Economistas tratam temas cotidianos com simplicidade
Livro reúne 87 textos do grupo Por Quê?, que assina coluna no site da Folha
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O prestígio dos economistas ortodoxos despencou no mundo com a hecatombe financeira do fim de 2008. No ano seguinte, o Brasil superou a crise com aumento do gasto e do crédito estatal.
Foi o bastante para tirar a mais conhecida vertente heterodoxa latino-americana, conhecida como desenvolvimentismo, do estado de latência em que havia mergulhado no fim dos anos 1980.
A história é conhecida: a velha receita de estímulos tributários e subsídios públicos levou a rombo no Orçamento, inflação e recessão.
Em 2015, eram os heterodoxos do país que passavam vexame --do qual hoje procuram escapar apontando as agruras do projeto reformista de Michel Temer.
Ao longo dessa sequência de acontecimentos, tornaram-se frequentes iniciativas de economistas de pensamento mais convencional para popularizar sua ciência, por meio de jornais, livros, internet.
Aparentemente, notou-se que o debate nacional é mais pueril do que se imaginava. Deve-se explicar mais uma vez que o dinheiro do governo não é infinito, que leis são incapazes de elevar salários, que os benefícios das políticas públicas têm custos a serem medidos e avaliados.
Com 87 textos curtos, Carlos Eduardo Gonçalves, Irineu de Carvalho Filho e Mauro Rodrigues tratam, em linguagem coloquial, de temas tão diferentes quanto a reforma da Previdência Social, o preço da vida humana e a Mega-Sena.
Entretanto desde a capa, que anuncia o prefácio de Armínio Fraga, percebe-se que não se trata de um mero guia introdutório para leigos.
"Ao discutir temas econômicos de maneira clara e didática, os autores fornecem um antídoto contra o populismo e a demagogia", escreve Fraga, referência da ortodoxia no contexto brasileiro.
Algum embate ideológico permeia, assim, as 251 páginas do livro, mesmo que contra a vontade dos economistas.
Um antigo motivo de queixa dos ortodoxos brasileiros, aliás, é ver suas ideias --amparadas na literatura mais aceita no mundo-- postas em pé de igualdade com teses heterodoxas na arena política.
A questão é abordada em um dos capítulos, dedicado a rejeitar os rótulos de "desenvolvimentista" e "neoliberal".
"Essa nomenclatura é invenção de quem se diz desenvolvimentista", diz Gonçalves, "e esses termos acabaram, desgraçadamente, incorporados ao linguajar jornalístico."
Os autores querem, pois, que seus textos sejam lidos como a expressão mais fiel do conhecimento acumulado em sua área.
"Respostas simples e racionais para perguntas complexas", promete o subtítulo. Está lá, sim, o esforço de racionalidade; nem tudo, porém, pode ser tão simples.
As observações são pertinentes em grande parte das vezes, especialmente em questões básicas do cotidiano.
Numa delas, demonstra-se que o 13º salário não muda nada na vida do trabalhador. Poderia haver 15, 37 ou 60 salários anuais, afinal: a remuneração real apenas seria recebida em mais parcelas.
Há ainda explanações úteis sobre o funcionamento dos mercados em capítulos sobre Airbnb, aplicativos de transporte individual, legalização da maconha, ovos de Páscoa, bagagens de avião.
No entanto o bê-á-bá não se aplica tão bem quando se tenta apontar, por exemplo, por que a cidade de Sobral, no Ceará, tornou-se uma referência na educação pública.
Afirmar que "o dinheiro é usado eficientemente, dentro de uma estratégia educacional coerente", não vai muito além da tautologia --já se sabe que o gasto foi eficiente, dados os bons resultados.
Também se incorre no risco de simplificação excessiva em casos como o da defesa do voto distrital, quando se apresentam os prós e se esquecem os contras do sistema.
De todo modo se oferece um cardápio variado e interessante de temas, tratados com franqueza --um requisito da linguagem clara, como diz um célebre ensaio de George Orwell-- e coerência.
Não é uma cartilha, dado que a economia não se presta a tantas certezas. A obra será proveitosa, justamente, se suscitar dúvidas entre os detratores do mercado.