Nova fase da Operação Carne Fraca prende ex-presidente da BRF

PF investiga supostas fraudes laboratoriais e informação de dados fictícios ao Ministério da Agricultura

O ex-vice-presidente da BRF Hélio Rubens dos Santos Junior chega à sede da Policia Federal, em São Paulo - Newton Menezes/Futura Press/Folhapress
 

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Ana Luiza Albuquerque Raquel Landim
São Paulo e Curitiba

O ex-presidente do grupo BRF, Pedro de Andrade Faria foi preso na manhã desta segunda-feira (5) pela Polícia Federal. Ele teve mandado de prisão temporária decretado pelo juiz André Wasilewski Duszczak, da 1ª Vara Federal de Ponta Grossa (PR), e será transferido para Curitiba.

A empresa, maior processadora de alimentos do Brasil, foi alvo da terceira fase da Operação Carne Fraca, denominada Trapaça. As investigações demonstraram que setores de análises do grupo e cinco laboratórios credenciados pelo Ministério da Agricultura raudavam resultados de exames em amostras do processo industrial, informando dados fictícios ao Serviço de Inspeção Federal.

O objetivo era diminuir os níveis da bactéria salmonela, que impediriam a exportação dos produtos para mercados externos de controle mais rígido.

A prisão de Pedro Faria foi determinada porque o ex-presidente teria tentado acobertar as fraudes, reveladas na petição inicial da ação trabalhista de uma ex-funcionária do grupo. Quando ciente das acusações, o executivo recomendou ao então vice-presidente, Hélio Rubens Mendes dos Santos Júnior, também alvo de prisão temporária, que tomasse "medidas drásticas" para proteger a empresa.

Em comunicado ao mercado, a BRF disse que está se inteirando dos detalhes da operação e está colaborando com as investigações para esclarecimento dos fatos.

Dos Santos Júnior também teve a prisão temporária decretada e foi conduzido à sede da Policia Federal, em São Paulo.

Em um dos emails, uma das advogadas da empresa alerta sobre a ação trabalhista movida pela ex-funcionária. "Ela requer indenização por danos morais em razão de ter sido compelida a alterar resultados de exames. As acusações são graves e agora públicas", escreve.

Quando a notícia chega a Pedro de Andrade, ele pede que o vice-presidente "avalie algo drástico por lá" e diz que a situação é absurda. "Impressionante como sempre levamos bucha dos mesmos lugares", diz.

Em outra troca de mensagens, funcionários do grupo falam sobre adulterações na rastreabilidade de um complemento vitamínico das rações fabricadas pela empresa. Nesta conversa, uma técnica de garantia de qualidade faz uma lista do que seria necessário burlar quando há solicitações de auditoria. Uma funcionária pergunta se teria como "andar dentro da lei". A técnica responde: "Ter tem, mas hoje é uma estratégia da empresa". 

Foram emitidas 91 ordens judiciais nos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás e São Paulo, sendo 11 mandados de prisão temporária, 27 de condução coercitiva e 53 de busca e apreensão —incluindo nas plantas da BRF em Chapecó (SC), Carambeí (PR), Curitiba (PR), Mineiros (GO), Rio Verde (GO) e no escritório em São Paulo.

Apenas um mandado de prisão não foi cumprido.

Segundo as investigações, as fraudes tinham como finalidade burlar o Serviço de Inspeção Federal, impedindo que o Ministério da Agricultura fiscalizasse com eficácia a qualidade do processo industrial da BRF

Em parecer, o Ministério Público Federal afirma que crimes contra a saúde pública, assim como delitos de falsidade documental, acontecem de forma reiterada através da atuação da BRF, bem como de laboratórios de análise vinculados a ela, "em verdadeira associação criminosa". 

O órgão diz que o alcance dos atos praticados é "incomensurável", ressaltando que foram postas em risco a saúde e a credibilidade o Brasil no mercado externo, "em detrimento de empresas de impecável atuação no comércio exterior".

De acordo com a PF, o esquema ocorreu de 2012 a 2015. As investigações agora tentam definir se as fraudes também aconteceram nos anos posteriores. 

As investigações demonstraram que a prática das fraudes contava com a anuência de executivos e do corpo técnico da BRF, além de profissionais responsáveis pelo controle de qualidade dos produtos da própria empresa. 

As investigações também identificaram manobras extrajudiciais, operadas pelos executivos do grupo, com o objetivo de acobertar a prática das fraudes.

Em entrevista à imprensa, o delegado Mauricio Grillo, coordenador da operação, disse que emails trocados entre executivos do grupo e funcionários do controle de qualidade indicaram que as fraudes eram uma estratégia da empresa para maximizar o lucro. Segundo ele, as investigações apontam anuência de toda a gestão executiva no esquema.

Os investigados poderão responder por falsidade documental, estelionato qualificado e formação de quadrilha ou bando, além de crimes contra a saúde pública. Os que tiveram prisão temporária decretada serão levados à sede da Polícia Federal em Curitiba.

Questionado sobre a condução coercitiva de testemunhas, o delegado afirmou que a prática não desrespeita a decisão do STF, que proibiu apenas a condução coercitiva de investigados.

Três unidades produtoras da empresa serão suspensas. O coordenador do DIPOA (Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal), Alexandre Campos da Silva, afirmou que o risco à saúde pública não está configurado.

A empresa maquiava os níveis de salmonela, bactéria que, segundo o coordenador, por si só não caracteriza risco à saúde pública, dado o cozimento e fritura dos produtos. Os dois patógenos que representariam este risco não foram identificados na investigação.

A unidade de Maringá (PR) do laboratório Meriux NutriSciences é apontada pela PF como responsável por fraudar os exames laboratoriais. O laboratório não era credenciado pelo MAPA (Ministério da Agricultura Pesca e Agropecuária), mas realizou análises para BRF que eram solicitadas ao laboratório Allabor, ambos do grupo Bioagre Laboratórios.

Em nota, o Meriux afirmou que repudia a adulteração de laudos e que está à disposição das autoridades para para prestar esclarecimentos. No final de fevereiro, a unidade de Maringá foi credenciada junto ao MAPA e pode realizar diversos exames, inclusive para detectar a presença de salmonela. 

A operação Carne Fraca foi deflagrada pela PF em março do ano passado após denúncias de irregularidades na fiscalização de frigoríficos, o que levou diversos países a suspenderem temporariamente a importação de carne brasileira.

SALMONELA

Em nota, o Mapa (Ministério da Agricultura) disse que a SDA (Secretaria de Defesa Agropecuária) conta com uma equipe de auditoria especializada atuando em conjunto com a Policia Federal.

De acordo com o ministério, entre os procedimentos adotados pela secretaria a partir da ação estão a suspensão do credenciamento dos laboratórios alvos da operação até finalização dos procedimentos de investigação, podendo resultar no cancelamento definitivo da credencial, e a suspensão dos estabelecimentos envolvidos na exportação das carnes a países que exigem requisitos sanitários específicos de controle. 

Além disso, a SDA deve implementar medidas complementares de fiscalização, com aumento da frequência de amostragem, para as empresas envolvidas, até o final do processo de investigação.

Segundo o ministério, a presença da bactéria salmonela é comum, principalmente em carne de aves, pois faz parte da flora intestinal desses animais. "No entanto, quando utilizados os procedimentos adequados de preparo e de consumo, minimizam os riscos no consumo da salmonela, uma vez que a bactéria é destruída em altas temperaturas, como frituras e cozimento."

O  Anffa Sindical (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários), que em nota apoiou a operação, explica que há dois tipos de salmonela que são danosos à saúde pública e dois à saúde animal. "Ao serem detectados devem desencadear uma série de procedimentos dentro de granjas e nos produtos, com objetivo de garantir a segurança alimentar do consumidor."

CONSELHO

A operação é mais um entrave para a BRF, que passa por um processo de mudança no seu comando após anunciar prejuízo recorde de R$ 1,1 bilhão em 2017. Uma reunião do Conselho de Administração da empresa está marcada para as 9h45 desta segunda para decidir sobre a sua destituição. 

O encontro foi convocado pelos dois principais fundos de pensão do Brasil, Petros (Petrobras) e Previ (Banco do Brasil), que detêm 22% das ações da empresa e querem a saída do empresário Abilio Diniz da presidência do conselho. 

A empresa nasceu em 2009, a partir da fusão da Sadia com a Perdigão. No total, o grupo tem mais de 30 marcas.

Pedro Faria, que já foi aliado de Abílio, foi destituído da presidência da BRF em 2017. José Drummond entrou no seu lugar. Faria é do fundo de investimentos Tarpon, dono de 8,5% da BRF, e estava no cargo desde 2014. 

Em nota, a Tarpon informou que não é investigada na Carne Fraca e que a busca realizada pela PF em sua sede visava descobrir documentos de Faria relativos à sua gestão na BRF.

OUTRO LADO

Em nota, a BRF diz que "está mobilizada para prestar todos os esclarecimentos à sociedade" e "que nenhuma das frentes de investigação da Polícia Federal diz respeito a algo que possa causar dano à saúde pública".

Sobre a contaminação em Carambeí, declara que há 2.600 tipos de salmonela e que a bactéria encontrada, Salmonella pullorum, não afeta a saúde humana.

O lote de 46 mil pintos citado na denúncia, segundo a BRF, foi alvo de análises que não identificaram a presença da salmonela, contudo, a bactéria foi identificada em matrizes e lotes de frango de corte no mesmo período em Carambeí. A empresa detalha que enviou 29 ofícios aos órgãos federais e estaduais.  

Sobre as fraudes laboratoriais em Rio Verde, diz que as acusações da ex-funcionária foram tomadas com seriedade e que medidas técnicas e administradas foram implementadas.


ENTENDA A OPERAÇÃO

ORIGEM

  • - Após a carne fraca, em março de 2017, uma granjeira de Carambeí (PR) denunciou à PF que avisou a BRF sobre lotes de pintinhos com salmonela
  • - A empresa não teria feito nada e, segundo as investigações, atuou para transferir um fiscal agropecuário da região, para evitar a fiscalização
  • - A PF afirma que um laboratório de Maringá (PR), sem credenciais junto aos órgãos competentes, ajudou a fraudar laudos para esconder a contaminação

DEPOIS...

  • - Nas investigações, a PF descobriu emails da diretoria da BRF sobre uma ação trabalhista em que uma ex-funcionária de Rio Verde (GO) alegava ter sido forçada a fraudar outros laudos, também para esconder casos de contaminação
  • - Segundo as investigações, emails trocados pela cúpula da empresa comprovam tentativa de acobertar a fraude
  • - A BRF ofereceu acordo com a ex-funcionária acima do usual, ainda segundo os investigadores para que a ação fosse encerrada sem alarde

ALÉM DISSO...

  • - Com a interceptação de e-mails e telefonemas, a PF também constatou alterações fraudulentas na fábrica de rações da BRF em Chapecó (SC)
  • - Teriam sido alteradas etiquetas para impedir que a rastreabilidade descobrisse uso de medicamentos na ração animal fornecida aos granjeiros terceirizados
     

Erramos: o texto foi alterado

Batavo e Elegê são marcas da Lactalis, e não da BRF  

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