Cometemos erros, diz Mark Zuckerberg sobre vazamento de dados

Consultoria utilizou dados de milhões de usuários do Facebook para ajudar a eleger Trump

O presidente-executivo do Facebook, Mark Zuckerberg - Drew Angerer - 14.jul.17/Getty Images/AFP

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Silas Martí
Nova York

Mark Zuckerberg, enfim, rompeu o silêncio. Numa mensagem no Facebook, o presidente e cofundador da rede social reconheceu que houve uma "violação de confiança" entre a plataforma e seus usuários no episódio que pemitiu que dados pessoais fossem parar nas mãos de uma consultoria política.

"Temos a responsabilidade de proteger seus dados, e, se não pudermos fazer isso, não merecemos servir vocês", escreveu Zuckerberg.

"Estou tentando entender o que houve para que não aconteça de novo. Também cometemos erros e precisamos fazer mais ainda. Precisamos consertar isso."

Essa foi a primeira manifestação do executivo desde o fim de semana, quando estourou o escândalo do uso indevido de informações pessoais de mais de 50 milhões de usuários dessa rede social.

Esses dados foram parar nas mãos da consultoria política britânica Cambridge Analytica, empresa financiada pelo bilionário Robert Mercer e por Steve Bannon, ex-estragista-chefe de Donald Trump, que trabalhou para favorecer a corrida vitoriosa do presidente republicano à Casa Branca em 2016.

Na maior crise de imagem a abalar o Facebook desde o surgimento da plataforma, em 2004, Zuckerberg vinha sendo pressionado havia dias para se manifestar. Usou a sua própria rede social para explicar como ela fracassou.

O executivo disse que a ideia de criar uma rede em que as pessoas e seus amigos fossem conectados de modo integral favoreceu que empresas de terceiros compilassem seus dados para fins indevidos, já que desenvolvedores de aplicativos tinham acesso a perfis de usuários.

Zuckerberg lembrou que há cinco anos um pesquisador, Aleksandr Kogan, da Universidade Cambridge, no Reino Unido, criou um teste de personalidade instalado no Facebook baixado então por 270 mil usuários da rede.

Esse aplicativo deu a Kogan acesso aos dados dos amigos dessas pessoas e acabou expondo dezenas de milhões de outros perfis. Ele, então, no que o executivo chama de outra "violação de confiança", repassou esses dados à Cambridge Analytica.

Executivos dessa empresa com sede em Londres foram flagrados nos últimos meses explicando como faziam para manipular o resultado de eleições pelo mundo usando perfis desviados do Facebook, entre elas a mais recente corrida presidencial americana e o referendo sobre o "brexit".

O escândalo trouxe à tona uma prática comum no Facebook, segundo ex-executivos da rede social, que diziam que a empresa não tinha nenhum controle sobre o que seus parceiros faziam com informações compiladas ali e que havia surgido até um "mercado negro" de dados.

AÇÔES

No mercado de ações, as reações foram catastróficas. Nesta semana, o Facebook perdeu US$ 50 bilhões (o equivalente a US$ 164 bilhões) em valor de mercado e papéis da empresa na Bolsa de Nova York tiveram a sua pior retração em quatro anos.

Nesta quarta-feira (21), as ações continuaram em queda e só inverteram essa tendência depois do pronunciamento de Zuckerberg, chegando ao fim do dia com valorização de 0,74%.

Enquanto isso, os governos americano e britânico, além de autoridades da União Europeia, vêm cobrando explicações de Zuckerberg, que decidiu falar primeiro com os usuários que garantem ao Facebook sua enorme fortuna.

Em meio a campanhas pelo fim da rede, batizadas #DeleteFacebook e #BoycottFacebook, o executivo prometeu uma série de mudanças para evitar desvios de dados.

Ele disse em seu post que a ferramenta que mostra que aplicativos têm acesso ao perfil do usuário ficará agora no alto da página principal e que empresas na plataforma terão acesso só ao nome, à foto de perfil e ao email do cliente.

Zuckerberg também prometeu banir do Facebook qualquer empresa que não aceitar uma auditoria da rede sobre a forma como usou dados de seus usuários e que vai alertar todos os clientes que puderam ter suas informações expostas a essas firmas.

"Eu comecei o Facebook e, em última análise, sou eu o responsável pelo que acontece em nossa plataforma", escreveu. "Vamos aprender com a experiência e tornar a nossa comunidade mais segura para todos daqui para a frente", afirmou.

INVESTIGAÇÃO

Mas, enquanto Zuckerberg promete melhoras, autoridades querem entender a fundo a gravidade da situação.

Além de cobranças de esclarecimento de parlamentares americanos e europeus, a Comissão de Comércio dos Estados Unidos abriu uma investigação contra a empresa que pode resultar em multas bilionárias pela violação da privacidade de seus usuários.

O governo suspeita que o Facebook tenha desrespeitado um termo de conduta acordado em 2011 em que se comprometia a alertar os usuários sobre o compartilhamento de seus dados com terceiros.

LEIA A ÍNTEGRA DO TEXTO PUBLICADO POR ZUCKERBERG

"Quero compartilhar uma atualização sobre a situação envolvendo a Cambridge Analytica - incluindo as medidas que já tomamos e nossos próximos passos para tratar dessa importante questão.

Temos a responsabilidade de proteger os seus dados e, se não formos capazes de fazê-lo, não merecemos servi-los. Tenho trabalhado para compreender exatamente o que aconteceu e como garantir que isso não se repita. A boa notícia é que as providências mais importantes para impedir que isso aconteça foram tomadas anos atrás. Mas também cometemos erros. Há mais a fazer, e precisamos nos esforçar mais e fazer o necessário.

Eis uma cronologia dos acontecimentos:

Em 2007, lançamos a Plataforma Facebook, com a visão de que mais apps deveriam se tornar sociais. A agenda diária do usuário seria capaz de mostrar os aniversários de seus amigos, os mapas que ele usaria mostrariam onde seus amigos moram, e sua agenda de contatos mostraria fotos desses contatos. Para tanto, permitimos que as pessoas se conectassem a apps, revelassem quem eram seus amigos e compartilhassem com os apps algumas informações sobre eles.

Em 2013, um pesquisador da Universidade de Cambridge chamado Aleksandr Kogan criou um app de teste de personalidade. O app foi instalado por cerca de 300 mil pessoas, que permitiram acesso aos seus dados e a dados de alguns de seus amigos. Dada a maneira pela qual nossa plataforma operava naquele período, isso permitiu que Kogan obtivesse acesso aos dados de dezenas de milhões de amigos de usuários.

Em 2014, para prevenir apps abusivos, anunciamos que estávamos mudando toda a plataforma a fim de limitar dramaticamente os dados a que apps teriam acesso. O mais importante é que apps como o de Kogan não poderiam mais solicitar dados sobre os amigos de uma pessoa a não ser que os amigos em questão autorizassem o app. Também solicitamos aos desenvolvedores que obtivessem nossa aprovação antes que solicitassem dados delicados aos seus usuários. Essas medidas impediriam que qualquer app como o de Kogan tivesse acesso a grande volume de dados, hoje.

Em 2015, jornalistas do "Guardian" nos informaram de que Kogan havia compartilhado dados obtidos por seu app com a Cambridge Analytica. É contra nossas normas que desenvolvedores compartilhem dados sem o consentimento dos usuários, e por isso imediatamente excluímos o app de Kogan de nossa plataforma e exigimos que Kogan e a Cambridge Analytica certificassem formalmente a remoção de todos os dados adquiridos de maneira indevida. Eles ofereceram a certificação requerida.

Na semana passada, o "Guardian", o "New York Times" e o Channel 4 nos informaram de que a Cambridge Analytica talvez não tivesse apagado os dados cuja remoção eles haviam certificado. Imediatamente os proibimos de usar qualquer de nossos serviços. A Cambridge Analytica afirma que os dados já haviam sido apagados, e concordou com uma auditoria forense conduzida por uma empresa que contratamos para confirmar o fato. Também estamos trabalhando com as autoridades regulatórias em sua investigação sobre o acontecido.

O caso representa uma quebra da confiança entre Kogan, a Cambridge Analytica e o Facebook. Mas também representa uma quebra de confiança entre o Facebook e as pessoas que compartilham seus dados conosco e contam que os protejamos. Precisamos resolver esse problema.

Quanto a isso, as medidas mais importantes foram tomadas alguns anos atrás, em 2014, a fim de impedir que agentes mal intencionadas obtivessem acesso a informações pessoais dessa maneira. Mas precisamos fazer mais, e delinearei as novas medidas abaixo.

Primeiro, vamos investigar todos os apps que tiveram acesso a grandes volumes de informação antes que mudássemos a nossa plataforma, em 2014, a fim de reduzir dramaticamente o acesso a dados, e conduziremos uma auditoria completa de qualquer app que mostre atividades suspeitas. Excluiremos de nossa plataforma qualquer desenvolvedor que não aceite uma auditoria completa. E se identificarmos desenvolvedores que usaram informações que permitem identificação pessoal de maneira indevida, nós os excluiremos e informaremos diretamente a todas as pessoas afetadas por esses apps. Isso inclui as pessoas cujos dados Kogan usou indevidamente.

Segundo, restringiremos ainda mais o acesso dos desenvolvedores a dados, a fim de prevenir outras formas de abuso. Por exemplo, bloquearemos o acesso do desenvolvedor aos seus dados caso vocês não tenham usado um app por três meses. Reduziremos os dados que o usuário fornece a um app ao acessá-lo, para apenas seu nome, endereço de email e foto. Exigiremos que os desenvolvedores não só obtenham aprovação mas também assinem um contrato antes que possam solicitar a qualquer um acesso aos seus posts e outros dados privados. E haverá novas mudanças a anunciar nos próximos dias.

Terceiro, gostaríamos de garantir que vocês compreendam exatamente que apps têm acesso aos seus dados. Nos próximos 30 dias, todos os usuários verão, no topo de seu News Feed, uma ferramenta que mostrará que apps eles usaram, e uma maneira simples de revogar as permissões para que esses apps acessem seus dados. Já temos uma ferramenta para isso nos controles de privacidade, e agora ela será instalada no topo do News Feed, para garantir que todos a vejam.

Somados às medidas que já havíamos adotados em 2014, creio que estes sejam os próximos passos que precisamos dar para continuar a garantir a segurança de nossa plataforma.

Criei o Facebook e, em última análise, sou responsável pelo que acontece em nossa plataforma. Falo sério quando digo que farei tudo que for necessário para proteger nossa comunidade, Embora a questão específica envolvendo a Cambridge Analytica não deva mais acontecer com os novos apps que temos hoje, isso não muda o que aconteceu no passado. Aprenderemos com essa experiência a proteger ainda mais a nossa plataforma e a tornar nossa comunidade mais segura para todos, no futuro.

Gostaria de agradecer a todos que continuam a acreditar em nossa missão e em nosso trabalho para construirmos juntos esta comunidade. Eu sei que resolver todas essas questões demora mais do que gostaríamos, mas prometo que trabalharemos até que isso aconteça e que construiremos um serviço melhor em longo prazo."

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