginar uma gigantesca teia de hackers e especialistas trabalhando 24 horas por dia em salas mal iluminadas no subterrâneo de um solo russo.

A realidade é que a estratégia é simplesmente esta: milhares de grupos de Whatsapp e Telegram comandados por funcionários que trabalham para comandar os grupos.

Esses grupos são compostos por centenas de apoiadores, cooptados “soldados digitais”, e cada um deve ter uma ou múltiplas contas de Twitter e Facebook. É a partir desses grupos que eles criam todas as notícias falsas, normalmente em sites que se denominam “imprensa de verdade”, e espalham os links compulsivamente.

É também lá que eles criam as hashtags e ensinam os “soldados” a tuitar. É também lá que sincronizam os ataques para tentar destruir a reputação de opositores, espalhando vídeos falsos, montagens ou hashtags de silenciamento. Isso é o que chamamos de gabinete do ódio. Tudo que nasce ali se espalha rapidamente em todas as redes sociais.

Contudo, além disso, há também a estratégia de comunicação do presidente e seus ministros de fomentar o caos o tempo inteiro. Por meio da polarização constante e da ideia de estarmos numa guerra contra o comunismo, eles conseguem deixar seu séquito de admiradores sempre com medo e motivados para a batalha.

Por que essas táticas são tão efetivas? Porque são trabalhadas em cima de conteúdo viral que motiva o ódio. Em vez de o gabinete do ódio tentar mostrar medidas positivas e efetivas do bolsonarismo, eles operam pra tentar destruir tudo o que se opõe a eles.

Conteúdo destrutivo tem sempre grande tração nas redes sociais. Por exemplo, uma vez, o gabinete do ódio criou uma videomontagem minha, dando a entender que eu ensinava crianças a praticar sexo. A montagem foi bem feita, nível profissional. Quando alguém vê isso no Facebook, qual é a primeira reação? Compartilhar.

Recentemente criaram um print falso do meu Twitter, como se eu tivesse postado “a culpa da pedofilia é dessas crianças gostosas”. O post teve milhares e milhares de compartilhamentos pelo Facebook e só Deus sabe quantos envios por WhatsApp. Isso acontece todos os dias, com todo tipo de alvo, o tempo inteiro.

Como você avalia as estratégias digitais da oposição? Antes de tudo, é necessário desmembrar o gabinete do ódio e colocar na cadeia quem criou e trabalhou todo esse sistema. Não é possível combater esse tipo de crime só com a verdade, é preciso investigar e cortar o mal pela raiz.

Enquanto isso não acontece, o que podemos fazer é usar as armas a nosso dispor, tentando mostrar a verdade e levando à Justiça os infratores. Eu tenho processos abertos contra deputados e um policial militar que publicaram fake news assombrosas a meu respeito. É preciso que todos que forem alvos façam o mesmo.

Em termos de oposição, nesse momento não adianta pensar em partido ou candidaturas, é necessária a união de todos que são antifascistas, sejam eles de esquerda ou de direita, para que possamos derrubar esse genocida que está no poder e fazer ruir todo o sistema bolsonarista.

Qualquer um que se oponha à união contra o fascismo agora, está agindo em função do próprio ego e da busca pelo protagonismo. O Brasil não precisa, agora, de protagonistas, mas sim de ação coletiva e unida contra o autoritarismo.

No Roda Viva, você disse que Lula, principal nome da oposição, perdeu uma grande oportunidade ao sair da cadeia. Que oportunidade era essa? Analisar tudo o que o Lula fez desde que saiu da prisão é um assunto muito extenso, que envolve raiva, ego e profunda mágoa. Não acho que valha a pena pensar no Lula neste momento, muito embora ele esteja dizendo coisas que, na minha opinião, não colaboram com a luta contra o fascismo. O momento é de união e combate, espero que o Lula enxergue isso a tempo.

O humor anárquico das redes, com os memes, por exemplo, parece ter sido adotado de forma eficiente pela nova direita. Qual a função do humor nessa comunicação? O MBL enxergou o potencial desse tipo de comunicação e conseguiu ganhar grande notoriedade por meio das redes sociais.

O povo ainda é muito suscetível a humor partidário e com interesse político, as pessoas sentem grande dificuldade em enxergar as estratégias e acabam caindo nesse tipo de uso político do humor.

No Twitter, há vários perfis de “personalidades anônimas engraçadinhas” que são, na realidade, financiadas por partidos ou políticos específicos. Desde um “senhor de idade direitista” até, antigamente, a Dilma Bolada, que todo mundo sabe o que aconteceu. Para mim, humor é humor. Se for engraçado, está valendo, mas que seja feito com rosto, nome e sobrenome.

Perfil de personalidade anônima ganhando dinheiro de partido e fingindo que é apenas um perfil de humor sem viés político, aos meus olhos, precisa ser criminalizado. As pessoas devem saber quando estão vendo conteúdo patrocinado, seja esse patrocínio de uma marca de chocolates ou de um partido político.

O MBL foi o primeiro movimento de direita a ter uma estratégia de comunicação online bem-sucedida. Como você avalia a estratégia deles? Há semelhanças com o que, depois, seria adotado pelo bolsonarismo? O MBL é mais personalista e visa gerar popularidade para seus integrantes. Eles são, diria, mais “honestos” do que a estratégia usada pelo bolsonarismo. Eles assinam seus memes, eles informam que se trata de conteúdo político.

Logo, mesmo não sendo um simpatizante do MBL, é preciso ao menos reconhecer que eles, até onde eu sei, não tentam ludibriar as pessoas nesse aspecto. O bolsonarismo é diferente, o uso de perfis “memeiros” é feito de maneira velada, para que ninguém saiba que há interesse político por trás das publicações. Os perfis são sempre fakes, contas com nomes e fotos engraçadas, nunca reais.

Isso não é novo e aconteceu bastante no segundo mandato do governo Dilma. Nesse quesito, a escola de uso político das redes sociais de maneira velada veio muito mais do próprio PT do que do MBL. Contudo, o bolsonarismo elevou qualquer estratégia errada do PT à milésima potência. Nunca se viu nada sequer próximo do que existe hoje nas redes sociais do Brasil, principalmente em função da organização do gabinete do ódio.

Dentro do debate político nas redes, os temas morais mobilizam mais do que o debate sobre políticas públicas. Por que esses temas que geram mais engajamento? Dentro da comunicação, sabemos que há sempre assuntos que despertam determinados gatilhos no público que consome o conteúdo. Cada rede social proporciona um tipo de exploração desses gatilhos de maneira diferente e é preciso estudar de forma profunda como cada uma funciona e como o público se relaciona com ele pra poder explorar isso da melhor maneira.

Eu não acredito que haja esse estudo por parte do bolsonarismo ou qualquer outra equipe de comunicação política hoje. Acredito que é tudo feito na base do instinto e da passionalidade, tentando ao máximo explorar os brios e nervos à flor da pele da população.

O ser humano tende a se sensibilizar e denunciar mais um vídeo de um homem agredindo um cão do que um vídeo de esgoto a céu aberto numa comunidade, com pessoas sendo contaminadas em função da falta de saneamento.

Por quê? Pela manipulação dos gatilhos emocionais e necessidade de ação imediata que despertam em quem assiste. Uma agressão é algo instantâneo que requer uma resposta na hora, um esgoto a céu aberto é algo que já acontece há muito tempo e todo mundo sabe que vai levar tempo para corrigir.

Essa é uma analogia pertinente com a diferença entre temas morais e políticas públicas. Quando se trata de conceitos de moralidade, a sensação de quem recebe a informação é de urgência, de ação imediata, enquanto que políticas públicas podem ser debatidas e ponderadas. Obviamente, isso está errado.

Agora, enquanto se fala em uma frente democrática que una pessoas de diferentes posições, como se faz isso? Posições mais ao centro têm chance de ganhar tração e engajamento? Nesse momento não há que se debater protagonismo, liderança ou eleições. É união contra fascistas, ponto final. Ou você está contra o fascismo, ou está a favor dele, não há muro quando o assunto é autoritarismo e repressão. Não é hora de se fazer politicagem, é hora de enfrentar o fascismo, custe o que custar. Depois nós analisamos o cenário e debatemos sobre o que fazer em seguida.

Alguns dizem que a cultura do cancelamento é uma prática fratricida da esquerda, uma vez que só é possível cancelar aliados ou potenciais aliados. Nomes como Olavo de Carvalho estão além do cancelamento. Qual a sua avaliação dessa cultura? Ela atrapalha uma comunicação uniforme da oposição? Esse é um assunto extremamente profundo. Resumidamente, é preciso entender que devemos combater a cultura do cancelamento, devemos dar chances às pessoas de aprenderem com seus erros e evoluírem como seres humanos (vide a hoje maravilhosa Rachel Sheherazade e, humildemente, eu mesmo).

Contudo, isso não pode significar a abstenção da crítica. Não podemos sair de um polo, que seria o cancelamento, para o outro, que seria o de aceitar tudo que é dito ou feito, sob a prerrogativa de que expor os erros resulta em cancelamento e bullying digital.

É preciso educar as pessoas a não tentarem arruinar a vida de quem erra, mas também criticar de maneira civilizada, compatível com o tamanho do erro, para que a pessoa saiba que cometeu um erro e se disponha a aprender com isso. Mas não devemos ter tolerância com os intolerantes. Figuras como Bolsonaro, seus filhos, Olavo de Carvalho, Weintraub, Ricardo Salles e outros, são agentes de pensamentos fascistas que flertam constantemente com o autoritarismo e a opressão. Aos fascistas, combate.

No Roda Viva, você falou que 'robôs também podem ser usados para o bem'. O que você quis dizer com isso? Robôs são códigos de programação que podem ser utilizados para infinitos objetivos. O tal “robô do Twitter” seria uma conta fantasma, operada por um computador, sem um ser humano, tuitando a favor de determinada causa.

Mas também é um robô, por exemplo, o sistema de programação que monitora seu consumo de vídeos no YouTube e indica o que assistir em seguida. Um belo robô que está faltando hoje é o que citei no Roda Viva para organizar o paywall dos grandes veículos. Hoje, o sistema está pouco inteligente e precisa de algoritmos, ou seja, robôs, para entender melhor para quem, quando e como vender assinatura do veículo ao consumidor que quer consumir uma notícia.

No Roda Viva, você também ensaiou uma crítica à estratégia online da imprensa profissional, mencionando o uso de paywalls. Pode desenvolver melhor essa crítica? O uso de paywalls é extremamente necessário para a imprensa. Não há jornalismo sem assinaturas. A questão não é se devemos usar, mas como. A informação não pode ser elitizada, esse é o primeiro ponto.

É necessário investir em tecnologia para fazer com que a inteligência artificial detecte quem são os verdadeiros potenciais assinantes de um veículo e consiga captar essas pessoas. O que há hoje é um sistema de paywall pouco inteligente, que mede todo mundo com a mesma régua e exige assinatura de maneira universal em diversos veículos. Isso está errado.

Como podemos combater a desinformação se, ao mandarmos o link de uma notícia precisa a respeito da cloroquina, o indivíduo é imediatamente bloqueado por uma página pedindo para se tornar assinante? É preciso ter tecnologia de ponta para mapear isso de maneira eficiente e, principalmente, entender que há notícias que não podem, sob nenhuma hipótese, ficar escondidas atrás de um paywall, pois prestam serviço essencial de informação à população. O paywall tem que existir, mas é preciso evoluir muito.

O que acha do projeto de lei contra fake news que está tramitando no Congresso? Quando comecei a ler o projeto, imediatamente percebi que havia sido criado com pouquíssimo conhecimento técnico de comunicação e de como funcionam os ambientes digitais. O primeiro projeto de lei, proposto pelo senador Alessandro Vieira, é anêmico, fraco, incompleto. Então veio a proposta de emenda, tendo como relator o senador Angelo Coronel.

Aquilo é um absurdo completo. O projeto é a destruição da internet como conhecemos. Ele quer catalogar cada pessoa que acessa a internet e registrar todos os seus movimentos, quer criar um ranking de reputação para cada CPF que funcionará como um episódio de “Black Mirror”, em que as pessoas dão notas para cada atitude de um indivíduo.

O projeto, ainda por cima, acaba com a liberdade de expressão, forçando empresas a removerem qualquer postagem que seja alvo de processo judicial, mesmo sem ter julgamento.

Sinceramente não entendo como esse pode ser o grande projeto contra as fake news que o Congresso brasileiro é capaz de criar. É inacreditável que estejam discutindo fake news e não tenham convocado os maiores nomes de comunicação digital do país para debater, ouvir, conversar. Não à toa, a CPMI das fake news está com tantas dificuldades. Você não pode debater um assunto sem ter domínio sobre ele, muito menos conduzir uma investigação ou criar leis a respeito.

Chamaram membros do gabinete do ódio para serem praticamente interrogados na CPMI e conseguiram tomar um banho de sujeitos cujo QI é comparável ao de uma geladeira frost free.

Por que isso aconteceu? Porque ninguém ali entende nem sequer medianamente sobre comunicação digital, enquanto que o frost free faz isso 24 horas por dia, há anos. Deixo uma pergunta em paralelo, sem traçar analogias: se você tivesse a oportunidade de interrogar o Pablo Escobar, você enviaria o melhor oficial especializado em tráfico de drogas da DEA ou o escrivão da 47ª delegacia de Macaé?

Nas redes, o apelo emocional de um conteúdo gera mais engajamento do que fatos, que muitas vezes contradizem opiniões pré-concebidas. As pessoas têm o viés de confirmação. Num contexto assim, fatos podem voltar a ser importantes? O viés de confirmação sempre vai existir. O obscurantismo, o negacionismo e o revisionismo histórico sempre irão existir. Agora, para cada Leandro Narloch que surge, também surge um Laurentino Gomes. É papel do jornalismo desmascarar pessoas nocivas ao conhecimento científico e histórico.

Mas quem faz isso? Muito poucos. É mais fácil tentar surfar essas ondas e tentar usar isso para ganho de audiência, como a CNN Brasil vem fazendo de maneira vergonhosa, do que desmascarar as mentiras escabrosas dessa gente. Nós só podemos vencer os obscurantistas, negacionistas e revisionistas com os jornalistas e a imprensa. Sem eles, não há nem sequer uma chance de batalha. É preciso destruir o terraplanismo científico e histórico e trazer à luz (e à popularidade) os verdadeiros cientistas, historiadores e comunicadores comprometidos com a verdade.

Qual o papel de símbolos como o copo de leite, a estética vaporwave e elementos semelhantes em manter a comunidade bolsonarista engajada? Símbolos são armas extremamente poderosas para a comunicação. O ser humano é, em essência, apaixonado por símbolos. Há instintos que nos conectam à bandeira nacional, por exemplo.

Em função disso, o uso de símbolos para dar sensação de pertencimento e acolhimento é histórico, tanto para o bem quanto para o mal. Mais uma vez, só podemos vencer essa poderosa arma com a exposição de seus utilizadores e a informação do que aquilo significa, assim como fizemos com a bandeira ucraniana, cooptada pelo movimento neonazista Pravyy Sektor.

É preciso expor quem usa, mostrar o que significa e causar repúdio nacional, exatamente como devemos fazer com os obscurantistas, negacionistas e revisionistas históricos.

O jornalismo precisa entrar nesse combate, caso contrário, nós já perdemos. É hora de os bons jornalistas deste país pressionarem para que tenhamos menos CNN Brasil dando voz a Osmar Terra, Caio Miranda [Coppola] e Tomé Abduch e, ao contrário, expor as mentiras desses indivíduos para que tenhamos um repúdio coletivo a quem tenta reescrever a história e a ciência para fins políticos. Por isso, deixo meu apelo: jornalistas, ajam. O Brasil nunca precisou tanto de vocês.

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