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Vendas de livros sobre Trump explodem a dois meses da eleição

Editoras lançaram mais de 1.200 títulos sobre o presidente, e nova safra recorde está para chegar às livrarias

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Elizabeth A. Harris

Repórter de cultura do jornal The New York Times

Alexandra Alter

Repórter de livros do jornal The New York Times

The New York Times

[RESUMO] Desde que Donald Trump assumiu a Casa Branca, livros sobre bastidores de sua gestão, sua família e seus negócios inundam o mercado editorial americano, e cifras de vendas atuais indicam que leitores ainda não se cansaram de obras desse tipo.

*

Desde que foi lançado, em maio, o livro mais recente da série “Jogos Vorazes”, “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”, vendeu 1,3 milhão de exemplares —um sucesso de grandes proporções, pelos padrões do mundo dos livros.

O livro de memórias de Mary L. Trump sobre seu tio, “Too Much and Never Enough” (demais e nunca o bastante), vendeu mais que isso em sua primeira semana nas livrarias.

Livros sobre políticos e governos não são vistos como sucessos comerciais certeiros. Porém, desde que o presidente Trump tomou posse, livros sobre sua campanha, sua administração, sua família, seus negócios, suas políticas e até sobre como ele joga golfe vêm sendo lançados por editoras diversas, grandes e pequenas.

Livros sobre a Presidência de Donald Trump - Jessica White - 31.ago.2020/The New York Times

E muitos desses títulos têm vendido muito, muito bem.

“Seja qual for a posição política de cada pessoa, uma coisa é certa: que os sentimentos intensos em torno da administração Trump estão fortalecendo a venda de livros de maneira nunca antes vista na arena política”, disse Kristen McLean, diretora executiva de desenvolvimento de negócios da firma de pesquisas de mercado NPD Books. “O volume de títulos entre os mais vendidos é realmente fora de série.”

Já na fase inicial da Presidência de Trump, começaram a ser lançados grandes trabalhos de denúncia redigidos por jornalistas, começando por “Fogo e Fúria – Por Dentro da Casa Branca de Trump”, de Michael Wolff, e depois “Medo – Trump na Casa Branca”, de Bob Woodward, que vendeu mais de 2 milhões de cópias.

Em seguida, saíram os relatos de "insiders" sobre o tumulto interno na Casa Branca, redigidos por muitos ex-funcionários que pediram demissão ou foram demitidos e procuraram reativar sua reputação e suas finanças com livros de memórias sensacionalistas, que em muitos casos viraram notícia.

Entre eles, livros de Anthony Scaramucci, que foi diretor de comunicação da Casa Branca por 11 dias; Cliff Sims, outro ex-assessor de comunicação da Casa Branca; Omarosa Manigault Newman, ex-assistente do presidente; James Comey, ex-diretor do FBI; John Bolton, ex-assessor de segurança nacional; e Anônimo, uma figura sênior na administração Trump.

Se havia algum receio de que os leitores se cansariam desses livros de denúncias e revelações, o receio foi aliviado pelas cifras de vendas. A venda de livros sobre Trump continua a crescer: neste verão americano, o livro de John Bolton vendeu mais de 1 milhão de exemplares, enquanto o livro de Mary Trump já está em sua 20ª tiragem.

“As vendas de livros políticos dependem muito da figura em torno da qual orbitam ser mais ou menos polarizadora, e não há ninguém mais polarizador que Donald J. Trump”, comentou Eamon Dolan, editor-executivo da Simon & Schuster, que editou o livro de Mary Trump. “Seja o que for que você pensa do presidente em termos políticos ou existenciais, sobre o que ele pode fazer pelo país ou causar ao país, o fato é que Trump é garantia de textos que prendem a atenção do leitor.”

Apesar de Trump ser altamente divisivo como líder, “para os compradores de livros, ele é uma figura muito unificadora”, disse Dolan.

De fato, já houve vários sucessos editoriais de autores conservadores que apoiam o presidente, incluindo “All Out War: The Plot to Destroy Trump” (guerra declarada: o complô para destruir Trump), de Edward Klein, “The Permanent Coup” (o golpe permanente), de Lee Smith, “The Russia Hoax: The Illicit Scheme to Clear Hillary Clinton and Frame Donald Trump” (o hoax da Rússia: o esquema ilícito para inocentar Hillary Clinton e incriminar Donald Trump), de Gregg Jarrett, e o livro recente de David Horowitz “BLITZ: Trump Will Smash the Left and Win” (blitz: Trump vai esmagar a esquerda e ganhar).

Trump recentemente postou no Twitter uma mensagem de apoio a um livro que saíra em breve de Lou Dobbs, apresentador da Fox Business, intitulado “The Trump Century: How Our President Changed the Course of History Forever” (o século de Trump: como nosso presidente alterou o curso da história para sempre).

Thomas Spence, presidente da Regnery Publishing, que publica títulos conservadores, disse que livros políticos geralmente têm resultados comerciais melhores quando conseguem atacar a oposição no poder. Os anos de Trump na Presidência, no entanto, têm sido bons para a editora.

“Tivemos vários sucessos de vendas”, disse Spence.

O boom não se limita a livros de memórias provocantes e textos de defensores incendiários do presidente. Até a Constituição anda tendo vendas fora do comum. As vendas desse documento subiram 40% em relação ao mesmo período do segundo mandato do ex-presidente Barack Obama. E o relatório de Robert Mueller, que está em domínio público e disponível gratuitamente online, vendeu centenas de milhares de cópias quando editoras lançaram suas próprias edições.

“Negativo, positivo, esquerda, direita —esses últimos três ou quatro anos elevaram as vendas de todos”, comentou o advogado Robert B. Barnett, de Washington, que intermedeia grandes contratos de livros de autores de ambos os lados do espectro político.

Livros políticos atuais detalhando o funcionamento interno de uma administração são um gênero popular há décadas, remontando à era de Eisenhower, mas o volume de títulos desse tipo e as dimensões do público interessado neles cresceram muito nos últimos anos.

Com a ascensão dos canais de TV a cabo de evidente viés partidário e com a polarização crescente da mídia e do público a partir da década de 1990, quando escândalos em torno dos Clinton alimentaram fúria entre a direita e táticas defensivas da esquerda, as editoras começaram a publicar mais livros que assumem posição política definida, em um esforço para atrair leitores de todo o espectro político.

Os subgêneros que emergiram —livros que elogiam o presidente, livros que o criticam, livros de memórias de assessores da Casa Branca, narrativas jornalísticas— deslancharam em grau inusitado sob a administração Trump, afirma Jon Meacham, biógrafo presidencial e autor de livros sobre Thomas Jefferson, Andrew Jackson, Franklin Roosevelt e George H.W. Bush.

“Para bem ou para mal, Trump intensificou o interesse público pela política”, diz. “É um momento inerentemente dramático, é tribalmente acirrado, é urgente, e por conta disso há uma sede espantosa por tudo que diz respeito à política.”

Nos últimos quatro anos foram lançados mais de 1.200 títulos sobre Donald Trump, comparados com cerca de 500 livros sobre o ex-presidente Barack Obama e sua gestão lançados no primeiro mandato de Obama, de acordo com uma análise da NPD BookScan.

Houve tantos livros de alto nível sobre a era Trump que há até um livro prestes a sair sobre todos os livros sobre Trump: “What Were We Thinking” (o que estávamos pensando?), do crítico de livros do Washington Post Carlos Lozada. Ele analisa cerca de 150 títulos para tentar explicar como Trump venceu e vem governando e o que sua Presidência nos diz sobre o país que o elegeu.

Outro fator que alimenta o volume e as vendas extraordinárias de livros sobre Trump é a rotatividade constante de assessores na ala oeste, acelerando a linha de tempo normal dos relatos de "insiders", que geralmente saem quando um presidente já deixou o cargo. Donald Trump já manifestou sua indignação com alguns dos livros, respondendo com tuítes enfurecidos e queixas legais que acabam provocando ainda mais cobertura noticiosa e reforçando mais ainda as vendas dos livros.

Para algumas pessoas do setor de livros, as vendas crescentes de livros políticos vêm beneficiando a indústria de livros como um todo nos últimos meses, não obstante a pandemia e a crise econômica. As vendas unitárias de livros em papel subiram mais de 5% neste ano até agora em comparação com o mesmo período de 2019, segundo a NPD BookScan.

Faltando apenas dois meses para o dia da eleição, uma safra recorde de livros sobre Trump está por chegar às livrarias. Em outubro a editora independente Skyhorse vai publicar às pressas “Disloyal” (desleal), livro de memórias de Michael Cohen, o ex-advogado e pau-para-toda-obra de Trump.

Em um prefácio que lançou em seu site na internet, Cohen deu declarações explosivas sobre o comportamento de Trump. A Skyhorse prevê que o livro seja sucesso de vendas, tanto que encomendou uma primeira tiragem de 600 mil exemplares.

Outros livros importante sobre Trump previstos para o próximo mês incluem “Rage” (ira), de Bob Woordward, um trabalho investigativo que detalha as negociações de Trump com a Coreia do Norte e o tratamento que ele deu à pandemia de coronavírus. Um livro de Andrew Weissmann, promotor principal do gabinete do promotor especial Robert Mueller. Um livro de Peter Strzok, ex-vice-diretor-assistente de contra-inteligência do FBI, sobre a investigação pelo FBI da interferência russa na eleição presidencial americana.

E “Donald Trump v. The United States: Inside the Struggle to Stop a President” (Donald Trump vs. Estados Unidos: por dentro do esforço para barrar um presidente), de Michael S. Schmidt, repórter investigativo do jornal The New York Times. Um livro de memórias de Rick Gates, assessor de alto nível da campanha de 2016 e testemunha na investigação sobre a Rússia, está previsto para sair em outubro.

Há também “Melania and Me: The Rise and Fall of My Friendship with the First Lady” (Melania e eu: a ascensão e queda de minha amizade com a primeira-dama), de Stephanie Winston Wolkoff, ex-amiga e assessora da primeira-dama. Wolkoff diz que foi forçada a deixar a administração e “atirada aos leões” depois de relatos sobre gastos excessivos na festa da posse do presidente, na qual ela esteve intimamente envolvida.

“Sempre há algum publisher ou agente dizendo que o interesse por Trump já se esgotou, que esse ou aquele livro teve desempenho muito bom, mas que ninguém mais quer ler sobre isso”, disse Matt Latimer, fundador da agência literária Javelin, de Washington. “E então sai outro livro que todo o mundo quer ler. E parece que a coisa nunca acaba.”

Não está claro, contudo, o que vai acontecer depois da eleição. Muitas pessoas do setor questionam se o chamado boom de Trump poderá se sustentar se Trump for derrotado e se as vendas de livros políticos sofrerão com a queda pós-Trump.

“Sempre houve interesse por bons livros do tipo escrito por 'insiders', mas a rotatividade constante na administração Trump e a turbulência dos últimos quatro anos geraram um nível de interesse intenso que provavelmente não vai se repetir por algum tempo”, afirmou Jonathan Burnham, publisher do selo Harper, da HarperCollins.

Embora Trump forneça o material de base desses livros, ele não parece ser capaz de reforçar as vendas de livros de que ele próprio gosta. Neste ano, ele tuitou para seus 86 milhões de seguidores sobre um livro intitulado “Trump and Churchill: Defenders of Western Civilization” (Trump e Churchill: defensores da civilização ocidental), de Nick Adams. Segundo a NPD BookScan, o livro vendeu apenas 2.810 exemplares desde maio. A Post Hill Press, editora do livro, diz que há uma sequência prevista para sair em 2021, “Trump and Reagan”.

“Quando Donald Trump recomenda um livro, isso tem pouco impacto sobre as vendas, mas quando ele odeia um livro, o livro salta para o primeiro lugar na lista dos mais vendidos”, comentou Latimer, o agente literário de Washington. “Você reza para Trump odiar seu livro e para ele tuitar sobre ele.”

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