Siga a folha

Descrição de chapéu
cinema

Festival de Gramado premia o melhor e o pior filme da competição

'Oeste Outra Vez' sai com a láurea máxima da mostra de cinema, e equivocado 'Estômago 2' ganha quatro kikitos e júri popular

Assinantes podem enviar 7 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

No Festival de Cinema de Gramado, raramente o melhor filme ganha o prêmio principal do júri, que tradicionalmente laureia algum filme de maior comunicabilidade com o público. O belíssimo "Oeste Outra Vez", de Érico Rassi, parecia arriscado e cinematográfico demais para sair com a maior láurea nesta edição. Mas saiu. O júri distribuiu prêmios absurdos no começo, mas acertou no final e em outros poucos troféus.

É necessário dizer que sou amigo de Érico Rassi e de sua produtora e companheira Cristiane Miotto, embora seja importante lembrar também que o filme encantou a maior parte dos jornalistas, e alguns o considerou o melhor da competição. Como disse o crítico Luiz Zanin, na transmissão do Canal Brasil, o júri oficial teve o mérito de premiar o melhor filme.

Cena do filme 'Oeste Outra Vez', de Erico Rassi - Divulgação

Críticos são treinados a passar por cima de amizades ou eventos que possam prejudicar a fruição de uma obra, como os celulares que acendiam durante todas as exibições, num dos vícios mais irritantes da contemporaneidade.

Pois a forma não mente. Uma vez identificada a excelência ou a deficiência da forma, uma amizade, como também uma inimizade, não devem interferir em nosso julgamento. Gente de cinema de todos os credos e gostos reconheceram a forma superior de "Oeste Outra Vez". É um dos raros momentos de encontro de subjetividades tão diversas, aproximadas pela evidência na tela, como queria Jacques Rivette.

História de rivalidade masculina filmada na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, "Oeste Outra Vez" mostra dois homens ridículos, vividos magistralmente por Ângelo Antônio e Babu Santana, que tentam se matar porque amam a mesma mulher.

Se Federico Fellini foi o grande cronista do fracasso do macho italiano em filmes como "Casanova" ou "A Cidade das Mulheres", Rassi faz uma representação da masculinidade frágil no que se costuma chamar de Brasil profundo. A mulher pela qual esses homens lutam se afasta deles —e da camera— na primeira cena do filme, mostrando estar acima desse tipo de toxicidade possessiva.

Menos um filme de homens para homens do que um filme que identifica na sociedade patriarcal brasileira uma das principais causas de nossa perdição. Nesse sentido, é também o mais político da programação principal.

Além do excelente trabalho de câmera, com zooms e enquadramentos bem pensados, e da fotografia precisa de André Xará Carvalheira, justamente vencedora de um kikito, podemos destacar as atuações de Rodger Rogério —merecidíssimo vencedor do kikito de ator coadjuvante—, Daniel Porpino e Antônio Pitanga.

Todos os outros filmes da competição principal, infelizmente, estão bem abaixo. Esperava-se mais de "Cidade; Campo", de Juliana Rojas, mas parece que a pandemia atrapalhou muito a produção, impedindo uma maior elaboração da segunda parte, quando duas namoradas vão para o campo.

A primeira parte, com a moradora que perdeu tudo no rompimento de uma barragem e vai para São Paulo morar com a irmã e trabalhar como diarista, é mais redonda, embora o artifício das canções deixe um ar de já visto para quem conhece o novo cinema paulista.

Ainda assim, foi o segundo melhor filme da competição, venceu os kikitos de melhor filme para o júri da crítica, divergindo da maioria dos jornalistas presentes no evento, e de melhor atriz para Fernanda Vianna, a protagonista da primeira parte.

Cena do filme 'Barba Ensopada de Sangue', de Aly Muritiba - Divulgação

Mais ou menos em pé de igualdade estão quase todos os outros, exceto o equivocado "Estômago 2: O Poderoso Chef", de Marcos Jorge, que tenta repetir a estrutura do primeiro filme, mas repete também a fragilidade da trama que ocorre fora da prisão, em outro tempo. Muito se comentou que João Miguel se tornou um coadjuvante, o que se revelou uma má ideia.

E, por incrível que pareça, o mesmo júri que premiou de fato o melhor filme também distribuiu troféus para o pior. "Estômago 2" ganhou os kikitos de melhor ator, dividido entre João Miguel e Nicola Siri, melhor direção de arte, melhor roteiro e melhor trilha musical, além do prêmio do júri popular.

"O Clube das Mulheres de Negócio", de Anna Muylaert, ganhou um prêmio especial pelo elenco feminino, que realmente é notável, com Cristina Pereira, Irene Ravache, Louise Cardoso, Grace Gianoukas, Katiouscia Canoro, Helena Albergaria e Ítala Nandi. A comédia começa bem em sua inversão de gêneros, mas vai se perdendo até o final reiterativo e pobre de invenção.

Não muito melhor é "Pasárgada", a estreia da atriz Dira Paes na direção, premiada com o kikito de melhor desenho de som. É uma história de contrabando de pássaros que é narrada parcialmente em conversas enfadonhas por notebook, quando seu forte está em algumas das imagens da natureza.

Era esperada com alguma ansiedade a adaptação do livro "Barba Ensopada de Sangue", de Daniel Galera. Mas o filme de Aly Muritiba é acadêmico, com o espaço mal pensado na tela e sem imaginação no tratamento narrativo. Como o júri procurou premiar algo em todos os filmes, este saiu com o kikito de melhor montagem, numa das escolhas mais equivocadas.

Outro bem esperado era o novo longa de Eliane Caffé, "Filhos do Mangue". Mas sua trama, que envolve trapaça, violência e exploração sexual de mulheres jovens numa vila de pescadores do Rio Grande do Norte, nunca chega a convencer, exceto pela boa atuação de Felipe Camargo no papel principal. Mesmo assim, Caffé ganhou o kikito de melhor direção.

Apesar da excelência de "Oeste Outra Vez", um dos melhores longas do cinema brasileiro nos últimos anos, a seleção principal foi fraca, com predominância da mediocridade e de boas diretoras em maus momentos.

Melhor foi a competitiva gaúcha, com pelo menos dois filmes de destaque —"Até que a Música Pare", de Cristiane Oliveira, e "A Transformação de Canuto", de Ariel Kuaray Ortega e Ernesto de Carvalho, que venceu o prêmio principal da categoria.

Com as enchentes que castigaram o Rio Grande do Sul em maio, pode ser considerado um alento a realização do festival neste ano, passando por cima de inúmeros obstáculos, principalmente na logística com os convidados. Não à toa, a palavra da moda, "resiliência", foi muito falada no evento.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas