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Descrição de chapéu Cinema

Filmes de 'loop' se repetem e deixam gosto de déjà-vu durante a pandemia

Série alemã 'Dark' e comédia indie 'Palm Springs' usam fórmula desbravada por 'Feitiço do Tempo' há 30 anos

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São Paulo

Não faltou quem tenha comparado o tédio destes dias de quarentena ao filme "Feitiço do Tempo", clássico dos anos 1990 estrelado por Bill Murray. Nele, um repórter metido a besta é condenado a reviver eternamente a mesma data —não importa o que faça, ele sempre acorda às seis da manhã com o rádio avisando que aquele é, mais uma vez, o dia da marmota.

A fórmula inaugurou um filão de longas que envolvem "loops" de tempo em Hollywood. De lá para cá, quase todo ano é lançado um filme do tipo, da ação "No Limite do Amanhã" ao terror "A Morte te Dá Parabéns", do drama juvenil "Antes que Eu Vá" à comédia "Precoce". Só os ambientados no Natal formam quase um gênero à parte —são seis.

Nos últimos meses, porém, essas tramas estiveram ainda mais frequentes, com o lançamento do indie "Palm Springs", do suspense "Entre Realidades" e da comédia romântica "Um Amor, Mil Casamentos". Isso sem falar no verdadeiro hit da pandemia por aqui, a série alemã "Dark", que, em sua terceira temporada, também corteja a ideia.

Mas por que essas histórias parecem só ter se fortalecido ao longo das últimas três décadas? No livro "Now and Then We Time Travel" —de vez em quando viajamos no tempo, sem edição no Brasil--, o jornalista americano Fraser A. Sherman afirma que o primeiro filme de loop do tempo é um curta do início da década de 1990, "12:01", depois transformado em longa.

Nele, um homem vive não o mesmo dia, mas a mesma hora, infinitamente, e é o único que a ter consciência disso. A cada vez que o relógio bate uma da tarde, a realidade é, digamos assim, resetada, e tudo volta ao meio-dia e um minuto. De novo.

Histórias que tratam de um tempo que se repete indefinidamente datam de muito antes, porém. Em um artigo publicado na coletânea "Time and the Literary", a crítica literária americana Catherine Gallagher diz que escritores se debruçam sobre o conceito de tempo ao menos desde o início do século passado, inspirados pelas primeiras descobertas da física quântica.

Narrativas que exploram não só "loops", mas também viagens no tempo e a existência de vários universos possíveis, os chamados multiversos, ganharam ainda mais popularidade depois dos anos 1980, quando livros como "Uma Breve História do Tempo", sucesso de Stephen Hawking, se empenharam em traduzir noções científicas do tema para o público geral.

Mas, se quisermos voltar ainda mais no tempo, há exemplos anteriores. Greg Watkins, que dá aulas de cinema e religião na universidade de Stanford, lembra que até Nietzsche já flertou com a ideia de um "loop" temporal.

Em "A Gaia Ciência", o filósofo alemão pergunta ao leitor como ele reagiria se um demônio dissesse que toda a sua existência está condenada a se repetir, "seguindo a mesma impiedosa sucessão". "Não te lançarias por terra, rangendo os dentes e amaldiçoando esse demônio? Ou já vivestes um instante prodigioso, e então lhe responderias: 'Tu és um deus; nunca ouvi palavras tão divinas!'", questiona.

A pergunta de Nietzsche pode indicar um caminho para entender a moral por trás de muitos dos filmes que usam o recurso do "loop". Afinal, ela busca provocar no leitor uma reavaliação das próprias atitudes diante da vida.

Em um certo sentido, é o mesmo que essas narrativas propõem aos seus protagonistas --forçar, via tentativa e erro, a mudança de comportamentos tidos como antiéticos ou imorais e fazer com que eles descubram um significado maior pelo qual viver.

Verdade seja dita, esses personagens costumam demorar boa parte da minutagem do filme até conseguirem decifrar a tarefa diante deles.

O repórter de "Feitiço do Tempo", por exemplo, passa anos usando o que sabe sobre o futuro para conquistar mulheres. Já o jovem entediado vivido por Andy Samberg em "Palm Springs" vira a definição de um hedonista — até que a menina por quem se apaixonou também fique presa no "loop", sua vida consiste num sem-fim de bebedeiras e transas sem compromisso.

Além disso, diz Watkins, Nietzsche provavelmente seria bastante crítico em relação a esses filmes. "Acho que ele se preocuparia com o fato de que eles livram seus protagonistas de responsabilidade."

Uma pergunta ainda resta na discussão, porém. Se a ideia com a qual esses filmes lidam está longe de ser nova, por que ela parece ter se infiltrado em tantos roteiros atuais?

Para responder, Watkins recorre a um outro pesquisador, o crítico literário americano Hans Ulrich Gumbrecht, segundo o qual a maneira como nós entendemos o passado e o futuro no Ocidente vem mudando radicalmente nos últimos tempos.

De um lado, o passado, por causa da lógica da internet e das redes sociais, se tornou indissociável ao presente. De outro, o futuro, que acreditávamos poder construir, é definido por crises cada vez mais próximas, em especial a climática. "Em vez de caminharmos em direção a um futuro que moldamos, ele agora é uma ameaça prestes a nos atingir", resume Watkins.

Além de tudo isso, continua o professor, as antigas mitologias que costumavam dar sentido à vida também desapareceram com a modernidade. "O passado foi fechado, o futuro também. Agora, só temos o presente para escapar e tentar encontrar sentido na existência humana. E os filmes de 'loop' do tempo permitem fazer isso."

Feitiço do Tempo

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No Limite do Amanhã

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A Morte te Dá Parabéns

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Antes que Eu Vá

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Entre Realidades

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Um Amor, Mil Casamentos

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Dark

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