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Carlos Augusto Calil

Omissão do governo de SP deixou Museu da Casa Brasileira ao relento

Em solução improvisada por falta de planejamento da Secretaria de Cultura, instituição será transferida para Casa Modernista

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[RESUMO] Fim do convênio entre Fundação Padre Anchieta e o Estado de São Paulo deixou o Museu da Casa Brasileira sem sede própria, em um misto de omissões e motivos ocultos. Transferência da instituição, única do país especializada em arquitetura e design, para a Casa Modernista, que passará por processo de restauro para receber o acervo, soa a solução improvisada, que não honra a vocação original e importância dos dois espaços, avalia ex-secretário municipal de Cultura.

No último dia 5 de abril, a Folha anunciava: "Museu da Casa Brasileira vai para Casa Modernista após perder sua sede". O comodato com o governo do Estado, que mantinha a cessão do Solar Fábio Prado, de propriedade da Fundação Padre Anchieta, venceu em março de 2021, mas foi prorrogado até o final daquele ano para coincidir com o fim do contrato de gestão da OS (organização social) A Casa Museu de Artes e Artefatos Brasileiros.

O comodato foi interrompido por iniciativa da Fundação Padre Anchieta, que notificou a Secretaria de Cultura do Estado no prazo legal, com três anos de antecedência. A Secretaria teve esse período para preparar a transição do Museu da Casa Brasileira para uma nova sede. Nada fez nesse sentido e o museu ficou ao relento. Era o desfecho da crônica de uma morte anunciada.

Museu da Casa Brasileira, na avenida Brigadeiro Faria Lima, na zona oeste de São Paulo - Bruno Santos/Folhapress

Os motivos que levaram a Fundação Padre Anchieta a reaver o solar permanecem obscuros. Há quem diga que a fundação deseja instalar lá a sua sede, outros sugerem que o imóvel será usado para promover a programação da TV Cultura e eventos. De todo modo, os motivos não são de natureza cultural, nem públicos.

No início de 2022, a organização social foi dispensada, assim como o seu corpo administrativo, e foi mantida parte da equipe técnica, com o diretor Giancarlo Latorraca à frente.

Ao reaver o imóvel, a fundação divulgou que administraria diretamente o museu, mesmo porque a doação com encargos a obriga a zelar pelos móveis originais do casal Fábio Prado/Renata Crespi. Mantidas as aparências, parecia possível então combinar atividades museológicas com sociais.

O recente desfecho escancarou a intenção inicial, e a cidade perdeu um museu criado em 1970, por iniciativa de Luís Arrobas Martins, secretário de Estado da Cultura do governo Abreu Sodré, responsável igualmente pela criação do Festival de Inverno de Campos do Jordão, do Museu da Imagem e do Som e do Museu de Arte Sacra.

O primeiro diretor do Museu da Casa Brasileira (MCB) foi o historiador Ernani da Silva Bruno, cujo mandato durou de 1970 a 79. No museu, desenvolveu a pesquisa "Equipamentos, Usos e Costumes da Casa Brasileira", publicada em cinco volumes em 2000. Com uma equipe de pesquisadores, construiu um repertório de milhares de informações sobre a vida material entre os séculos 16 e 19 no Brasil. Deu assim ao museu uma vocação e uma diretriz.

Em 1992, o MCB passou a ser dirigido pelo arquiteto Carlos Bratke, que em breve revelaria dotes de administrador. Professor e arquiteto com obra reconhecida no Brasil e no exterior, foi com naturalidade que inclinou a instituição para o estudo e a valorização da sua área de atuação.

A terceira contribuição veio de Adélia Borges, curadora e pesquisadora de design, que dirigiu o MCB de 2003 a 2007. Desde então, o museu se fortaleceu no campo da arquitetura e do design, preenchendo uma lacuna na área das artes aplicadas, vocação consolidada na gestão de Miriam Lerner.

Este é o perfil do museu que acaba de ser desativado. A proposta da Secretaria de Cultura do Estado de transferir o MCB para a Casa Modernista mal disfarça a improvisação. A transferência não é imediata e muito menos adequada.

O Parque e a Casa Modernista da rua Santa Cruz, 325, no bairro de Vila Mariana, foram transferidos ao patrimônio do Estado em 1995, mediante ação indenizatória. Esquecidos por um bom tempo, em 2008 foram oferecidos à Prefeitura de São Paulo, que lá instalou uma unidade do Museu da Cidade.

O projeto de restauro das edificações e de recuperação dos jardins foi contratado pela Secretaria Municipal de Cultura por R$ 750 mil em março de 2012, junto ao escritório Restarq Arquitetura Restauração, sob a responsabilidade do arquiteto Luís Magnani.

Entregue em setembro daquele ano, não houve tempo de a administração de Gilberto Kassab contratar a obra, estimada à época em R$ 8,7 milhões. As gestões que se sucederam na prefeitura não se interessaram pelo projeto.

Desde 2008, no entanto, casa e parque foram mantidos pela prefeitura, com investimentos em infraestrutura, manutenção, exposições etc. Recentemente, a direção do Museu da Cidade conseguiu sensibilizar as indústrias Klabin no patrocínio do restauro do conjunto.

O arquiteto de origem russa Gregori Warchavchik (1896-1972) projetou no final dos anos 1920 a Casa Modernista, sua residência na Vila Mariana, inspirado na doutrina funcionalista de Gropius e Le Corbusier. A sua execução foi problemática, pois o Brasil não dispunha ainda de uma indústria de construção capaz de fornecer componentes adequados.

O arquiteto teve de improvisar sua técnica construtiva com tijolos revestidos de cimento branco, e as janelas horizontais foram obrigadas a conviver com telhas coloniais e assoalho de madeira.

A importância arquitetônica dessa casa está justamente na documentação de um processo de transição entre as técnicas tradicionais e as modernas. E seu projeto era inédito no país; em 1928, Lúcio Costa ainda abraçava o estilo neocolonial.

O projeto da Secretaria Municipal de Cultura reserva para a Casa Modernista a reconstituição do ambiente original, vestido com móveis desenhados por Warchavchik, tapetes de John Graz, esculturas de Brecheret, pinturas dos artistas modernistas etc. Como Warchavchik foi também fotógrafo competente —é dele a última fotografia de Mário de Andrade—, a programação da casa viria a abrigar esse acervo pouco conhecido.

É de se questionar por que Governo do Estado, proprietário, e Prefeitura de São Paulo, permissionária, pese o empenho da direção do Museu da Cidade, não se interessaram em oferecer a Casa Modernista à cultura brasileira em 2022, no ano do centenário da Semana de Arte Moderna. Polêmicas à parte, a arquitetura modernista foi uma das vertentes mais consagradas, com realizações do porte da Pampulha e Brasília e repercussão internacional.

O investimento no restauro da Casa Modernista surge agora como solução improvisada de um problema político causado pela omissão da Secretaria de Cultura do Estado. O Museu da Casa Modernista merece ser efetivado pela prefeitura com sua vocação original, assim como o Museu da Casa Brasileira, único do país especializado em design e arquitetura, merece uma sede à altura, em endereço próprio.

A sociedade tem o direito de saber qual o destino do acervo precioso do MCB, composto de doações acumuladas ao longo de anos, como a do crítico teatral Alfredo Mesquita, bem como a da vasta biblioteca. Ele já se encontra todo embalado, pronto para a mudança. O destino final não será a Casa Modernista, cujos 1.200 metros quadrados nem sequer o comportam.

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